O Direito de Família e o das Sucessões,
embora muitas vezes estudados em paralelo, tratam-se de ramos diversos, aos
quais aplicam-se regras distintas. Isso pode ser verificado a partir de uma
análise das implicações advindas da escolha do regime de separação absoluta de
bens (também chamada de separação convencional), quando do falecimento de um
dos cônjuges.
Primeiramente, o regime de separação
absoluta de bens, no que concerne ao casamento (ou união estável), é
constituído por meio de pacto antenupcial e dispõe que os cônjuges ou
companheiros conservarão, cada qual, a plena propriedade, integral
administração e fruição de seus próprios bens, resultando, assim, na
incomunicabilidade dos bens adquiridos antes, na constância e ao término da sociedade
conjugal.
Os artigos 1.687 e 1.688 do Código
Civil de 2002, que disciplinam as regras do regime da separação convencional,
estipulam que cada cônjuge mantém para si a administração exclusiva de seus
bens, podendo livremente aliená-los ou gravá-los de ônus real, sendo
desnecessário, para tanto, a outorga conjugal.
Ora, se o aludido regime estabelece que
cada cônjuge guarda para si plena propriedade e administração dos seus bens
particulares com a consequente incomunicabilidade de seu acervo, logo, a consequência
lógica, à primeira vista, seria a de que, em hipóteses de falecimento de um dos
cônjuges, a regra seria mantida também no sentido de afastar o(a) viúvo(a) da
herança, dada a incomunicabilidade calcada nos artigos 1.687 e 1.688 do Código
Civil de 2002.
No entanto, tal premissa é equivocada.
Isso porque, como exposto antes, as regras aplicadas ao direito de família
distinguem-se daquelas impostas ao direito das sucessões.
O regime da separação convencional,
escolhido antes do casamento tem total aplicabilidade de suas regras durante
toda a constância do matrimônio e também no divórcio. Por outro lado, em caso
de falecimento de um dos cônjuges, o cenário é modificado, colocando o cônjuge
vivo como herdeiro.
Para entender a sucessão do cônjuge sobrevivente
no regime de separação absoluta de bens, é necessário trazer à luz o artigo
1.829 do Código Civil (CC), o qual estabelece a regra de sucessão e
concorrência dos herdeiros legítimos. Tal norma amparou a inserção do cônjuge
sobrevivente em concorrência com os descendentes ou ascendentes na sucessão
hereditária e, inexistindo estes, a consequente sucessão por inteiro do cônjuge
vivo.
Em outras palavras, referido artigo
estabeleceu a ordem de vocação hereditária por classes, em que a existência de
uma afasta as demais. Dessa forma, primeiramente, os descendentes concorrem com
o cônjuge; na ausência destes, haverá a concorrência dos ascendentes com o
cônjuge; inexistindo também a classe dos ascendentes, o cônjuge vivo herdará na
integralidade, de modo que os colaterais somente se beneficiarão da herança, se
inexistirem descendentes, ascendentes e cônjuge.
A norma confirmou, ainda, a inserção do
cônjuge ou companheiro na sucessão do falecido, exceto se casado com o de cujus
no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art.
1.641 do CC); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não
houver deixado bens particulares.
Da atenta análise do artigo mencionado,
infere-se que o pacto antenupcial permite escolher o regime de bens que
influenciará o casal durante o casamento ou em hipóteses de divórcio. Contudo,
a escolha do regime de separação convencional não produz efeitos post mortem,
hipótese na qual o cônjuge sobrevivente concorre com os descentes, ou na
ausência deste, com os ascendentes.
Ocorre que, em geral, à época da
escolha do regime de bens mediante pacto antenupcial, as pessoas optam pelo
regime de separação absoluta, visando à manutenção da incomunicabilidade de seu
acervo próprio, e desconhecem que, diante de falecimento de um dos cônjuges, o
sobrevivente será seu herdeiro, em concorrência com os descendentes ou
ascendentes.
Com intento de dirimir tal
problemática, para casais que querem impedir a concorrência do cônjuge
sobrevivente, em possível hipótese de falecimento, autores como Rolf Madaleno
defendem a possibilidade de renúncia do direito à herança do cônjuge
sobrevivente no ato do pacto antenupcial, sob o pretexto de que a abdicação não
esbarraria na norma posta no art. 426 do CC, a qual prevê a impossibilidade de
ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.
(Renúncia de herança no pacto
antenupcial. Revista IBDFAM – Famílias e Sucessões v. 27: Belo Horizonte:
IBDFAM, 2018, p. 36-38)
Em contrapartida, a corrente
majoritária (formada por Giselda Hironaka, José Fernando Simão, Luiz Paulo
Vieira de Carvalho, Euclides de Oliveira, Flávio Tartuce e outros) defende a
impossibilidade da renúncia de herança diante de pacto antenupcial, em razão do
estabelecido pelo mencionado art. 426 do CC, em conjunto com o art. 1.655 do
CC, o qual consubstancia ser nula, de pleno direito, a cláusula que contravenha
disposição absoluta em lei, como seria o caso de previsão de renúncia
hereditária em pacto antenupcial.
Sobre o tema, os tribunais, consoante
ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, já afastaram tal argumento, ao
disciplinarem acerca da vedação à transação ou renúncia de herança de pessoa
viva e ratificaram o disposto no art. 426 do CC para tais hipóteses, bem como
consideraram o cônjuge sobrevivente como concorrente dos descendentes ou
ascendentes na sucessão legítima.
É relevante explicar, sobretudo, que o
regime de separação convencional ou absoluta de bens, ajustado por meio de
pacto antenupcial e objeto da presente discussão, difere-se da separação
obrigatória de bens (ou separação legal), descrita no art. 1.641 do CC, na qual
o cônjuge sobrevivente não será elevado a condição de herdeiro (art. 1.829,
inciso I do CC), visto que as pessoas não escolheram tal regime na época do
casamento, mas foi lhes imposto pela legislação, em razão da presença de alguma
das hipóteses descritas no art. 1.641 do CC (contraírem matrimônio com
inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; ser um dos
cônjuges maior de 70 anos; depender de suprimento judicial para casar).
Assim, fundamenta-se que o regime da
separação convencional de bens constituído deliberadamente pelo casal, à luz do
princípio da autonomia de vontade, claramente distingue-se do regime da
separação legal ou obrigatória de bens, imposto obrigatoriamente pelo art.
1.641 do Código Civil, motivo pelo qual somente o da separação absoluta
(convencional) eleva o cônjuge à condição de herdeiro e o insere na sucessão.
Fonte: Rota Jurídica