A possibilidade de concessão de efeitos retroativos e o recente
enunciado do IBDFAM
No XII Congresso Brasileiro de
Direito das Famílias e das Sucessões, realizado pelo Instituto Brasileiro de
Direito de Família (IBDFAM), foi apresentado à comunidade jurídica o Enunciado
nº 31, segundo o qual “a conversão da união estável em casamento é um
procedimento consensual, administrativo ou judicial, cujos efeitos serão ex
tunc, salvo nas hipóteses em que o casal optar pela alteração do regime de
bens, o que será feito por meio de pacto antenupcial, ressalvados os direitos
de terceiros”.
Andou bem o IBDFAM ao prestigiar
a liberdade de escolha dos nubentes e a garantia constitucional prevista no
art. 226, §3º, da Constituição Federal. A família, base da sociedade, tem
especial proteção do Estado, sendo reconhecida a união estável entre duas
pessoas como entidade familiar e devendo a lei facilitar a sua conversão em
casamento.
Em linha com o comando
constitucional, o art. 1.726 do Código Civil dispõe que “a união estável poderá
converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento
no Registro Civil”.
Como se infere de tais
dispositivos, não há qualquer óbice legal que impeça a conversão da união
estável em casamento com efeitos retroativos.
Pelo contrário, a possibilidade
de modulação temporal assegura que o art. 226, §3º, da Constituição Federal
tenha sentido prático e jurídico, porque a mera conversão com efeitos
prospectivos se assemelha ao simples casamento (não convertido), faculdade que
é a todos garantida independentemente de prévia união estável.
Nesse sentido, Rodrigo Pereira Da
Cunha[1] ensina que “outra lacuna deixada
sobre a conversão refere-se à data que constará no assento de casamento: a da
conversão ou a do início da união estável? Se são dois institutos diversos, não
haveria razão se a data a ser registrada na certidão fosse a conversão. Se
assim fosse, bastaria as partes se casarem. Portanto, penso que, não obstante o
silêncio da lei, a que deverá constar no registro do casamento é a do início da
união, devendo as partes elaborarem um Pacto Antenupcial, com vistas à
regulação dos efeitos patrimoniais e pessoais advindos do período em que
viveram em união estável.”
E não poderia ser diferente. Como
se sabe, das regras de hermenêutica se extrai que não cabe ao intérprete
restringir o que a lei não restringe. Logo, não havendo qualquer óbice legal,
deverá ser respeitada a livre manifestação das partes no sentido de converter a
sua união estável em casamento, concedendo-lhe efeitos retroativos, desde que atendidos
os requisitos legais necessários para essa conversão.
O enunciado do IBDFAM, portanto,
acerta ao reforçar a autonomia da vontade dos nubentes e prestigiar o comando
constitucional do art. 226, §3º, indo ao encontro da tendência atual de
superação do formalismo excessivo no campo das relações jurídicas privadas.
[1] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato
e União estável. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 215.
*Ana Caroline dos Santos Accioli é Advogada do escritório Ulhôa
Canto, Rezende e Guerra Advogados. Pós-graduanda em Direito das Famílias e das
Sucessões pela PUC-Rio.
Fonte: Jota