Anteprojeto prevê a exclusão do cônjuge e do companheiro
no rol de herdeiros necessários
Em busca do alcance de maior flexibilidade no direito de
dispor do patrimônio, da igualdade formal entre companheiros(as) e cônjuges e
das famílias recompostas, a comissão de juristas do anteprojeto de alteração do
Código Civil repensou a posição do cônjuge e do companheiro na sucessão
patrimonial, chegando à conclusão de que eles não deveriam mais figurar como
herdeiros necessários, “muito menos concorrer com os descendentes e
ascendentes do autor da herança”.
Sobre essa questão, estão sendo propostas alterações na
ordem da vocação hereditária (art. 1.829 CC), para que cônjuges e companheiros
permaneçam como herdeiros legítimos da terceira classe, mas sem direito à
concorrência sucessória, bem como em sua exclusão no rol de herdeiros
necessários (art. 1.845 CC), que será restrito, de acordo com o anteprojeto, a
descendentes e ascendentes.
Afinal, o que isso significa na prática? Inicialmente é
preciso explicar o regime legal ainda em vigor, para, depois, entendermos a
proposta de alteração.
Pois bem. O Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento no
sentido de que “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios
entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser
aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o
regime do art. 1.829 do CC/2002”. Sendo assim, onde se lê "cônjuge",
dever-se-á, na verdade, ler e compreender "cônjuge ou
companheiro", in verbis:
"Artigo 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem
seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge
sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão
universal, ou no da separação obrigatória de bens (artigo 1.640, parágrafo
único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver
deixado bens particulares;
II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III – ao cônjuge sobrevivente;
IV – aos colaterais".
Portanto, pela lei atualmente em vigor, e observada a regra
geral da comunhão parcial de bens, o cônjuge ou companheiro sobrevivente terá
direito, na hipótese do inciso I, à meação (metade) dos bens comuns adquiridos
durante a constância do casamento ou da união estável, enquanto os outros 50%
dos bens comuns serão divididos somente entre os filhos.
Por sua vez, quanto aos bens particulares do de cujus,
isto é, aqueles adquiridos antes do casamento ou da união estável, o cônjuge ou
companheiro sobrevivente não terá direito à meação. Nesse caso, os bens serão
herdados em partes iguais pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente e
os filhos do falecido (descendentes).
Já na hipótese do inciso II, a situação é similar, ou seja,
o cônjuge ou companheiro sobrevivente terá direito à metade dos bens comuns
adquiridos durante a constância do casamento ou da união estável, enquanto a
outra metade será dividida somente entre os ascendentes. Da mesma forma, quanto
aos bens particulares do de cujus adquiridos antes do casamento ou da
união estável, estes serão herdados em partes iguais pelo cônjuge ou
companheiro sobrevivente e os ascendentes.
Por fim, caso o de cujus não possua nem
ascendentes e nem descendentes, o cônjuge ou companheiro sobrevivente terá
direito a totalidade dos bens deixados pela pessoa falecida – caracterizando-se
como herdeiro legítimo da terceira classe e sempre em concorrência com
ascendentes e descendentes nas hipóteses dos incisos I e II quanto aos bens
particulares do de cujus adquiridos antes do casamento ou da união
estável.
Por seu turno, o art. 1.845 do Código Civil atualmente em
vigor dispõe que “são herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o
cônjuge”, o que significa dizer que essa classe de herdeiros tem direito a
receber metade dos bens do falecido (50% do patrimônio deve ser
obrigatoriamente destinado a eles e dividido entre eles).
De acordo, no entanto, com o que está previsto no
anteprojeto de alteração do Código Civil, estas situações estão prestes a serem
alteradas. Isso porque, o cônjuge ou companheiro sobrevivente será excluído da
sucessão hereditária nas hipóteses dos incisos I e II do art. 1.829, fato que
vem chamando bastante atenção.
Vejamos a proposta de alteração do art. 1.829 do CC:
"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem
seguinte:
I - aos descendentes;
II - aos ascendentes;
III - ao cônjuge ou ao convivente sobrevivente;
IV - aos colaterais até o quarto grau".
Como se observa, caso a proposta de alteração venha a ser
aprovada, o cônjuge ou companheiro sobrevivente não terá mais direito à herança
particular da pessoa falecida caso ela tenha deixado descendentes ou
ascendentes na data do óbito. Em outras palavras, o cônjuge ou companheiro do
falecido não será mais considerado como herdeiro necessário para efeitos legais
e sucessórios. Nesse diapasão, a proposta de alteração do art. 1.845 do CC:
"Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes
e os ascendentes".
Na prática, isso significa que o cônjuge ou companheiro
sobrevivente, observadas as regras do regime da comunhão parcial de bens (regra
geral), terá direito apenas à metade dos bens comuns adquiridos durante a
constância do casamento ou da união estável, enquanto aqueles bens adquiridos
pela pessoa falecida antes do casamento ou da união estável, serão destinados
apenas (i) aos descendentes e, na falta destes, entre (ii) aos ascendentes, de
modo que a pessoa sobrevivente não mais participará dessa divisão.
Em suma, o cônjuge sobrevivente terá direito à herança dos
bens adquiridos pela pessoa falecida antes do casamento ou da união
estável somente em caso de esta não ter deixado descendentes ou
ascendentes vivos na data do óbito.
Como se vê, portanto, o anteprojeto de alteração do Código
Civil prevê a exclusão do cônjuge ou companheiro como herdeiro necessário para
efeitos legais e sucessórios e, portanto, não mais concorrendo com os
descendentes e ascendentes (incisos I e II do art. 1.829) do autor da herança
referente aos bens adquiridos por este antes do casamento ou da união estável.
Por outro lado, vale dizer que amplia a autonomia privada do
testador, permitindo a criação de estratégias de organização para a transmissão
de bens aos herdeiros, de forma que as pessoas que decidirem se casar ou viver
em união estável poderão elaborar testamentos e pactos antenupciais de acordo
com as suas vontades, evitando futuras intervenções judiciais e gastos financeiros
desnecessários.
Nesse sentido, importante destacar que no caso de o cônjuge
ou companheiro ser excluído da sucessão hereditária no tocante à meação devida
aos herdeiros necessários a partir da alteração proposta no anteprojeto, nada
impede que o autor da herança o inclua por meio de testamento.
Quanto aos eventuais problemas que podem surgir diante das
alterações previstas no anteprojeto, frisa-se os casos em que o patrimônio do
casal estiver somente em nome de um deles. Nestes casos, consta no anteprojeto
uma nova disposição que determina que o juiz poderá “instituir usufruto
sobre determinados bens da herança para garantir a subsistência” do cônjuge ou
companheiro sobrevivente nos casos em que haja “insuficiência de recursos
ou de patrimônio”. Entretanto, há de se observar que seria uma solução apenas
temporária.
Frente o exposto, é certo que o anteprojeto precisa
considerar todos os cenários possíveis, levando em conta também o contexto de
como era feita antigamente a gestão patrimonial pelo casal.
De acordo com a subcomissão de direito das sucessões, órgão
fracionário da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do
Código Civil, a justificativa para essa mudança, diga-se, substancial, foi
para “atender a determinadas demandas da sociedade civil”, que
externalizaram grande rejeição quanto ao sistema atual. É o que se espera.
Fonte:
Jota