Tribunal mudou edital e deixou de exigir laudo oficial para comprovação de deficiência físicaNum país em que 6,2% da população possui algum tipo de deficiência mais grave, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), os legisladores trataram de cuidar da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Para tanto, determinou-se que até 20% das vagas de emprego fossem reservadas para pessoas com deficiência. Acontece que essas cotas têm sido utilizadas, numa espécie de “jeitinho”, por sujeitos com problemas considerados leves demais. E gente que diz ter alguma deficiência é o que não falta no Brasil: no Censo de 2010, por exemplo, 23,9% das pessoas entrevistadas declararam ter ao menos um tipo de deficiência. O que não significa, contudo, que esses 45,6 milhões de brasileiros tenham direito a cota para deficientes. Entretanto, valendo-se de brechas legais e, em outros casos, da inércia estatal, muitas dessas pessoas com problemas mais leves acabam por furtar as vagas que deveriam ser destinadas a pessoas com real comprometimento das funções. Uma situação que já foi denunciada no Senado e investigada pelo Ministério Público do Trabalho (veja mais abaixo).
Um caso recente, inclusive, ocorreu no Paraná e já foi denunciado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelo cartorário Marcos Medeiros de Albuquerque. Ele questiona a nomeação de Bruno Cesar de Oliveira Machado, aprovado em vaga reservada para pessoas com deficiência física no concurso de Provas e Títulos para Outorga de Delegações de Notas e de Registros do Estado do Paraná.
O Caso
Em 2012, quando fora lançado o primeiro edital para o concurso promovido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), havia uma exigência de que os candidatos que se declarassem deficientes apresentassem um laudo médico oficial comprovando a espécie e o grau ou nível de deficiência.
A posterioriri foi requerida que a exigência de laudo oficial fosse suprimida. O pedido foi acatado pela Comissão de Concurso, que passou a exigir apenas ‘laudo médico original’, ou seja, emitido por qualquer médico particular. A alegação de Marcos Albuquerque, que era quem comandava o 1º Tabelionato de Protesto da Comarca de Londrina até a nomeação de Bruno Machado, é de que o referido não apresentaria, como exige a lei, comprometimento da função física, sendo a sua deficiência, decorrente de “sequelas de outras fraturas do membro anterior”, uma deformidade, ainda segundo ele, meramente estética, que não produz dificuldade para o desempenho de funções, também como exigido legalmente.
“Ele é uma pessoa normal. Não manca, não tem problema para subir ou descer escada. Quando ele veio assumir meu cartório, em fevereiro de 2017, esperava alguém com deficiência e achei muito estranho aquilo. Quando conversamos, ainda comentei que eu corria e ele também me confidenciou que corria todo dia.”
A deficiência que Bruno alega ter é monoparesia de uma das pernas – ou seja, uma limitação, uma redução parcial dos movimentos do membro inferior. Esse tipo de problema, segundo o médico Wanderley Higino, gera algumas limitações, embora a pessoa possa ainda levar uma vida normal.
“Dependendo da gravidade, a pessoa até pode levar uma vida normal, com limitação para corridas, subir escadas. Já se o caso for de maior gravidade, pode ter dificuldades para caminhar, inclusive”, aponta o especialista.
Como precisou apresentar apenas o laudo médico original, emitido por um profissional contratado de forma particular, Bruno Machado acabou aprovado no concurso. Situação que Marcos agora tenta resolver, ao mesmo tempo em que cobra mais atenção do TJ-PR. A assessoria de imprensa do TJ-PR foi consultada, mas não deu uma resposta sobre o assunto.
“Isso (suprimir a exigência de laudo oficial) foi um descuido do TJ-PR. Esse requerimento foi feito por várias pessoas, eles sensibilizaram o pessoal da comissão e conseguiram mudar o que estava certo. A lei federal, toda jurisprudência que pegamos, depende de laudo oficial, até porque o médico particular não tem fé pública e o médico do tribunal não tem condição e fazer essa avaliação”, afirma o cartorário, que já pediu ao CNJ que seja apurada a deficiência alegada pelo candidato e, se for o caso, a revogação de sua inscrição e a nulidade de sua nomeação.
Associação deve tomar a frente do processo, que deve ir para o STF
Num primeiro momento, a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não foi favorável ao processo movido por Marcos Albuquerque, alegando que já teria passado o prazo de cinco anos desde a questionada retificação do edital (embora este tenha sido republicado em 2014, depois de o certame ter sido suspenso) e a falta de interesse geral para a Justiça.
Um recurso já foi apresentado por Marcos na tentativa de reverter a decisão. Mas a partir de agora, quem tomará a frente do caso será a Associação dos Cartorários Concursados do Paraná (Accon). “A Associação que está coordenando, não ficou contente com isso. Tinha de ter impugnado o edital na época, mas é tanto edital, tantas retificações, que passou despercebido. Estamos preocupados com a situação, mas não vamos mais deixar isso voltar a acontecer e vamos até o STF para que a Justiça seja feita”, destaca.
‘Fábrica de Deficientes’ já pautou debate no Senado e investigação
Devido às proporções que as fraudes em concursos públicos alcançaram nos últimos anos, o Ministério Público do Trabalho recentemente tratou de investigar o que chamou de “fábrica de deficientes físicos”, em alusão a um esquema que envolveria médicos peritos que assinavam atestados falsos para supostos portadores de deficiência física. Para conseguir esses laudos fraudulentos, os candidatos pagavam até R$ 5 mil.
Além disso, a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado também já se debruçou sobre o assunto no final de 2015, quando especialitas defenderam que a legislação nacional fosse atualizada à luz da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) e da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), ratificada pelo Brasil em 2009.
“A funcionalidade é mais importante para definir uma deficiência do que simplesmente um diagnóstico médico”, destacou na ocasião Adérito Guedes, chefe do Setor de Perícia Médica do Ministério Público Federal, apontando ainda que a análise da deficiência deveria considerar os pressupostos da Classificação Internacional de Doenças (CID) e da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).
Fonte: Bem Paraná