O Plenário do Senado aprovou em votação simbólica nesta
quarta-feira (25) projeto que amplia o financiamento a empresas em recuperação
judicial, permite o parcelamento e o desconto para pagamento de dívidas
tributárias e possibilita aos credores apresentar plano de recuperação da
empresa, entre outras medidas. O PL
4.458/2020 teve parecer favorável do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), com
emendas de redação, e segue agora para sanção do presidente da República. A
sessão remota foi presidida pelo senador Antonio Anastasia (PSD-MG).
Aprovado na Câmara dos Deputados no final de agosto, o
projeto é fruto de dois outros que tramitaram apensados: PL
6.229/2005, do ex-deputados Medeiros, e PL
10.220/2018, apresentado pelo governo de Michel Temer. O texto final
aprovado na Câmara foi consolidado pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
No Senado, das 65 emendas apresentadas, seis foram retiradas
pelos autores. O relator acolheu três emendas, todas com mudanças redacionais:
uma do senador Eduardo Gomes (MDB-TO) e duas da senadora Rose de Freitas
(Podemos-ES). Rodrigo Pacheco também incluiu 13 emendas redacionais de sua
autoria.
A proposta modifica diversos pontos da Lei
11.101, de 2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a
falência empresarial, e da Lei 10.522, de
2002, que dispõe sobre o cadastro informativo dos créditos não quitados de
órgãos e entidades federais. Também há mudanças na Lei 8.929, de 1994,
que institui a Cédula de Produto Rural e dá outras providências.
Na recuperação extrajudicial, devedores e credores tentam
entrar em um acordo, sem que seja preciso a intervenção da Justiça. Já a
recuperação judicial conta com a intervenção da Justiça para negociar uma
alternativa para a empresa em dificuldades continuar a funcionar. Assim, a
recuperação judicial serve para tentar evitar a falência. Na falência, a
empresa encerra suas atividades e todos os seus ativos — equipamentos,
maquinários, edifícios, entre outros — são recolhidos pela Justiça e vendidos
para o pagamento das dívidas.
Um dos objetivos do PL 4.458/2020 é acelerar a conclusão do
processo de falência, que deverá se dar em seis meses. Hoje isso leva de 2 a 7
anos. O senador Rodrigo Pacheco ressalta que essa medida, ao permitir a
conclusão rápida do processo, resolve um dos grandes gargalos do país e
facilita que o empresário volte a empreender.
— Quanto ao mérito, o projeto de lei está em consonância com
o desenvolvimento jurisprudencial em 15 anos, sendo certo que a lei que se visa
alterar, a Lei 11.101, de 2005, merece ser reformada e atualizada, mesmo que
não estivéssemos enfrentando uma grave pandemia. E com mais razão, nesse caso.
As possibilidades que serão abertas com a aprovação da proposta virão, sem
dúvida, a ordenar e facilitar o cumprimento das obrigações do empresário ou da
sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento de
recuperação judicial. Os benefícios tributários previstos no projeto favorecem,
pois, a recuperação judicial, contribuindo para evitar a falência de empresas e
o consequente custo social — afirmou Rodrigo Pacheco durante a leitura do
relatório.
Financiamento de risco
O projeto também regulamenta empréstimo para devedor em fase
de recuperação judicial. Esse tipo de empréstimo, conhecido como dip financing
(debtor in possession financing), implica muitos riscos para o financiador, e
por isso poucos bancos aceitam fazê-lo.
Na avaliação do relator, esse é um dos pontos altos do
projeto. Ele ressalta que a regulamentação do dip financing poderá auxiliar o
devedor em crise profunda, mas cuja empresa pode ainda ser viável, a obter
créditos de última hora, afastando-o da falência. “O detalhamento das regras e
das garantias ofertadas aos credores pelo PL 4.458/2020 aumenta a segurança e a
clareza jurídica, de modo a fomentar o interesse dos credores”, afirma o relator.
Conforme o texto aprovado, se autorizado pelo juiz, o
devedor em recuperação judicial poderá fazer contratos de financiamento para
tentar salvar a empresa da falência. Se a falência for decretada antes da
liberação de todo o dinheiro do financiamento, o contrato será rescindido sem
multas ou encargos. Esse financiamento poderá ser garantido com bens da
empresa, como maquinários e prédios, por meio de alienação fiduciária ou mesmo
na forma de garantia secundária. Se houver sobra de dinheiro na venda do bem,
ela será usada para pagar o financiador.
O texto altera a ordem de pagamento dos credores, dando
preferência para os créditos derivados de dip financing.
Dívidas tributárias
Outra mudança é a ampliação das possibilidades de
parcelamento de dívidas com a União para a empresa em recuperação judicial.
O texto aumenta o número de prestações de 84 para 120 e
diminui o valor de cada uma. A empresa também poderá quitar até 30% da dívida
consolidada e dividir o restante em até 84 parcelas. Para pagar essa entrada,
será possível usar 25% do prejuízo fiscal e 9%, 17% ou 25%, conforme o tipo de
empresa, da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL).
Como condições para aderir ao parcelamento, o devedor
assinará termo de compromisso pelo qual fornecerá ao Fisco informações
bancárias e de comprometimento de valores a receber, além de direcionar ao
pagamento da dívida até 30% do produto da venda de bens realizada durante o
período de vigência da recuperação judicial.
Caso a empresa deixe de pagar parcelas, se for constatado
esvaziamento patrimonial para fraudar o parcelamento ou as condições sejam
descumpridas, o parcelamento será cancelado e o débito total exigido.
Também será possível dividir em até 24 meses débitos atualmente
proibidos de serem parcelados, como os relativos a tributos com retenção na
fonte ou de terceiros (imposto de renda do empregado, por exemplo) e o Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF).
Transação tributária
O projeto aprovado também prevê o uso de transação
tributária, que são acordos para pagamento de dívidas mediante concessão de
benefícios. A transação tributária foi regulamentada pela Lei
13.988, aprovada pelo Congresso em abril. Nessa modalidade, o governo
ou o devedor propõe descontos para quitar a dívida, que podem chegar a 70% do
valor devido, a ser paga em prazo máximo de 120 meses.
No caso de micro e pequenas empresas, o prazo pode chegar a
144 meses. Se a empresa desenvolve projetos sociais, o prazo pode ser aumentado
em mais 12 meses.
Segundo o projeto, devedores em recuperação judicial que já
tiverem firmado acordos desse tipo poderão pedir a repactuação. O prazo para o
pedido será de 60 dias da publicação da futura lei.
Plano de recuperação
A possibilidade de que os credores apresentem um plano de
recuperação da empresa é outra novidade do PL 4.458/2020. Para Rodrigo Pacheco,
essa solução é correta. Prevista no direito norte-americano, segundo o relator,
é uma medida que ajuda a resolver o impasse na negociação entre credores e
devedor acerca do plano de recuperação judicial ao autorizar os credores a
apresentarem e aprovarem plano próprio, mesmo contra a vontade do devedor.
Conforme o projeto, na hipótese de o plano de recuperação
judicial do devedor ser rejeitado, a assembleia poderá aprovar prazo de 30 dias
para a apresentação, pelos credores, de um plano de recuperação da empresa.
Esse plano deverá cumprir algumas condições, como o apoio de
credores que representem mais de 25% dos débitos ou de credores presentes na
assembleia que representem mais de 35% dos créditos. Não poderá ainda haver
imposição, aos sócios do devedor, de sacrifício de seu capital maior do que
viria da falência.
O texto que vai à sanção do presidente da República também
condiciona a decretação da falência à rejeição do plano de recuperação dos
credores ou a sua não apresentação. A falência será decretada ainda se o
devedor descumprir o parcelamento de dívidas tributárias prevista no projeto ou
se for identificado esvaziamento patrimonial da empresa que implique prejuízo
dos credores.
Suspensão de ações
A legislação atualmente em vigor regula o stay period
(período de suspensão de ações contra a empresa em processo de recuperação
judicial), marcando o início com o despacho da decisão judicial que recebe o
pedido de recuperação e o término em 180 dias após essa data, com suspensão de
ações e execuções no período, salvo as de natureza fiscal e as derivadas de
contratos de leasing ou propriedade fiduciária.
O PL 4.458/2020 mantém essa regra, mas permite que o prazo
de 180 dias seja prorrogado por duas vezes, a primeira a critério do juiz e a
segunda a critério dos credores. A mudança almeja dar mais previsibilidade aos
credores da regra de prorrogação do stay period, com critérios fixados em lei.
O projeto permite ainda que o juiz da recuperação interfira,
por cooperação jurisdicional, na constrição de bens em sede de execução fiscal
ou de reintegração de posse em leasing ou, ainda, em ação de busca e apreensão
em propriedade fiduciária, sempre que os bens sob constrição sejam essenciais
ao negócio do devedor empresário. Determina, ainda, a observância das
convenções de arbitragem, mesmo se a empresa estiver em recuperação, bem como
suspende as execuções trabalhistas contra responsável subsidiário até o
encerramento da recuperação judicial.
Conciliação e mediação
O texto aprovado reforça o uso da conciliação e da mediação
no processo de recuperação e falência, com a criação de um mecanismo de
suspensão de execuções contra o devedor, por 60 dias, a fim de incentivar a
negociação com os credores.
Também serão admitidas conciliações e mediações em disputas
entre sócios da empresa ou em conflitos envolvendo concessionárias ou
permissionárias de serviços públicos em recuperação judicial e os órgãos
reguladores ou entes públicos municipais, distritais, estaduais ou federais.
Em períodos de calamidade pública, como no caso da covid-19,
o texto permite conciliação e mediação para garantir a prestação de serviços
essenciais se relativa a créditos que não entrarão na disputa com os demais
credores, os créditos extraconcursais.
Produtor rural
Outra mudança é a autorização para que produtores rurais que
atuem como pessoa física peçam recuperação judicial. Hoje a legislação permite
o pedido apenas ao produtor rural pessoa jurídica que comprove pelo menos dois
anos de atividade. O projeto especifica que o produtor rural pessoa física
poderá apresentar plano de recuperação judicial desde que o valor da causa não
exceda a R$ 4,8 milhões.
O texto também retira do rol de créditos sujeitos à
recuperação judicial os créditos ou as garantias vinculados às Cédulas de
Produto Rural de liquidação física.
Para o relator, a inclusão dos devedores rurais no regime da
Lei de Falências é pertinente e foi influenciada por decisões recentes do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconhecem esse direito ao devedor
rural.
Insolvência transnacional
O projeto aprovado introduz um extenso capítulo sobre
insolvência transnacional na Lei de Falências, de modo a suprir uma lacuna
existente.
Para Rodrigo Pacheco, o texto inova ao criar regras para a
insolvência transfronteiriça, nos moldes da Lei Modelo da Uncitral, adotada
pelos Estados Unidos e por países europeus. “Tais normas reduzem a chance de
fraude internacional contra credores, bem como protegem o interesse de credores
nacionais diante de credores estrangeiros”, explica o relator.
O texto regula a falência e a recuperação judicial de
empresa em negócios transnacionais, disciplinando itens como o reconhecimento
de processos estrangeiros, a colaboração entre juízes, a troca de informações,
o tratamento dado no Brasil a credores estrangeiros, entre outros.
Decretação de falência
O PL 4.458/2020 amplia a lista de possibilidades em que o
juiz pode decretar a falência do devedor. Atualmente, o juiz pode decretar
falência por: deliberação da assembleia geral de credores; não apresentação,
pelo devedor, do plano de recuperação no prazo previsto; rejeição do plano de recuperação;
e descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação.
Pelo novo texto, também será possível decretar falência em
razão de descumprimento de pagamento em parcelamento de créditos tributários ou
se, vendida a empresa em recuperação judicial, não sobrar recursos para honrar
os créditos tributários e os créditos de credores não sujeitos ao plano.
Proteção do adquirente de bens
Atualmente, a legislação exime quem adquire bens de uma
empresa em recuperação judicial de assumir dívidas vinculadas ao processo. O
projeto amplia a blindagem do adquirente ainda mais, explicitando que ele não
assumirá dívida de qualquer natureza, seja ela ambiental, regulatória,
administrativa, tributária, penal, trabalhista ou derivada de normas anticorrupção.
Para o relator, a medida é saudável, pois incentiva a aquisição dos ativos que
pode ajudar a gerar o capital necessário à reestruturação da empresa.
Créditos trabalhistas
Ao contrário da proibição atual de incluir créditos
trabalhistas ou por acidente de trabalho na recuperação extrajudicial, o
projeto permite sua inclusão se houver negociação coletiva com o sindicato da
respectiva categoria profissional.
O texto também modifica o prazo para pagamento de crédito
trabalhista por empresa em recuperação judicial. Atualmente, a lei prevê o
pagamento dos créditos trabalhistas em até um ano a contar da homologação do
plano de recuperação judicial.
Pelo projeto, o devedor terá até dois anos para fazer o
pagamento desse tipo de crédito. Esse prazo, no entanto, deverá ser aprovado
pelos próprios credores trabalhistas na votação do plano.
Por 52 votos a 20, os senadores rejeitaram emenda do senador
Paulo Paim (PT-RS) que buscava garantir que os créditos derivados da legislação
do trabalho e os decorrentes de acidentes de trabalho ficassem de fora da
recuperação extrajudicial.
Distribuição de lucros
O PL 4.458/2020 insere na Lei de Falências a proibição de
distribuição de lucros e dividendos durante o processo de recuperação judicial.
Com isso, o projeto visa garantir que a reserva de lucros seja utilizada para
honrar o compromisso do devedor com seus credores ou capitalizar a empresa em
recuperação judicial.
Meios de recuperação judicial
A ampliação dos meios de recuperação judicial é outra medida
do projeto. Hoje a Lei de Falências já prevê 16 meios de recuperação judicial,
entre eles a concessão de prazos e condições especiais para pagamento das
obrigações vencidas e a alteração do controle societário.
O texto insere nessa lista a conversão da dívida em capital
social e a venda integral da empresa.
Venda de ativos
A lei em vigor exige autorização judicial para a venda de
ativos não prevista no plano de recuperação judicial. O PL 4.458/2020 amplia as
exigências para esse tipo de alienação de bens e acrescenta que os credores
poderão impugnar a autorização dada pelo juiz e decidir o tema em assembleia.
Grupo societário
O projeto também regulamenta os pedidos de consolidação
processual e consolidação substancial. A consolidação processual permite que
empresas que integrem uma sociedade ingressem conjuntamente com um só pedido de
recuperação judicial. Pelo projeto, o fato de o processo tramitar em
consolidação processual não impede que alguns devedores tenham falência
decretada e outros não.
Na consolidação substancial, o grupo societário em
recuperação judicial não apenas tem o pedido processado conjuntamente, como as
empresas que o integram perdem sua autonomia patrimonial. Com isso, unificam-se
as listas de credores do grupo e se permite que o plano de recuperação judicial
seja deliberado em assembleia única, com todos os credores do grupo econômico
consolidado.
Registro de falidos
De acordo com o texto aprovado, os registros públicos de
empresas serão obrigados, em cooperação com os tribunais de Justiça, a manter
banco de dados público e gratuito, disponível na internet, com a relação de
todos os devedores falidos ou em recuperação judicial. A integração em âmbito
nacional dos bancos de dados dos registros públicos será feita em cooperação
com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Homologação de credores
Atualmente, a lei só permite o encerramento da recuperação
judicial após a homologação do quadro geral de credores, o que é demorado e
atrasa o processo. Por isso, o projeto permite o encerramento da recuperação judicial
antes da homologação desse quadro geral.
Os credores que não forem reconhecidos antes do encerramento
terão suas ações redistribuídas ao juízo da recuperação judicial como ações
autônomas e observarão o rito comum.
Deliberação virtual
Hoje, a legislação trata da assembleia geral de credores
como ato presencial. No entanto, pelo projeto, qualquer deliberação da
assembleia geral poderá ser substituída, com idênticos efeitos, por termo de
adesão firmado por credores de acordo com o quórum de aprovação específico, por
votação em sistema eletrônico que reproduza as condições de tomada de voto da
assembleia geral de credores ou por outro mecanismo considerado seguro pelo
juiz.
Impostos
O projeto dispensa o devedor de pagar imposto de renda e
CSLL em caso de ganho de capital derivado de venda de bens em recuperação ou
falência, salvo se o adquirente for empresa do mesmo grupo econômico.
Fonte: Senado