Você sabia que é possível a
cessão de direitos hereditários (e de meação) para que os herdeiros “vendam”
(ou doem) seus direitos, livrando-se, assim, da necessidade da realização do
Inventário?
Desde 2007 passou a ser possível
a realização do inventário diretamente nos Tabelionatos de Notas, sem qualquer
intervenção ou necessidade de homologação judicial, desde que reunidos os
requisitos legais.
Pelas regras da Lei
regula-mentadora (Lei nº 11.441/2007), reprisadas no Código de Processo Civil
de 2015, assim como na Resolução nº 35/2007 do CNJ (e em muitos casos nas
regulamentações locais das CGJ de cada Estado) será possível a realização do
inventário em cartório desde que os interessados estejam todos de acordo –
inexistindo por isso litígio – sejam maiores e capazes, o de cujus não tenha
deixado testamento válido e tudo isso com obrigatória assistência de Advogado.
Pontue-se que em alguns Estados como o Rio de Janeiro é possível, inclusive,
Inventário Extrajudicial tendo deixado o falecido testamento válido.
Sabe-se que pelo “princípio da
Saisine” a “herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros, legítimos e
testamentários” – letra legal do art. 1.784 do CCB/2002 – por isso, a
necessidade do inventário reside na regularização dos bens, permitindo-se com
isso a publicidade e disponibilidade pelos herdeiros, conferindo a nova e real
titularidade destes. O inventário será o instrumento que permitirá, por
exemplo, a atualização da titularidade junto aos Cartórios do RGI, Detran,
Estabelecimentos Bancários, dentre outros, tudo conforme a natureza dos bens
componentes do acervo.
A questão que interessa neste
breve ensaio é sobre a possibilidade da Cessão de Direitos Hereditários (e de
meação) para que os herdeiros “vendam” (ou doem) seus direitos, livrando-se
estes da necessidade da realização do Inventário e seu manejo em sede de
Inventário Extrajudicial pelo cessionário.
Pois bem. A Cessão de Direitos
Hereditários encontra regras no art. 1.793 e seguintes do CCB/2002. A partir da
abertura da sucessão (ou seja, com a morte do autor da herança) e até a
finalização do inventário poderão os herdeiros, conforme regras do referido
art. 1.793 realizar a Cessão de Direitos Hereditários.
Difere a Cessão de Direitos
Hereditários da Cessão de Direitos de Meação já que enquanto uma tratará de
herança (egressa de direito sucessório) a outra tratará de meação (direito
havido por conta de regime patrimonial vigente no casamento que também se
extinguiu com a morte do cônjuge, aqui autor da herança). Importa anotar que os
referidos negócios jurídicos, realizáveis por Escritura Pública, atrairão as
regras da Compra e Venda ou da Doação de acordo com a forma como se deem:
Cessão de Direitos de forma onerosa ou Cessão de Direitos de forma graciosa.
Observadas as regras do CCB (art.
1.793) a Cessão de Direitos Hereditários poderá, sim, ser realizada sobre bem
determinado (§2º) e até mesmo sem prévia autorização judicial (§3º) pois a
cominação legal, nessas ocorrências, é a ineficácia. Assim já decidiu o TJRJ,
inclusive (Proc. nº 0082244-85.2017.8.19.0001, J. em 11/07/2019):
“Estreme de dúvida, o coerdeiro só poderá
ceder a sua quota-parte na universalidade da herança, mas não a respeito de um
bem específico, determinado ou considerado singularmente. Assim, a cessão de um
bem individualizado, dentre os que compõem o espólio, não é negócio jurídico
inválido, nulo ou anulável, já que a vedação da lei está no plano da eficácia.
A cessão, nesta hipótese, é ineficaz, não produz efeito, é inoponível aos
demais herdeiros, dado que a herança é uma universalidade e, portanto,
indivisível até a partilha (…) Desta feita, os direitos a respeito de um bem
singular da herança podem ser cedidos por todos os herdeiros, conjuntamente,
não havendo motivo para considerar ineficaz o negócio jurídico, pois não há
ineficácia que se oponha a interesse de terceiros, não havendo, no caso, que se
alegar direito frustrado ou algum prejuízo”.
À referida Escritura de Cessão de
Direitos Hereditários precederá o recolhimento do imposto de herança
(ITD/ITCMD) já que, para ceder os direitos o herdeiro deverá antes recebê-los,
evidenciando com isso o fato gerador apontado pela Lei. No que tange à
transmissão herdeiro-cessionário há também um fato gerador que pode ser alvo de
novo ITD (se graciosa) ou ITBI (se onerosa).
Assim como a referida Escritura
de Cessão de Direitos Hereditários (e também a Cessão de Direitos de Meação) a
Escritura de Inventário e Partilha poderá ser realizada em qualquer Cartório de
Notas. Em que pese somente na Escritura de Inventário e partilha ser
obrigatória a presença de Advogado é de todo recomendável a orientação de
Advogado também na Cessão de Direitos.
É importante gizar que o Advogado
tem importante atuação não só na resolução, mas especialmente na prevenção de
litígios, notadamente as desavenças de ordem imobiliária. Sem prejuízo da
atuação imparcial do notário, é o advogado quem orientará e defenderá os
direitos do seu constituinte, como profissional do direito que deve dominar tão
bem como o Notário as peculiaridades e regras aplicáveis ao caso.
No que diz respeito ao Inventário
Extrajudicial proposto por Cessionário de Direitos Hereditários bastará seu
comparecimento em Cartório juntamente com seu Advogado quando a Cessão se der
de forma total. Na hipótese de cessão de parte do acervo, por óbvio será
necessário o comparecimento também dos herdeiros e da(o) viúvo(a). Já existiram
dúvidas sobre este aspecto, porém os tribunais vêm há muito tempo
enfrentando-as (p.ex., TJRJ nº 0001733-88.2014.8.19. 0039 e TJSP nº
0057201-87.2013.8. 26.0100) deram a melhor solução, nos termos do art. 16 da
Resolução nº 35/2007 do CNJ.
Concluída a Escritura de
Inventário e Partilha promovida por Cessionário de Direitos Hereditários, o
próximo caminho será seu registro junto aos órgãos competentes (RGI, Detran,
Estabelecimentos Bancários, Junta Comercial, RCPJ etc) para fins de realização
do Direito adquirido, publicidade e disponibilidade.
Deste breve ensaio consegue-se
vislumbrar que o Inventário Extrajudicial e, especialmente a Cessão de Direitos
Hereditários são valiosos instrumentos dispostos a favor dos interessados na
regularização de bens componentes da herança. Que na verdade, quando presentes
os requisitos legais, a melhor forma, s.m.j., será a resolução pela via
extrajudicial, muito mais célere e por isso menos custosa que a via judicial.
*Julio Martins é advogado com experiência em Direito Notarial,
Registral, Imobiliário, Sucessório e Família.
Fonte: Anoreg/MT