O direito sucessório sofreu significativas alterações com o
advento do Código Civil de 2002, dentre elas a inclusão do cônjuge como herdeiro
necessário, fato que não ocorreu com o companheiro, decorrente da união
estável, gerando grandes discussões e divergências no mundo jurídico.
1. Introdução
Antes de analisarmos a situação do cônjuge e do companheiro
no direito sucessório, faz-se necessário um breve estudo sobre as diferenças
entre os institutos da meação e do direito hereditário, que por se tratarem de
direitos patrimoniais, são confundidos; especialmente em se tratando da
sucessão exercida pelo companheiro, como veremos no decorrer deste estudo.
Também será exposto
um breve conceito do que é direito sucessório e suas espécies (legítima – causa
mortis; e testamentária – última vontade do falecido); e ainda quem são os
chamados herdeiros necessários, para que possamos então entender a questão do
cônjuge e do companheiro na sucessão.
A partir desses conceitos, passaremos ao objeto principal do
presente estudo, ou seja, as peculiaridades que diferenciam as condições do
cônjuge (pessoa casada) e do companheiro (união estável) na sucessão, segundo o
Código Civil de 2002 e a Constituição Federal, bem como as divergências
jurisprudenciais e doutrinarias quanto à matéria.
2. MEAÇÃO E DIREITO
HEREDITÁRIO (Herança)
Muito se confunde com os dois institutos, que são totalmente
diferentes, tanto no momento em que se configuram quanto aos legitimados a
receber tais direitos, sem contar que as normas que regem tais institutos
também não são as mesmas.
Herança são todos os bens deixados por pessoa falecida e que
será herdada por seus sucessores, aqueles possuidores do direito hereditário
cujo rol é expresso em lei ou por testamento. Portanto o recebimento de
determinada herança só será consolidado com a morte de um indivíduo, e em regra
independe do regime matrimonial dos bens.
Já a meação, é a metade de todo o patrimônio comum de um
casal, e decorre do regime de bens adotado quando do casamento ou da união
estável, e é regida pelo direito de família. Portanto, significa a metade de
todos os bens que cada cônjuge ou companheiro tem direito em caso de separação
ou dissolução da união.
E suma, temos que a meação decorre do regime de bens e o
direito hereditário surge com a morte de um dos cônjuges ou companheiro.
3. DIREITO SUCESSÓRIO
Tem como característica principal a transmissão de bens
patrimoniais da pessoa falecida a seus sucessores, seja de forma legal (pela
lei) ou através de testamento (última manifestação da vontade).
Como já vimos anteriormente, o direito sucessório só tem
início com a morte do titular da herança a ser transmitida.
A forma legal ou na forma da lei é a chamada sucessão
legítima, ou seja, quando o falecido morre e não deixa testamento; nesse caso a
herança é transmitida aos herdeiros legítimos indicados em lei, os chamados
herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge), nessa ordem de
sucessão.
Já a forma testamentária, como o próprio nome já diz, o
falecido deixa registrado a sua última vontade, porém essa vontade não é
absoluta, pois deverá ser observado que havendo herdeiros necessários só poderá
dispor de metade da herança, uma vez que a outra metade é assegurada a estes
herdeiros.
4. HERDEIRO
NECESSÁRIO
Herdeiros necessários são todos aqueles que têm direito à
herança por força de lei e que não podem ser excluídos da sucessão.
Portanto a estes pertence a metade dos bens de determinada herança, denominada
essa parte de legítima, que serão chamados à sucessão seguindo uma ordem de
vocação hereditária.
A vocação hereditária é a ordem em que os herdeiros são
chamados a suceder o morto. Segundo a norma vigente, primeiro são os
descendentes, depois os ascendentes em seguida o cônjuge sobrevivente e por fim
os colaterais.
Porém há que se esclarecer que somente são herdeiros
necessários os descendentes, ascendentes e o cônjuge.
E é justamente essa uma das principais inovações do Código
Civil de 2002, na matéria de sucessões ao incluir a figura do cônjuge como
herdeiro necessário, o que anteriormente não era.
O problema surge no momento em que não foi dado o mesmo
tratamento ao companheiro (que vive em união estável) pelo legislador, o que
será analisado no próximo tópico.
5. CÔNJUGE E
COMPANHEIRO NA SUCESSÃO
Uma das maiores modificações na matéria de sucessões
ocorridas no Código Civil de 2002, foi a inclusão do cônjuge no rol dos
herdeiros necessários, alterando a ordem do antigo código, que trazia o cônjuge
em terceiro lugar como herdeiro facultativo, ou seja, caso não existissem
descendentes ou ascendentes era chamado a suceder.
Com essa inovação, o cônjuge participa como herdeiro
necessário, exceto se ao tempo da morte do outro estavam separados
judicialmente ou de fato por mais de dois anos; nesse caso não será reconhecido
o direito sucessório ao sobrevivente, como dita o artigo 1.830 do Código Civil.
O legislador claramente quis proteger e prestigiar a família
formada pelo casamento formal, uma vez que o cônjuge sobrevivente passou a ter
um direito protegido sobre a herança deixada, abrangendo inclusive o
testamento, ou seja, independentemente da última vontade do “de cujus”, este
fica limitado a dispor de apenas cinquenta por cento de seu patrimônio, ficando
os outros cinquenta por cento assegurados aos herdeiros necessários.
Até aqui, não houve divergências ou discussões sobre essa
proteção ao cônjuge sobrevivente que, respeitadas certas exceções onde o regime
de casamento influencia na cota parte a ser sucedida pelo cônjuge em relação
aos demais sucessores, ou em casos de perda legal desse direito, sempre terá
garantida sua participação na sucessão.
A discussão paira sobre o convivente ou companheiro,
decorrente de união estável, que no direito sucessório não recebeu o mesmo
tratamento do cônjuge, uma vez que seu direito foi tratado nas disposições
gerais, mais precisamente no artigo 1.790 do Código Civil, enquanto que
referente ao cônjuge está nos artigo 1.829 e 1.845 do mesmo diploma legal,
passando referida diferenciação ser objeto de grande discussão tanto pela
doutrina quanto pela jurisprudência, que se dividiram em duas correntes.
A primeira defende que o legislador agiu de forma acertada
ao dar tratamento diferenciado entre companheiro e cônjuge, pois, apesar da
Constituição Federal tratar a união estável como uma entidade familiar em seu
artigo 226, não a equiparou ao casamento, tanto que no seu parágrafo 3º, parte
final, está expresso que a lei deve facilitar a conversão da união em
casamento, deixando claro que referida diferenciação deve servir de estímulo
para os que vivem de forma informal regularizarem suas situações convertendo a
união em casamento.
A outra corrente defende que o artigo 226 da Constituição
Federal equiparou os dois institutos, e mais ainda, sustentam que diante disso,
o artigo 1.790 do Código Civil em vigor é inconstitucional, uma vez que fere a
dignidade e a igualdade da pessoa humana, pois, ao analisar referido artigo,
nota-se que havendo bens deixados pelo “de cujus”, adquiridos antes da união
estável, não tendo este deixado testamento em favor do companheiro
sobrevivente, e não havendo outros herdeiros, até mesmo o Estado tem
preferência na sucessão, deixando o companheiro sobrevivente totalmente
desamparado, e isso é totalmente reprovável. E mais, se houver parentes
sucessíveis, só terá direito a um terço dos bens adquiridos onerosamente na
vigência da união, pois os demais bens ficarão somente aos colaterais até o
quarto grau, que nunca contribuíram ou participaram da vida dos companheiros,
havendo, portanto, uma verdadeira confusão entre o direito de herança e o
direito de meação.
Sustenta ainda essa corrente que em relação ao disposto no
texto constitucional ao determinar que a lei deva facilitar a conversão da
união estável em casamento, ao contrário da primeira corrente, o legislador
quis somente impedir que leis infraconstitucionais dificultem a conversão da
união em casamento, ou seja, uma proibição de qualquer dificuldade; e não a
formação de uma hierarquia entre as duas formas de constituição de família,
onde o casamento seria superior à união estável.
O tema é de suma importância, pois vem gerando grandes
discussões e embates no mundo jurídico, principalmente levando-se em conta que
até pouco tempo, a formação e constituição de uma família se dava única e
exclusivamente pelo casamento formal e, hoje esse conceito se ampliou para
diversas outras formas; e no caso específico da união estável, foi até mesmo
regulamentada pela Constituição Federal de 1988.
Diante disso, e a despeito de muitas críticas, o STF nos
Recursos Extraordinários 878.694 e 646.721, julgados em regime de repercussão
geral, declarou a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que
tratava da sucessão do companheiro na união estável. Nos recursos, o Ministro
Luis Roberto Barroso posicionou da seguinte forma: “é inconstitucional a
distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art.
1.790 do CC/02, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto
nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/02”.
Assim, com base nesse precedente, muitos juízos passaram a
reconhecer aos companheiros os mesmos direitos dos cônjuges, inclusive o
direito de sucessão, passando desta forma a concorrer com os descentes e
ascendentes, ou até mesmo ter direito total caso não haja nenhum deles.
Porém, cabe esclarecer que a norma vigente não expressa
claramente esse entendimento, havendo julgamentos contrários a essa posição,
onde ainda é aplicada a regra do artigo 1.790 do Código Civil, e, não
raramente, como já mencionado, de forma equivocada, pois em muitos casos,
percebe-se que ao invés de aplicar o direito sucessório, aplica-se a regra da
meação desvirtuando o próprio artigo em questão.
Há que se ponderar, que pelo menos da forma como são
constituídos, não é crível que a legislação equipare o companheiro ao cônjuge,
pois a despeito de formarem “famílias”, possuem situações jurídicas
completamente diferentes e, dois institutos com tamanha diferenciação não podem
coexistirem com os mesmos direitos, o que certamente causaria uma insegurança
jurídica e o sentido de ser do regime mais rigoroso.
6. CONCLUSÃO
Está claro que a Constituição Federal não equiparou a união
ao casamento, pois caso contrário não teria determinado que a lei facilitasse a
conversão da união em casamento.
E mais, se isso realmente fosse a intenção do legislador
constituinte, este estaria pondo um fim ao casamento formal, que exige uma
formalidade rigorosa, onerosa e documental para que se possa realmente se
efetivar; ao passo que a união estável, é totalmente informal, sem comprovação
de estado civil pelos interessados, sem onerosidade, sem nenhuma cerimônia ou
exigência estatal e que pode iniciar e acabar pelos próprios companheiros, não
tendo o Estado nenhum controle efetivo sobre a situação em que se encontram os
indivíduos que encaixam nessa entidade familiar, e que não raramente se
apresentam como solteiros.
Além disso, s.m.j., com todo respeito às decisões e
entendimentos contrários à aplicação do artigo 1.790 do Código Civil, não
poderia o legislador dar tratamento totalmente igual aos dois institutos, pois,
somente a título de ilustração e resguardada as diferenças, seria como igualar
um trabalhador formal, que recolhe todas suas contribuições mensais, cumpre
rigorosamente um contrato formal regido por lei a um trabalhador informal, que
nunca recolheu nada e não tem nenhum rigor no desempenho de suas atividades e
dar-lhes o mesmo direito de aposentarem-se. Como a própria lei determina,
deverá os iguais ser tratados como iguais e os desiguais como desiguais.
Levando em conta esse contexto e, ainda que considerarmos os
argumentos sobre tratamentos discriminatórios e incompatíveis com a
Constituição, fato é que o legislador constituinte diferenciou os dois
institutos. E mais, não há que se falar em inconstitucionalidade do artigo 1.790
do Código Civil, uma vez que querendo o companheiro ter maiores garantias,
deverá procurar converter essa união em casamento, como implicitamente sugere a
parte final do artigo 226 da Constituição Federal.
Ademais, o que o legislador constituinte fez ao editar o
artigo 226 da Constituição Federal foi assegurar um mínimo de garantia aos que
vivem na situação de união estável, mas em nenhum momento quis equiparar
igualitariamente essa relação ao casamento formal, pois se assim o fizesse, não
teria mais sentido algum o casamento formal.
Obviamente, tanto a Constituição Federal quanto as leis
infraconstitucionais não são claras ao tratar da matéria, necessitando de uma
regulamentação mais precisa e conclusiva para que seja dado um fim aos
conflitos de entendimentos. Porém, certo é que mesmo que haja essa
regulamentação, em virtude de tratar-se de entidades com contextos
diferenciados, principalmente para suas formações, se mantidas as duas formas,
dificilmente haverá a equiparação total, mesmo porque, como já vimos, se isso
ocorresse, o casamento formal perderia o sentido de ser.
Diante do exposto, conclui-se que não há uma situação
definitiva e pacífica sobre a sucessão dos companheiros que vivem em união
estável ficando a cargo do judiciário analisar caso a caso. Certo é, que não
pode o legislador ficar à mercê do surgimento de novos conceitos familiares,
para criar uma regra constitucional para cada um e, ainda, tratá-los como se
iguais fossem.
Ou a norma facilita ainda mais o casamento formal,
abrandando suas exigências, formalidades e custos, a fim de que a informalidade
perca o sentido e com isso apenas um instituto passe a existir com uma única
regulamentação; ou extingue-se o casamento formal e mantenha uma regra geral
para todas as uniões constituídas de qualquer forma sem nenhum rigor para sua
formação.
O que não tem cabimento, e isso está longe de ser
inconstitucional, é querer dar tratamento igual a duas situações completamente
diferentes, onde uma para sua formação exige regras e rigores da lei; e para
outra nada é exigida. Uma simples análise comparativa entre os dois institutos,
verificamos que com o casamento o consorte jamais voltará ao seu estado de
solteiro e na união estável nunca deixou de ser solteiro.
A despeito do clamor público e do crescimento desenfreado
das relações informais, regulamentar dois institutos distintos com os mesmos
direitos, torna-se um tanto quanto estranho, pois como já mencionado, para a
formação de um é exigida uma forma legal e rigorosa, sem dizer onerosa;
enquanto que o outro é regido pela informalidade e disponibilidade das partes
tão somente, sem nenhum rigor legal ou onerosidade, o que, se pensarmos por
este lado, também causa com certeza uma sensação de desigualdade e até mesmo
uma insegurança jurídica, pois para um exige-se tudo, para o outro não exige
nada e ainda ampara-o com os mesmos direitos.
7. Referências bibliográficas:
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro. Vol.
VII. Direito das Sucessões. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Art. 226, § 3º. Brasília, DF: Senado Federal. 1988. 292
p.
TARTUCE. Flávio. STF entende que art. 1.790 do CC é
inconstitucional. Disponível em:
https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/noticias/380114976/stf-entende-que-art-1790-do-cc-e-inconstitucional.
Acesso em 12.09.2017
BRASIL. STF. RE n. 878.694, Rel. Min. Luís Roberto Barroso.
j. 10.05.2017. Disponível em
https://www.jusbrasil.com.br/diarios/documentos/457839374/andamento-do-processo-n-878694-recurso-extraordinario-12-05-2017-do-stf?ref=topic_feed.
Acesso em 15.09.2017.
Fonte: DireitoNet