As Diretivas Antecipadas
de Vontade – DAV servem para que os indivíduos possam documentar expressamente
seus desejos em relação a cuidados de saúde em casos de doença grave,
degenerativa e sem possibilidade de cura. A adesão a esse instrumento cresceu
no Brasil na última década, e o tema ganhou novos contornos diante da pandemia
da Covid-19.
O tema foi regulamentado
em há nove anos com a Resolução 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina –
CFM, que dispôs especificamente sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade. Já a
Resolução 2.232/2019 estabeleceu as normas éticas para a recusa terapêutica por
pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente.
Segundo dados do Colégio
Notarial do Brasil seção São Paulo – CNB-SP divulgados em reportagem no blog
TAB do portal Uol, na semana passada, o número de registros desses documentos
saltou de 35 em 2008 para 232 em 2012. O maior índice foi registrado em 2015:
731. No ano passado, já no cenário de proliferação do Coronavírus, foram 549
documentos. Apesar do crescimento, são números tímidos, que mostram, entre
outros fatores, como doença e morte ainda são tabus na sociedade brasileira.
"Com a pandemia da
Covid-19, a morte passou a fazer parte das nossas conversas e se tornou assunto
frequente nos jornais. Contudo, as pessoas continuam sem pensar na própria
morte. Falamos da morte do outro, ainda que eventualmente seja alguém próximo,
mas ainda não somos capazes de entender a nossa própria morte, que é a cerne
dos documentos de Diretivas Antecipadas de Vontade", opina a advogada
Luciana Dadalto, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
Testamento vital
Segundo a especialista,
há um problema de terminologia quanto ao tema. "Os documentos de DAV são
de manifestação prévia de vontade para cuidados de saúde, mas, no Brasil,
acabaram sendo usados apenas e exclusivamente para manifestação de vontade para
fim de vida. Nesse caso, o mais correto seria chamar de testamento vital",
explica.
O testamento vital
consiste justamente na feitura de documento com o qual o autor manifesta
seus desejos acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos a que será
submetido caso esteja com uma doença ameaçadora da vida. Pode e deve ser feito
por qualquer pessoa maior e capaz, para que tome decisões sobre cuidados da sua
saúde que só serão aplicáveis quando ela estiver em situação de terminalidade.
"Estamos falando
então de tomada de decisão para questões de fim de vida, para pacientes com
doenças terminais e incuráveis, em condições irreversíveis, como por exemplo as
doenças neurodegenerativas e o estado degenerativo persistente", detalha
Luciana. Assim, no momento de perda da capacidade decisória, a pessoa já terá
deixado previamente uma manifestação sobre a forma que quer ser cuidado.
A advogada destaca:
"A principal vantagem de documentar previamente as vontades sobre questões
relacionadas ao fim de vida é que o paciente não perde a sua voz. Eles
normalmente chegam ao fim de vida sem capacidade decisória. A ideia do
documento é possibilitar que a pessoa consiga exercer sua autonomia
prospectiva".
Conflitos com família e
equipe médica
Esses documentos não
estão isentos de conflitos, como afirma Luciana Dadalto. A família ou mesmo a
equipe médica pode se recusar a cumprir a vontade expressa pelo paciente. Ainda
que previstas e admitidas pelo CFM, as DAV não têm previsão na lei. Nesse
contexto, a Justiça pode ser acionada para fazer valer o desejo do autor.
"A Resolução
1.995/2012 do CFM diz que a vontade
do paciente prevalece sobre a vontade de seus familiares. Essa é a base
jurídica do documento: os princípios da autonomia e da dignidade da pessoa
humana. Então, teoricamente, não deveríamos passar por situações de familiares
ou equipe médica descumprindo a vontade do paciente, mas sabemos que isso
acontece."
A advogada identifica um
fator fundamental que leva a esses conflitos: "Ainda somos muito
paternalistas no Brasil. Caso haja descumprimento das DAV, é possível ir até o
Poder Judiciário para que se obrigue a cumpri-las. Entretanto, sabemos que a
judicialização de questões em geral – essa, especificamente – não é o melhor
caminho. Precisamos educar mais as pessoas para discutir as questões afetas à
autonomia no fim de vida".
Aplicativo estimula
registros
No ano passado, a
Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia – SBGG lançou o aplicativo
Minhas Vontades. O objetivo é estimular o registro das DAV, convidando a
decidir sobre cirurgias, administração de medicamentos, ressuscitação
cardiopulmonar e terceiros autorizados a tomar decisões por sua vida. Em casos
irremediáveis, perseguindo uma morte digna e com menos sofrimento, pode-se
optar pela ortotanásia, sem interferência de tratamento.
Para a advogada Claudia
Stein Vieira, também membro do IBDFAM, o Direito das Famílias e das Sucessões
ainda precisa lidar com o tabu de se falar sobre doença e morte. "O
brasileiro, em geral, tem enorme dificuldade em tratar dos assuntos
relacionados à morte, o que inclui o que deverá ser feito se estiver incapaz de
manifestar a própria vontade e estiver acometido de uma doença terminal ou de
um dano irreversível", comenta.
Na visão da especialista,
a pandemia do Coronavírus deu nova percepção a essas discussões. "Não há
mais como relegar para um segundo plano, como se costumava fazer, a questão
relativa à finitude da vida, razão pela qual algumas pessoas passaram a
conversar sobre o tema, manifestando o desejo de não serem submetidas a
tratamento com o único propósito de prorrogação de suas vidas, se estiverem em
estado clínico irreversível e/ou vegetativo", observa.
Fonte: IBDFAM