Atualmente, muito se fala que os
Cartórios são uma burocracia desnecessária, uma perda de tempo que atrasa a
vida das pessoas, e, que, em breve, eles serão substituídos por tecnologias
como a “blockchain”.
Pois bem. Para analisarmos se esta
afirmação é verdadeira, vamos imaginar como seria um Brasil sem Cartórios,
especialmente sem os Tabelionatos de Notas, que são os que realizam
autenticação de cópias, reconhecimento de firmas e os mais variados tipos de
escrituras públicas, dentre elas, compra e venda, inventário, divórcio,
separação e testamento.
Se não houvesse Tabelionato de Notas,
os negócios jurídicos teriam que ser feitos todos por contratos particulares,
não haveria escritura pública. Neste caso, qualquer transferência de imóvel,
seja por compra e venda ou outro negócio, seria feita exclusivamente por
particulares, com a eventual assessoria de advogados. A contratação até poderia
ser feita em um ambiente exclusivamente virtual.
À primeira vista, este cenário pode
parecer o paraíso. A tão falada “burocracia” desapareceria e tudo seria mais
fácil. Mas, será que seria assim mesmo?
Em primeiro lugar, basta dar uma breve
olhada nos repositórios de jurisprudência para verificar que este cenário que
parece o paraíso pode esconder o caos. Enquanto é inúmera a quantidade de
litígios que pendem sobre os atos de contratação privada, são raras as revisões
judiciais de escrituras públicas. E, por que é assim? Porque na contratação
privada não há um terceiro imparcial cuidando da legalidade, da validade e do
equilíbrio contratual do negócio como há na escritura pública.
Na verdade, uma das mais importantes
qualidades do tabelião ou notário é sua imparcialidade. Ao notário está vedado
exercer sua função favorecendo a alguma das partes que solicitam seus serviços,
pelo que é seu dever manter independência de critério, não tomando partido nas
questões em que deve intervir. Assim, quando o notário encaminha uma escritura
pública, ele desentranha as reais vontades das partes, aconselhando-as em pé de
igualdade sobre os temas jurídicos em discussão, explicando suas possíveis
consequências, compatibilizando seus interesses e utilizando a forma jurídica
apropriada de acordo com as leis vigentes. A intervenção do notário brinda as
partes, em resumo, com a segurança jurídica que as mesmas desejam obter,
prevenindo e evitando litígios.
Em outras palavras, o tabelião de
notas, com igualdade e equidistância no tratamento com as partes envolvidas no
ato jurídico, colhe a vontade dos contratantes e interpreta-a de acordo com o
ordenamento jurídico vigente, sanando vícios e defeitos e gerando um documento
hábil para a constituição de direitos e obrigações, a escritura pública.
Além disto, caso o notário constate a
existência de qualquer ilegalidade que impeça a realização do ato, ele fica
impedido de lavrá-lo, sob pena de responder civil, administrativa e penalmente,
quando da fiscalização pelo Poder Judiciário.
Quem atua desta forma imparcial nos
contratos particulares, garantindo o equilíbrio do negócio jurídico? Ninguém. O
advogado não atua e não pode atuar de forma imparcial, ele defende os
interesses de seu cliente frente ao interesse de um terceiro. Ao contrário do
notário, que tem o dever de acatar uma vontade comum que se configure numa
composição duradoura, e se possível definitiva, o advogado tem o dever de
defesa dos interesses da parte que o contratou, mesmo que resulte no insucesso
da outra parte ou de terceiros interessados.
E, justamente pelos contratos
particulares não contarem com a intervenção imparcial de um terceiro é que sua
revisão judicial acaba sendo frequente, o que não ocorre com as escrituras
públicas.
Assim, em um Brasil sem Tabelionato de
Notas, o que teríamos seria um aumento expressivo de ações judiciais causadas
pelas contestações às contratações particulares elaboradas sem a expertise
notarial e registral, abarrotando ainda mais um Judiciário já sufocado por sua
excessiva demanda. O que teríamos em um Brasil sem Cartórios seria uma grande
perda de tempo e de dinheiro, pois processos judiciais são lentos e custosos.
Sem Cartório, sem Tabelionato de
Notas, iríamos andar na contramão do processo de desjucialização que o Brasil
tem buscado, pois além do aumento do número de demandas judiciais envolvendo as
contratações privadas, procedimentos amigáveis como divórcios, separações,
inventários, partilhas e a usucapião, teriam que retornar ao Judiciário, em um
gritante retrocesso.
Outro fator que também aumentaria o
número de processos judiciais é se as contratações passassem a ser
exclusivamente virtuais, sem a intervenção do tabelião, utilizando a tecnologia
“blockchain”, por exemplo. Isto porque o direito preventivo, a segurança
jurídica preventiva gerada pelos notários, seria substituída por um direito
terminantemente repressivo, uma segurança jurídica corretiva, que decorre das
decisões judiciais, o que geraria sentenças muitas vezes inexequíveis em razão
da irrastreabilidade das operações e da imutabilidade dos contratos virtuais.
Ora, os contratos virtuais requerem
programadores para sua elaboração, que não são profissionais do direito. Assim,
os contratos oferecidos seriam certamente como pacotes prontos, com cláusulas
pré-elaboradas, pois as linguagens de programação são restritas, o que
afastaria a redação jurídica qualificada diante do caso concreto e a prevenção
de conflitos, duas capacidades inerentes aos notários.
Ademais, as novas tecnologias que
prometem revolucionar a forma como contratamos atualmente, a exemplo da
“blockchain”, são cegas, pois elas desconhecem se as partes do contrato virtual
armazenado têm capacidade, se um poder de representação é suficiente, se as
partes contratantes são realmente quem dizem ser, se o contrato contém objeto
lícito, se o contrato cumpre as normas civis, tributárias, urbanísticas e
ambientais.
No contrato virtual, quem assegura que
a pessoa que assinou o documento era capaz no momento da assinatura ou tinha
legitimidade para fazê-lo? Quem assegura que a assinatura digital aposta
foi realizada pela pessoa, se para assinar digitalmente basta ter ao alcance o
certificado digital (geralmente armazenado em um token ou smartcard) e o PIN
(senha)?
O notário não só coleta a assinatura
das partes, ele acolhe a manifestação da vontade, redigindo o documento
adequado, cuidando de verificar se aquele que manifesta a vontade o faz de
forma espontânea e tem capacidade e legitimidade para tanto.
As novas tecnologias como a
“blockchain” são sistemas abertos a todos e nem todos estão em situação de
elaborar documentos válidos, aptos a gerar efeitos jurídicos, não só entre as
partes contratantes, como na proteção e na relação das partes com os terceiros
em geral.
Sem os Cartórios de Notas, sem os
notários, o que se teria na prática seria uma segregação social: o direito para
os integrados à blockchain, às novas tecnologias, com maior ar de nobreza e
acesso a assessoramento jurídico de advogados, e o daqueles que por limitações
econômicas, sociais ou intelectuais não poderiam ter acesso nem à blockchain,
nem ao aconselhamento jurídico adequado.
Pense bem. Você se sentiria seguro em
comprar o imóvel de seus sonhos, de fazer o negócio de sua vida, através de um
contrato virtual com cláusulas pré-prontas, sem a garantia de que o vendedor é
mesmo o dono, de que ele é capaz, de que o imóvel está disponível para venda e
de que o contrato é validado e eficaz? Você se sentiria seguro em saber que seu
imóvel pode ser vendido por alguém que de alguma forma obtiver seu certificado
digital e PIN?
A Estônia, um dos países mais digitais
do mundo, onde é possível fazer praticamente tudo no mundo virtual, desde abrir
empresas até consultar o histórico médico em qualquer hospital do país, não
abriu mão dos notários. Lá, a transferência de bens, seja por compra e venda ou
partilha, por exemplo, precisa ser feita presencialmente, perante um Tabelião
de Notas. O processo é todo encaminhado digitalmente, mas a assinatura deve ser
presencial. E por que? Porque a Estônia sabe que o notário é o único
capaz de assegurar a legalidade, a validade e a segurança dos negócios
jurídicos, garantindo a prosperidade do mercado.
No Brasil, a implantação do site
Escritura Simples e do e-Notariado, pelo Colégio Notarial do Brasil, seguindo o
modelo da Estônia, já permite, em muitos Estados brasileiros, que o processo de
contratação imobiliária se dê de forma digital, mas com a assinatura presencial
das partes.
Ou seja, não é que os Cartórios
brasileiros negam e refutam as novas tecnologias. Os Cartórios estão
assimilando as novas tecnologias, mas sem deixar de garantir segurança jurídica
aos negócios. Através da realização de atos notariais em meio eletrônico, os
notários estão garantindo ainda mais celeridade e ainda menos burocracia para
as partes, sem perder a legalidade e o equilíbrio contratual nos negócios.
Assim, um Brasil sem Cartórios seria
um Brasil do retrocesso, um Brasil da tecnologia dissociada da segurança
jurídica, um Brasil da insegurança jurídica, um Brasil da perda de tempo e de
dinheiro em ações judiciais lentas e caras.
Então, ao contrário de serem uma
burocracia desnecessária ou uma perda de tempo e dinheiro, como defendem
aqueles que desconhecem a importância da função notarial, os Cartórios de Notas
são essenciais para economizar tempo e dinheiro, sem perder a segurança
jurídica. Os Cartórios, já eleitos pela população brasileira como umas das
instituições mais confiáveis, são a chave para um Brasil que quiser unir
tecnologia, celeridade, economia e segurança. Pense nisto!
Fonte:
CNB/AM