A
holding familiar visa facilitar a transmissão do patrimônio herdado, visto que
unifica o patrimônio em uma pessoa jurídica, estipula o procedimento de
transmissão de quotas no caso de falecimento dos sócios e diminui a carga
tributária de transmissão.
A figura do planejamento
sucessório foi objeto de muitas discussões recentes nos cenários
socioeconômicos nacional e global, os quais, diante da epidemia do covid-19 que
ceifou milhões de vítimas, viram-se abarrotados de ações de inventários,
processos para abertura de testamentos, cisões de grandes empresas por
desavenças entre herdeiros e inúmeros outros procedimentos decorrentes de um
único fato gerador: a morte.
Antes um tópico considerado como
tabu, a morte nunca é um assunto prazeroso, no entanto necessário quando
objetiva-se uma vida harmônica e um planejamento futuro inteligente. Veja,
apesar de ser um tópico sensível e que muitas famílias buscam evadir, em face
de eventos globais recentes, muitas pessoas foram obrigadas a enterrar seus
entes queridos, e, ao mesmo tempo, iniciarem verdadeiras batalhas para
regularizar e partilhar o patrimônio herdado.
Como advogado atuante nessa área
já há alguns anos, presenciei incontáveis processos de inventário
prolongarem-se por desentendimento entre herdeiros, alegações de adiantamento
de legítima, acusações de fraude com o patrimônio e diversas outras
justificativas trazidas pelos herdeiros para fundamentar seu descontentamento
com a outra parte. À medida que os herdeiros brigam entre si, mais o inventário
é travado e mais tempo os credores têm de localizar o processo e solicitar sua
habilitação, de forma a tumultuar tanto o inventário, que se estende por
décadas.
Foi nesse nicho que o
planejamento sucessório surgiu, a fim de evitar exatamente esse tipo de
situação supracitada, viabilizando ao(à) proprietário(a) dos bens, a divisão
destes ainda em vida, ou até a facilitação da transmissão desse patrimônio com
tributações amenas e procedimentos mais simplificados. Veja, o planejamento
patrimonial sucessório não é uma "receita de bolo", ou seja, igual
para todos os casos, mas sim um instrumento que deve ser moldado ao caso
prático e suas peculiaridades, visto que comporta diversas medidas como Fundos
Imobiliários, Holdings, protocolo familiar, doações em vida, testamento,
seguros de vida, contas conjuntas, Planos de Previdência e até fundos
exclusivos em casos de patrimônios que somam a partir de 10 milhões.
Das formas retro mencionadas,
algumas são amplamente conhecidas até mesmo fora do ramo do direito, exemplo:
doação em vida, testamento e contas conjuntas. Dessas ferramentas, é simples o
entendimento de como elas podem facilitar a partilha dos bens das heranças,
como por exemplo, através da doação em vida, o(a) proprietário(a) dos bens pode
dividir todo o seu patrimônio ainda em vida e em diálogo com os herdeiros. Essa
ferramenta é simples e prática, no entanto, quando não complementada através de
uma holding familiar, tem uma carga tributária expressiva, visto que é
calculada pela transmissão individualizada de cada bem.
Ainda dentro das ferramentas
supracitadas, o testamento é uma modalidade muito conhecida e utilizada,
todavia, no caso prático, vemos que muitas das expressões de última vontade dos
falecidos não atendem aos requisitos legais, de forma que a vontade do falecido
acaba sendo deturpada, fora que deve ser aberto um processo judicial só para a
abertura e leitura do testamento, o que, por si só, já adiciona mais etapas ao
processo de inventário. Por fim, a conta conjunta é uma modalidade
interessante, no entanto, aqueles que buscam essa ferramenta do planejamento
sucessório devem se atentar que existem dois tipos de conta conjunta, a
solidária e não-solidária, sendo que na primeira, cada um dos titulares têm o
direito de utilizar o saldo em conta, sem autorização do outro titular, o que não
ocorre na conta conjunta não-solidária. Outro ponto que merece atenção, ainda
sobre a conta conjunta, é o limite que o titular vivo pode dispor daquele saldo
em conta, visto que, após o falecimento de um dos titulares, aquele
sobrevivente deve atentar-se ao limite de disposição de 50% do saldo em conta.
Como nota-se, a temática das
ferramentas do planejamento sucessório é muito maior do que pode-se imaginar,
de forma que, a seguir nós versaremos sobre alternativas não tão conhecidas do
público, no entanto muito importantes e úteis quando o objetivo é facilitar a
transmissão de bens após o falecimento dos proprietários.
Acima nós versamos sobre doação
em vida, testamento, contas conjuntas, a holding patrimonial e seus benefícios,
dessa forma a seguir traremos ferramentas que facilitam a transmissão do
capital herdado, tanto de bens fungíveis (aqueles que podem ser substituídos
por outro da mesma espécie, quantidade e qualidade - ex.: dinheiro), como bens
infungíveis.
Como já versado, o planejamento
sucessório depende da análise e estudo do patrimônio, bem como a compreensão da
dinâmica familiar do(a) proprietário(a), de modo que as ferramentas mencionadas
no outro artigo (Fundos Imobiliários, Holdings, protocolo familiar, doações em
vida, testamento, seguros de vida, contas conjuntas, Planos de Previdência e
Fundos Exclusivos) prestam diferentes funções e devem ser utilizadas da forma
correta, a fim de efetivamente proteger o proprietário e seus herdeiros.
Nesse sentido, ainda que algumas
dessas ferramentas sejam conhecidas pelo público, várias não são usualmente
utilizadas pelo brasileiro, como o seguro de vida, que, de acordo com dados da
Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) apenas 15% da
população brasileira é segurada. Nos Estados Unidos, por exemplo, a porcentagem
chega a 70% da população e, no Japão, esse índice chega a 90%.
O interessante sobre o prêmio do
seguro de vida é que ele não entra no inventário e é pago diretamente aos
herdeiros beneficiários, então é uma alternativa rápida e desburocratizada que
não é tributada pelo imposto de transmissão - ITCMD. Veja, é uma alternativa
extremamente vantajosa, seja pelo ponto de vista da blindagem patrimonial, já
que o seguro de vida, nos termos do art. 833, VI do Código de Processo Civil é
impenhorável, e fora que o seguro de vida garante que a família receberá o
valor integralmente após o óbito, no entanto, deve-se atentar à modalidade de
seguro contratado, já que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região reconheceu
que seguros de vida resgatáveis antes do falecimento podem ser penhorados.
O seguro de vida é uma
alternativa como investimento para manutenção dos herdeiros após o falecimento
do(a) chefe do lar, no entanto, dependendo da composição do patrimônio, pode
não ser a melhor medida para facilitação da partilha, já que, em casos nos
quais o patrimônio é composto exclusivamente por bens imóveis de expressivo
valor, pode-se estudar a viabilidade de compor um Fundo Imobiliário regido
pelas instruções da Comissão de Valores Imobiliários, possibilitando aos
herdeiros com quotas do fundo acesso à renda gerada pelo aluguel desses
imóveis.
Apesar de pouco usada, o Fundo
Imobiliário como ferramenta do procedimento de planejamento sucessório é
extremamente útil, no entanto, não muito recorrente em função da estrita
aplicação prática. Conforme já extensivamente trabalhado nos artigos do
escritório, a holding surge como a melhor e mais comum alternativa quando
falamos de planejamento patrimonial sucessório, já que comporta a
integralização de qualquer modalidade de bens, inclusive de criptomoeda.
A Holding familiar visa facilitar
a transmissão do patrimônio herdado, visto que unifica o patrimônio em uma
pessoa jurídica, estipula o procedimento de transmissão de quotas no caso de
falecimento dos sócios e diminui a carga tributária de transmissão. Não só
isso, os pais, após a constituição da holding, podem doar as quotas aos seus
filhos, com reserva de usufruto vitalício em favor deles, de modo que, no
momento do falecimento, a holding e o patrimônio já estão em nome dos filhos.
Importante ressaltar que a extinção do usufruto se dará pela morte do
usufrutuário, não sendo necessária a apresentação, perante o registro de
imóveis, do inventário e partilha dos bens deixados pelo de cujus para o
cancelamento pretendido. O cancelamento do usufruto deverá ser requerido pelo
interessado (assinatura com firma reconhecida), acompanhado da certidão de
óbito expedida pelo Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, bem como
prova do recolhimento do ITCMD, se for o caso, e assim o exigir a Lei estadual.
Dentro do contrato social dessa
Holding, a fim de conferir maiores previsões de administração desse patrimônio,
considerando que a holding pode conter bens imóveis e até quotas de outras
sociedades, os sócios podem instituir em contrato social a existência Conselho
de Sócios e Administração - cuja finalidade é a administração conjunta da
pessoa jurídica - e a previsão expressa das atividades operacionais, que
delimita as atividades delegadas aos diferentes membros do núcleo familiar,
dentro da pessoa jurídica.
Apesar da Holding ser a
modalidade mais utilizada, podemos trazer ainda outras ferramentas úteis ao
planejamento sucessório, no entanto, que dependem da dinâmica do núcleo
familiar, como o protocolo familiar, que consiste em um acordo negociado entre
todos os familiares e estabelece os princípios que sustentam a relação entre os
membros da família, a relação destes com seus negócios e seu patrimônio e sua
evolução ao longo do tempo, servindo como um regimento de como os entes
familiares devem reger suas relações pessoais e patrimoniais.
O protocolo familiar é realizado
a fim de que as gerações seguintes sigam os padrões de administração e
convivência que os instituidores entendam necessários, visando a manutenção das
sociedades empresariais familiares e a preservação dos princípios dos
fundadores. A eleição dessa modalidade é extremamente viável, no entanto
demanda um alinhamento dos instituidores.
Nesse sentido, nós trouxemos
algumas das ferramentas utilizadas no procedimento de planejamento sucessório,
a fim de demonstrar as inúmeras saídas para problemas de partilha, no entanto,
reiteramos que as ferramentas devem ser utilizadas dentro das especificidades
de cada caso, de modo que o presente artigo objetiva a prestação de informações
úteis àqueles que buscam regularizar seu patrimônio antes do falecimento.
*Murilo Zerrener é advogado do escritório
Battaglia & Pedrosa Advogados.
Fonte: Migalhas