Usucapião Extrajudicial é uma excelente forma de
regularizar imóveis conferindo a todos eles o registro imobiliário - muito mais
rapidamente que através de processo judicial - diretamente nos Cartórios, com
assistência obrigatória de Advogado!
Muitos
colegas ainda não conhecem a Usucapião feita em Cartório - Usucapião
Extrajudicial - que pode ser uma excelente solução para a regularização dos
imóveis de seus clientes, com muito mais rapidez do que aquela processada
judicialmente. O desconhecimento somado às informações distorcidas sobre os
Cartórios e o meio extrajudicial por certo colaboram para enfraquecer e
esvaziar ainda mais esse importante instituto que foi posto à disposição da
sociedade através do CPC/2015 que introduziu no art. 216-A da Lei de Registros
Públicos mais esse procedimento extrajudicializado. Depois de mais de 21 anos
trabalhando em Cartório (e desde muito antes do CPC/2015, sempre acompanhando
avidamente o que um dia foi um audacioso Projeto de Lei se tornar realidade com
a Usucapião Extrajudicial através do novo CPC), lavrando diversas Atas
Notariais e acompanhando inúmeros procedimentos de regularização imobiliária,
podemos contar um pouco mais sobre a Usucapião realizada em Cartório.
Neste
brevíssimo ensaio vamos pontuar, no que diz respeito à Usucapião Extrajudicial,
consideradas as regras mais recentes do CNJ e as regras locais do Estado do Rio
de Janeiro, alguns dos fatos mais comuns que podem ser considerados mito e
verdade, rogando desde já que os interessados se aprofundem no tema (pois
sempre vale a pena estudar!!!). Vamos lá:
1.
Usucapião
extrajudicial pode ser resolvido em 60 dias - mito: realmente não consigo dizer
se é o mais puro desconhecimento da matéria ou se é má-fé mesmo mas é fato que
o procedimento em cartório tem a mesma complexidade própria das questões
imobiliários que são resolvidas através de processo judicial. A diferença que
vejo é que a tônica é justamente ser um procedimento mais rápido e dinâmico,
porém, efetivamente, não se resolve usucapião extrajudicial em 60 dias, nem em
120 dias. A bem da verdade o prazo será sempre variável conforme o caso
concreto e sua riqueza de detalhes. Será sim, na grande maioria das vezes mais
rápido que a usucapião judicial (que pode demorar anos, quiçá décadas para sua solução)
mas posso afirmar que é praticamente impossível resolver uma usucapião
extrajudicial inteira em 60 ou 120 dias (especialmente quando as partes
envolvidas - cartório e advogado - não dominam o assunto)...
2.
Usucapião extrajudicial pode ser feita com gratuidade - verdade: em que pese
opiniões respeitáveis de colegas da área extrajudicial afirmando que o
procedimento feito em cartório não admite isenção de custas a verdade é que não
há expressamente qualquer vedação legal (e convenhamos, ainda que alguma norma
local das CGJ ousasse negar a realização do ato com isenção de custas teremos
uma norma de questionável validade já que tais normas não podem vedar o que a
Lei não vedou e mesmo a Constituição Federal que assegura o acesso ao
judiciário (e também ao extrajudicial) a quem não pode pagar). Observe-se que o
Provimento do CNJ alude à presença do defensor público, porém não apenas que
vem através da defensoria que tem direito à isenção de custas (veja-se, por
exemplo, a súmula 40 do TJRJ, assim como o § 4º do art. 99 do Código FUX);
3.
Usucapião extrajudicial pode ser feita sem advogado ou com advogado indicado
pelo cartório - mito: o tabelião e o oficial do registro devem primar pela sua
imparcialidade, sua total isenção e independência quanto aos atos que praticar.
Assim também no caso da usucapião extrajudicial, tal como acontece com o
inventário extrajudicial. Desse modo, não deve comprometer seu nobre ofício
indicando advogado para atuar no caso, mormente por se tratar de infração à lnr
(arts. 30 e 31). Se por ocasião da lavratura da ata notarial ou do registro da
usucapião o funcionário ou mesmo o Tabelião ou o Registrador indicar um
Advogado para atuação não hesite em denunciar tal conduta que fere de morte a
dignidade da função pública. Sim, infelizmente ainda temos notícia dessa
reprovável conduta...;
4.
Posso lavrar a ata notarial mesmo se não tiver preenchido ainda os requisitos
para a usucapião extrajudicial - verdade: em muitos casos o ocupante do imóvel
ainda não preencheu os requisitos (que são variáveis conforme a modalidade de
usucapião pretendida) mas quer desde já resguardar a qualidade e validade de
sua posse sobre o bem. Em sede de consultoria e avaliação para muitos casos
sempre recomendamos a produção de provas e uma delas, inclusive prestigiada
pelo CPC/2015 (art. 384) é justamente a Ata Notarial que também é peça
obrigatória no procedimento extrajudicial. Nada impede que várias atas sejam
lavradas durante o tempo de ocupação e que todas sejam usadas para robustecer
ainda mais o conjunto probatório que embasará a pretensão extrajudicial. O
provimento local do Rio de Janeiro permite expressamente a lavratura da Ata
Notarial mesmo sem o preenchimento dos requisitos ao tempo da sua solicitação
(art. 5º);
5.
Se as partes não forem localizadas não conseguirei resolver a usucapião
extrajudicial - mito: esse pequeno defeito na normatização original foi
resolvido por ocasião da Lei 13.465/2017 que implementou diversas melhorias no
art. 216-A da Lei de Registros Públicos, que trata da Usucapião Extrajudicial.
O silêncio passou a ser interpretado como concordância e não mais como
discordância - o que apenas retificou uma incoerência inadmissível no
procedimento. A citação editalícia também resolverá muitos casos e há inclusive
regulamentação (como acontece no rio de janeiro) para que o edital seja
publicado de forma eletrônica o que facilita ainda mais o desate do
procedimento;
6.
Se eu já tiver um imóvel não consigo fazer usucapião extrajudicial - mito e
verdade: é preciso sempre conhecer e estudar a matéria relacionada a usucapião
(que é complexa sim e nem de longe esgotamos na faculdade) e tão importante
quanto é estudar os detalhes do caso do cliente. Nem todas as modalidades
exigem que o interessado não tenha outros imóveis; a bem da verdade usucapião
extrajudicial não é uma nova espécie de usucapião mas sim um novo caminho para
chegar até a regularização imobiliária que o instituto permite;
7.
A ata notarial pode ser dispensada no procedimento extrajudicial já que no
judicial ela não é exigida - mito: já temos diversas decisões - da justiça
paulista, como sempre produzindo excelentes julgados na seara extrajudicial -
esclarecendo que no caso da usucapião extrajudicial a ata notarial é peça
fundamental tal como projetado na norma que deu forma ao procedimento, razão
pela qual não se deve mesmo dispensar a ata notarial na via extrajudicial -
simples assim;
8.
a ata notarial exige sempre a diligência ao local - mito: como visto, a ata
notarial é obrigatória na usucapião feita na via extrajudicial porém,
excepcionalmente, ela pode ser feita com base em documentação e colheita de
depoimentos, sendo possível inclusive dispensar a diligência do oficial ao
local do imóvel, por exemplo em casos de local de alta periculosidade como
aconteceu em caso recente com decisão no âmbito da CGJ/RJ que contou com nosso
patrocínio (Processo CGJ/RJ SEI-2021-0681027) cuja íntegra disponibilizamos em
nosso site: http://www.juliomartins.net/pt-br/node/419;
9.
A usucapião extrajudicial pode resolver casos onde também pode ser cabível a
ação de adjudicação compulsória - verdade: já presenciei casos onde o oficial
do registro de imóveis se recusava a registrar a usucapião alegando que na
verdade a via judicial deveria ser adotada por se tratar de caso oriundo de
promessa de compra e venda não cumprida. A bem da verdade, a regra basilar diz
que se efetivamente houver o preenchimento dos requisitos legais para a
usucapião é facultado ao interessado escolher o caminho mais fácil para a
solução, já que "não se pode impor à parte a submissão a anos de
processamento pela via judicial, na tentativa de localização dos promitentes
vendedores e, eventualmente, seus sucessores, quando o sistema jurídico lhe
faculta a via da usucapião" (trecho brilhante da decisão no Processo TJRJ
0037633-42.2020.8.19.0001, julgado em 22/07/2021). Veja também em nosso site http://www.juliomartins.net/pt-br/node/338;
10.
Se houver oposição/impugnação ao pedido estará tudo perdido - mito e verdade:
se houver oposição/impugnação válida ao pedido a via extrajudicial (que
inadmite conflitos) restará sim obstaculizada a via extrajudicial, porém, todo
o processado pode ser aproveitado na via judicial e, conforme regras do
Provimento 65/2017 do CNJ, haverá antes a tentativa de solução no âmbito do
Cartório do RGI. Somente se não resolvida a questão (que inclusive não
prosperará se a impugnação/oposição for infundada) é que tudo deverá ser
remetido para a via judicial, para a devida tramitação (art. 18);
...
11.
Planta e memorial serão sempre obrigatórios nos casos de usucapião
extrajudicial - mito: nem sempre será exigida planta e memorial, conforme
ressalva o Provimento do CNJ: nos termos do § 5º do art. 4º será dispensada
planta e memorial quando o imóvel usucapiendo for unidade autônoma de
condomínio edilício ou loteamento regularmente instituído. Mais uma excelente
vantagem da usucapião de apartamentos, que envolve outros pontos bem
interessantes. Leia o Provimento!
12.
Se o titular registral for falecido não consigo fazer a usucapião extrajudicial
- mito: mesmo se falecido o titular registral (o proprietário que consta da
matrícula) - que, diga-se de passagem, é uma situação muito comum - isso não
será empecilho para a adoção da via extrajudicial. Nesses casos, tendo notícia
do falecimento, o Provimento do CNJ também traz solução no art. 12, devendo
assinar seus herdeiros legais portando escritura pública declaratória de únicos
herdeiros com nomeação do inventariante. Se houver título judicial já nomeando
os herdeiros pode haver inclusive dispensa da referida Escritura;
13.
Tenho escritura de cessão de direitos hereditários e já preenchi os requisitos
para a usucapião extrajudicial - posso escolher o caminho da usucapião em vez
do inventário? - verdade: há expressa previsão no inciso VII do § 1º. do art.
13 do Provimento do CNJ contemplando a Usucapião Extrajudicial fundada em
direitos havidos por Escritura de Cessão de Direitos Hereditários. Ponto para a
norma do CNJ que desde já espanca de dúvidas a facultatividade do procedimento
quando preenchidos os requisitos legais da Usucapião, como inclusive já
assentou o TJRJ prestigiando com acerto o estudo do complexo instituto da
aquisição imobiliária através da Usucapião;
14.
Na via extrajudicial posso usucapir imóveis de marinha? - mito: como dissemos
acima, não temos na Usucapião Extrajudicial uma nova espécie de usucapião, mas
na verdade um novo caminho para alcançar a regularização. A norma é
procedimental e não cria uma modalidade nova, portanto, as mesmas regras já
aplicáveis no instituto quando veiculado na via judicial (como por exemplo a
vedação da usucapião de imóveis da União) é aqui aplicável também - porém,
desafio os interessados a se aprofundarem em temas importantes como a
possibilidade de aquisição de imóveis (ou pelo menos direitos relativos a eles)
que são titularizados pela União, assim como imóveis financiados; aposto que
muita gente vai ficar surpresa com o que aprenderá!!;
15.
Existem diversos ônus reais e gravames na matrícula do imóvel, logo a usucapião
está descartada nesse caso - mito: o desafio talvez seja maior nos casos onde
haja ônus reais e gravames na matrícula - e essa é só mais uma razão pela qual
o advogado deve estudar sempre e ter conhecimento especializado da matéria: a
usucapião liberta, livra de gravames e pode criar uma nova história para aquele
imóvel. Não há vinculação com o dono anterior, razão pela qual devemos lembrar
que em sede de usucapião a aquisição é originária e não derivada. A norma do
art. 14 do Provimento é clara: "A existência de ônus real ou de gravame na
matrícula do imóvel usucapiendo não impedirá o reconhecimento extrajudicial da
usucapião";
16.
O imóvel não tem matrícula, o cartório já fez buscas e disse que não achou
nada. Não posso por causa disso fazer usucapião - mito: a inexistência de
matrícula ou transcrição (se for o caso) para o imóvel não foi nem nunca será
óbice para a regularização através da Usucapião. Há quem diga que nesses casos
teremos um caso de Usucapião até mais fácil do que quando existe origem
registral. Tenho minha opinião reservada sobre esse particular aspecto, mas
abraço a doutrina e os diversos julgados que apontam que a inexistência de
matrícula não pode jamais ser empecilho para a regularização. O que vejo, ainda
com o olhar prudente dos tempos de cartorário que trago comigo, é que buscas
cuidadosas e amparadas em eventuais divisões circunscricionais e geográficas
que podem ter ocorrido no decorrer dos anos deverão ser feitas (e é claro que
isso leva muito mais do que exíguos CINCO DIAS para ficar pronto);
17.
O advogado pode autenticar documentos para a usucapião extrajudicial - verdade:
a bem da verdade não se trata de autenticação, mas sim declaração de
autenticidade dada e passada pelo advogado sobre documentos em cópia fornecidos
para instrução do procedimento, como alude o § 3º do artigo 4º do Provimento do
CNJ. Isso apenas chancela, eleva e prestigia a importância e responsabilidade
do advogado no procedimento;
18.
A firma reconhecida é exigida no requerimento de usucapião e na procuração -
mito: a norma do CNJ não exige reconhecimento de firma do Advogado no
requerimento (vide artigo 4º) e a norma que exigia firma reconhecida nas
procurações particulares (que inclusive podem ser públicas ou particulares) foi
modificada em 13/07/2021 através do Provimento CNJ 121 que eliminou tal
exigência. Se o Cartório exigir firma reconhecida, faça o favor de atualizá-lo
sobre tal modificação: você estará prestando um favor à coletividade;
19.
O procedimento em cartório é muito caro - mito e verdade: o procedimento
extrajudicial - assim como qualquer outro ato extrajudicial - tem sua cobrança
regulada por normas estaduais, dessa forma, haverá sim variação de cartório
para cartório de acordo com as normas estaduais, mas também por conta de
particularidades municipais (como por exemplo a cobrança de iss). Devemos nos
lembrar que o procedimento é baseado também no valor do imóvel (que pode ser
elevado) por isso, em muitos casos - sim a despesa pode ser alta - e isso
revela mais uma vez a importância de uma análise prévia feita pelo advogado experiente
no assunto para apontar uma prévia do caminho que virá pela frente e seus
respectivos gastos;
20.
O cartório pode se negar a fazer a ata notarial e a fazer o registro - mito:
essa desculpa não cola mais: desde 2017 a normatização do procedimento foi
estabelecida e entregue pelo Conselho Nacional da Justiça (Provimento 65) e
essa desculpa asquerosa de que "O Cartório não está fazendo
Usucapião" já não pode ser dada. É realmente revoltante quando um
Cartorário comete o abuso de dizer que não está praticando um ato pelo qual
recebeu a delegação estatal e isso tudo sem um motivo justo que
obrigatoriamente deve ser dado inclusive para permitir que o cidadão
interessado possa recorrer às vias da dúvida (art. 198 da LRP) para questionar
a injusta recusa e, em muitos casos, obrigar que o delegatário pratique o ato
que deveria já realizar... Não canso de dizer: estude a matéria, não se
aventure no extrajudicial sem conhecer o assunto. Pode ser perigoso para você e
principalmente para o direito do seu constituinte;
Eu
poderia falar de muito mais tópicos aqui revelando mitos e verdades sobre esse
apaixonante assunto que é a aquisição imobiliária através da usucapião
extrajudicial, mas por ora é o que entendemos cabível para a proposta de um
post rápido, mas fica o convite para você acompanhar nosso conteúdo em nosso
site e redes sociais!
Sobre os autores: Júlio Martins (OAB/RJ 197.250) é
Advogado com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário,
Sucessório e Família. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias
Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência
profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial
quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial
(Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc),
assim como em causas Previdenciárias. Site: www.juliomartins.net
Fonte: Jornal Jurid