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Após três anos de queda, número de divórcios volta a crescer no Estado e no País

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Falta de diálogo, fator financeiro e dificuldade em lidar com frustrações e adversidades, além do empoderamento feminino, são alguns dos principais motivos 
Amilton Belmonte

Uma divergência de ideias sobre a administração de um minimercado da família durante o auge da crise econômica, seguida do suposto machismo do marido ao não permitir a sua saída do negócio e a busca por nova colocação profissional. Motivos que levaram uma consultora comercial de 39 anos a terminar um casamento de sete anos. O caso dela, moradora de Canoas e separada há dez meses, é apenas um dos exemplos do que o Colégio Notarial do Rio Grande do Sul (CNB-RS) confirma por estatística: o número de divórcios extrajudiciais no Estado, ou seja, daqueles feitos em Cartórios de Notas, cresceu.

A fila, literalmente, andou para 6.585 casais, que não tiveram dúvidas em assumir suas diferenças e formalizar a separação. Foram exatos 49 registros a mais que em 2016, quando 6.539 pares colocaram em prática o dito popular do “vão-se os anéis, ficam os dedos”. A elevação é de 0,70% no comparativo 2017-2016. Pode ser considerada tímida, mas, por outro lado, interrompe um viés de queda que vinha sendo registrado nos últimos três anos. Além disso, o Estado segue a tendência do País, em que o número de divórcios extrajudiciais também voltou a crescer depois de três anos de queda, com aumento 2,5%: foram 69.926 divórcios, ante 68.232 no ano anterior – dados da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec), sistema administrado pelo Colégio Notarial do Brasil (CNB).

Mas a falta de dinheiro pode mesmo implodir o mantra “na saúde e na doença e na alegria e na tristeza”? Para a psicóloga Luciara Itaqui, conselheira e presidente da Comissão de Psicoterapia do Conselho Regional de Psicologia (CRP-RS), tal hipótese é consistente. “Os estudos de família mostram que os casais se separam, principalmente, após o primeiro filho. E também por dificuldades de falar em dinheiro. O planejamento financeiro é um tabu entre casais”, garante ela.

Afirma que tanto o homem quanto a mulher que ganha mais tem dificuldade em lidar com isso dentro do casamento, o que desestrutura a relação com o passar do tempo. “E junto com isso vêm os mitos familiares. Quando esses cônjuges saem da casa dos pais e vão montar o seu sistema, dá muito atrito. Na casa do pai, ele pagava tudo, a mãe não, mesmo que sempre trabalhasse. Hoje, esses acordos mudaram, e o grande ponto aí é a comunicação”, afirma Luciara. Ela exemplifica onde essa falta de diálogo leva às rupturas. “As pessoas se dão recados pelo WhatsApp, pelas redes sociais, mas não se comunicam, não conversam. Interpretam essas mensagens. A comunicação é a peça fundamental para a relação dar certo, seja de casal, amizade ou trabalho”, garante ela.

Expectativas e encantamentos
Há mais de três décadas trabalhando com terapia de casais, a psicóloga clínica Cris Manfro, do Centro de Terapia da Família, de Novo Hamburgo, entende que a problemática do divórcio está associada a algumas questões pontuais. “Quanto maior a expectativa com relação a um relacionamento, maior é a frustração com a realidade. Outro aspecto é que as pessoas querem viver no encantamento, e esse encantamento tem dois anos pra se ir. Os divórcios têm acontecido de dois em dois anos, segundo dados recentes do próprio IBGE. Isso quer dizer que o casamento nem começou e já acabou, pois, passado o encantamento, se tem maior dificuldade de lidar com a frustração e a adversidade”, argumenta Cris.

Outro fator que ajuda a implodir as relações, diz ela, é a quantidade de escolhas do lado de fora do casamento. “As pessoas ficam onde estão, mas, muitas vezes, imaginando que em outro lugar, no ‘lá’, que nem sabem onde é, estariam melhores. Depois vão no ‘lá’ e se dão conta de que não era tão bom assim”, argumenta. Cris explica que esse “lá” envolve não apenas relações pessoais, mas também profissionais. “As pessoas ficam na dúvida se vão casar, se vão fazer uma especialização fora, empreender. Não é algo só do empoderamento da mulher porque o homem pensa igual. Não sabem se definem por uma relação ou uma vida de carreira”, observa, afirmando que, num cenário de tantas opções, é difícil ficar satisfeito com o que se tem. 

Num olhar sobre o histórico machista dos gaúchos, Cris Manfro pondera que a cultura em geral é mais machista. “Isso tá muito mudado hoje, mas cultura a gente também sabe que muda a passo de tartaruga. Uma separação há 30 anos é diferente de uma separação hoje, mas ainda há o machismo”, afirma.

Casamento por amor se fortalece
Lembrando que a lei do divórcio no País tem somente 40 anos e que nova legislação, de 2007, facilitou divórcios e partilhas em tabelionatos, a psicóloga Luciara Itaqui argumenta que a ideia do casamento mudou a partir da mudança das configurações familiares nos últimos anos e que as separações, por um outro viés, fortalecem o casamento. “A facilidade de se separar fortalece a instituição do casamento se a gente for pensar que o casamento continua por amor e vontade de estar junto e não por conveniência ou medo de se separar”, pondera. Para ela, a alta nas separações tem correlação com o número de casamentos oficializados por casais jovens. “O que a gente percebe é que esses casais, na faixa dos 23 aos 33 anos, também se separam mais pela facilidade em fazer isso hoje”, diz.

Motivação que se explica na dificuldade de lidar com a rotina e na intolerância com a frustração da convivência. “Pra estar junto, é preciso ceder. Mas, às vezes, os indivíduos decidem pela sua vida sozinho, sem combinar com o cônjuge. Na prática, os casais não estão acostumados a conversar. Nas terapias que faço, percebo que há sempre um culpado, um errado”, ressalta.

Segundo Luciara, o perfil do casais que buscam terapia varia em dois grupos. Os casais na faixa de 30 anos e os de meia idade, na faixa dos 40 aos 50 anos. Terapias que podem ser resolutivas aos problemas, mas que também sinalizam possíveis causas para separações. “Os de 30 buscam engravidar porque já fizeram os exames fisiológicos e não estão conseguindo. Os mais velhos, muitas vezes, por dificuldade de lidar com os filhos na adolescência ou por questões financeiras. E, atualmente, de doença crônica na família, em função da expectativa de vida mais alta. Alguém tem que cuidar dos pais, o que dá uma crise no casal, pois pede organização.”

Na fase do empoderamento
Do casamento que findou, a canoense citada no início da matéria ganhou uma filha, hoje com seis anos, e que considera seu maior legado de vida. Defende que, para uma relação dar certo, é preciso flexibilidade entre as partes. “Num casamento, ambos têm que ceder, mas, quando só uma parte cede e é flexível, há o desgaste natural”, pondera. Flexibilidade, segundo ela, também associada a intolerância. “Às vezes, os problemas não são tão grandes assim, mas as pessoas andam tão estressadas e sem paciência, que acabam com os relacionamentos em tão pouco tempo”, diz.

Se considerando uma otimista quanto ao futuro amoroso, confessa que após o casamento está num momento de fortalecimento pessoal. “Neste momento, eu busco me reestruturar comigo e com a minha filha. Agora estou buscando o meu lugar no mercado de trabalho, a minha realização pessoal e com a minha filha. Não que eu não vá me permitir conhecer outra pessoa, vá ser feliz de novo, mas não é o que penso neste momento. Mas também não digo que nunca mais”, comenta.

Ela revela que dentro do seu círculo de amizades há outros casais que se separaram. E com uma causa bem clara. “Entendo que o empoderamento feminino é o motivo. Por mais que hoje os homens tenham evoluído, a sociedade tenha evoluído, tem muita coisa que é da boca pra fora. Lá dentro, ainda continua aquele machismo, aquela coisa de que ‘eu tenho que dominar, eu que mando’, que ‘as coisas têm que ser da minha maneira’. Das minhas amigas mais pessoais, as relações terminaram muito por isso”, garante.

Fim chega por “falta de coisas boas”
Autora de livros como Conectados na Alma: Histórias de Dores e Amores, Escrito pra Você - A dinâmica dos Relacionamentos e do recente A Casa Caiu, direcionado ao público infantil, Cris Manfro opina que um fator fundamental explica os divórcios. “As pessoas não se separam por problemas ou por coisas ruins, mas se divorciam pela falta de coisas boas”, garante. Ela entende que o diferencial de quem segue adiante num relacionamento é a “gordura positiva de coisas boas”. “Que dão suporte ao casal para passar pela turbulência e dificuldades”, assegura.

Sentimento de luto após separação
Cris Manfro observa, ainda, para outro aspecto mais dolorido do divórcio. “A separação é um luto, mesmo quando você quer o divórcio. Ele é um luto. Desconstruir uma vida não é fácil pra ninguém, até porque, muitas vezes, isso é idealizado e está montado na cabeça”, diz, argumentando que esse luto abrange sentimentos diversos que vão da tristeza, mágoa, passando por raiva e fracasso. “E que envolvem o luto físico, o legal, de repartir o pouco que tem, e o luto da parentalidade e o luto mental, de entender que está separado da outra pessoa”, ilustra.

Menos matrimônios 
Em território gaúcho, caiu não apenas o número de desquites, mas também o de casórios no civil. Conforme a Central de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), gerenciada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil), em 2016, foram 34.326 casamentos civis no Rio Grande do Sul. Estatística que desceu para 27.247 no ano passado.

Fonte: Diário de Canoas