A Justiça do Paraná identificou ato de
alienação parental na mudança para o estado de uma mãe com os filhos, sem o
conhecimento do outro genitor, anteriormente residentes no Rio Grande do Norte.
Ela havia promovido ação de modificação da guarda da compartilhada e de
convivência no novo estado, requerendo pedido de tutela antecipada de alteração
de domicílio, alegando não ter vínculos na capital potiguar.
A família viveu por 11 anos no estado
do Nordeste, no curso do casamento. O divórcio consensual foi realizado no ano
passado, meses antes da mudança da mãe com os filhos para o Sul do país.
Observando que os envolvidos sempre residiram no Rio Grande do Norte, a Justiça
paranaense declarou-se incompetente para julgar o feito e remeteu o processo
para a comarca de Natal. O pai relatou que, a essa época, desconhecia as
intenções da ex-esposa.
Em janeiro, a Justiça potiguar
concedeu o pedido de tutela antecipada da genitora, sem citar o genitor,
permitindo a mudança das crianças para o Paraná, bem como a redução do regime
de convivência nos finais de semana alternados. Quando o pai foi finalmente
citado e o contraditório foi oportunizado, as crianças já estavam na nova casa,
a cerca de 3,5 mil km de distância. Ele apresentou contestação e reconvenção,
com requerimento da declaração de alienação parental, bem como o retorno das
crianças para a cidade natal.
Por conta da mudança das crianças para
outra comarca, a juíza de Natal também se declarou incompetente para analisar o
caso. Enquanto o Superior Tribunal de Justiça – STJ não decidia qual comarca
deveria julgar o feito, o convívio presencial ficou suspenso, sendo mantida a
convivência virtual. Neste momento, o pai também relatou dificuldades, alegando
que a genitora não atendia às suas ligações.
Pai ficou quatro meses sem ver os
filhos; período será compensado
Em julho, finalmente, o STJ declarou
que a Justiça do Paraná era a competente para julgar o processo. Quando o
pedido para regulamentação e retomada da convivência presencial foi
protocolado, o pai já não via os filhos há quatro meses.
Em sua análise, a magistrada
responsável pelo caso aplicou a sanção de advertência por alienação parental à
mãe. Também ampliou a convivência virtual diária entre pai e filhos, com
duração de ao menos uma hora, além da retomada da convivência presencial em
finais de semana alternados: de quinta a segunda-feira. A mãe também deverá
levar as crianças a Natal a cada dois meses para visitar a família paterna.
Para compensar o tempo em que as
crianças ficaram sem ver o pai, a juíza concedeu a ele o período integral das
férias com os filhos. Determinou que, uma vez que as aulas estão sendo
realizadas de forma remota, as crianças poderiam viajar para Natal em agosto de
2020 para passar os aniversários do genitor e avô paterno. Por fim, aumentou a
proporção do pai nas férias, que passou a ficar com 2/3.
A fim de impedir que as crianças
viajassem em agosto de 2020, além das outras medidas impostas na decisão, a mãe
protocolou agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo. Todavia, o
desembargador-relator indeferiu o pleito em decisão monocrática, averiguando
que a conduta se caracteriza como ato de alienação parental, e manteve a
sanção. Verificou ainda ser “temerário que genitor aguarde indefinidamente a
possibilidade de conviver com seus filhos no ambiente familiar paterno”.
Membros do IBDFAM, advogadas atuaram
pelo pai na ação
As advogadas Marília Varela Soares de
Gois, do Rio Grande do Norte, e Juliana Tavares, do Paraná, atuaram no caso,
representando o pai das crianças. Membros do Instituto Brasileiro de Direito de
Família – IBDFAM, elas avaliam a reincidência de casos de alienação parental e
mudança de cidade sem anuência do outro genitor.
Segundo Marília, a prática tem se
tornado comum e ocorre, por vezes, sob argumentos infundados, como falsas
acusações de violência ou propostas de trabalho que nunca existiram.
“Raríssimos são os casos em que a mudança de cidade, de fato, protege os
interesses da criança ou do adolescente”, avalia a advogada.
Ela sinaliza como geralmente ocorrem
esses casos: “Com a finalidade de evitar que o outro genitor use os meios
legais cabíveis para impedir que os filhos mudem de cidade, aquele que detém a
base de moradia do filho prefere anular a autoridade parental do outro e,
então, silenciosamente, organiza a nova cidade, a nova casa e a nova escola da
criança ou adolescente”.
Quando o genitor alienado toma
conhecimento, há pouco a se fazer. “Geralmente, só terá conhecimento da mudança
quando ela já ocorreu e a criança foi matriculada na nova escola, pois são
poucos os juízes que determinam o seu retorno à cidade de origem durante o ano
letivo”, observa Marília.
Mudança de cidade ignora a criança
como um ser social, diz advogada.
“Antes de falar sobre as
implicações da mudança de cidade, importante destacar que, independentemente do
regime de guarda adotado, a mudança permanente de cidade compete a ambos os
genitores, nos termos do artigo 1.634, V, do Código Civil. Além disso, muitas
vezes também pode ser configurada como ato de alienação parental, como
exemplificado no artigo 2º, VII, da Lei 12.318/2010”, destaca Marília Varela.
Ela explica que, caso não seja bem
estudada e organizada, a mudança de lar pode trazer grandes prejuízos
emocionais à criança ou adolescente, já que significa tirar deles relações
sociais já construídas. “A mudança de cidade ignora a criança como um ser
social e muitas vezes impõe a ela um segundo luto, já que ainda tenta se
recuperar emocionalmente do divórcio dos pais.”
“Diante disso, é recomendável que,
antes de decidir acerca da mudança de cidade, o magistrado peça um estudo
produzido por assistente social e uma avaliação psicológica, elaborada por
profissional habilitado para diagnosticar ocorrência de atos de alienação
parental, como prescreve o artigo 5º, § 2º, da Lei 12.318/2010”, orienta a
advogada.
Para Marília, deve ser considerada a
razoabilidade e a pertinência da mudança de cidade de acordo com cada situação.
Não se pode perder de vista, ainda, que o convívio com ambas as figuras
parentais é essencial e a distância entre duas cidades pode ser muito onerosa
tanto para o genitor afastado quanto para o filho, fragilizando os vínculos de
afeto.
Ela frisa que a mudança de cidade não
implica alteração do regime de guarda compartilhada. “Ambos os genitores continuam
aptos a tomarem as principais decisões acerca da vida dos filhos em conjunto.
Especialmente com o uso nas novas tecnologias, independentemente da cidade onde
moram, instantaneamente os genitores podem conversar e decidir sobre a
educação, os problemas de saúde e emocionais dos filhos, não havendo motivo
para haja a aplicação da guarda unilateral”, defende Marília.
Pandemia acirrou casos de alienação
parental
No interior do Paraná, a advogada
Juliana Tavares viu crescer a demanda relacionada ao afastamento dos filhos de
pais e avós por conta da pandemia do Coronavírus. “Não só de mães que se
simplesmente passaram a impedir que os pais continuassem a exercer a
convivência estabelecida em acordo judicial como também algumas situações mais
graves de mudanças para o interior, onde se encontram outros familiares,
rompendo o contato familiar entre pais e filhos”, conta.
“O argumento é sempre a preocupação
com a proteção dos filhos frente a contaminação do coronavírus. No entanto, se
esquecem que os filhos também sofrem com o distanciamento presencial dos pais e
talvez esse seja um dano para a saúde dessas crianças ou adolescentes ainda
maior”, opina Juliana.
Ela lembra que essa prática reiterada
de tentar criar um distanciamento entre pais e filhos é um caso típico de
alienação parental, verificado quando um dos genitores ou cuidador do infante
age com o intuito de afastar ou interromper o vínculo com o outro genitor ou
com a família deste.
Proteção da criança e do adolescente
“O principal entendimento que devemos
ter em relação à Lei 12.318/2010 é a sua natureza preventiva, sua função
protetora, já que não é necessária a instalação da alienação parental na
criança ou no adolescente para que haja atuação estatal. No Brasil, basta a
ocorrência de ato de alienação, como exemplificado no parágrafo único do artigo
2º da Lei, para que as medidas do artigo 6º sejam aplicadas, podendo ter
caráter pedagógico – como a advertência e acompanhamento psicológico
compulsório – ou caráter punitivo – como a inversão da guarda e a suspensão da
autoridade parental”, explica Juliana.
Todas as discussões e decisões
judiciais acerca do tema devem ter o objetivo principal de proteção da criança
ou adolescente “Quando o Judiciário adverte um genitor que praticou um ato de
alienação, passa a mensagem de que está atento àquela relação familiar e,
sobretudo, à conduta daquele genitor. Isso é importante porque advertido tende
a se comportar de maneira mais colaborativa em relação ao outro genitor,
compartilhando informações e decisões dos filhos, flexibilizando termos de
convívio e até estimulando essa convivência, revelando o viés pedagógico da
lei.”
Decisões judiciais têm dado conta de
coibir casos de mudanças de cidade sem o conhecimento do genitor alienado,
segundo a advogada. “Quando o genitor que mudou de cidade passa ter essa
obrigação de levar o filho à residência do outro para que possam exercer a
convivência familiar, consequentemente, os custos e o desgaste físico do
deslocamento também ficam por sua conta, provocando uma reflexão, pois ele
vivencia na prática o sacrifício que impôs ao genitor alienado”, atenta
Juliana.
IBDFAM realiza pesquisa sobre Lei de
Alienação Parental
Foi prorrogado o prazo para participar
da pesquisa sobre a Lei de Alienação Parental, realizada pelo Grupo de Estudo e
Trabalho do IBDFAM sobre o tema. Membros do Instituto podem participar até a
próxima quinta-feira (10). O questionário busca aprofundar o debate e colher
sugestões para o aperfeiçoamento e melhor aplicação da norma.
A
pesquisa é exclusiva para associados do IBDFAM. A participação é
essencial para o pensar interdisciplinar e democrático sobre o tema. Clique
aqui e responda ao questionário do IBDFAM sobre a Lei de Alienação Parental.
Fonte: IBDFAM