Com a advento da regulamentação da política pública dos
métodos de resolução apropriada de disputas, entram em cena as discussões acerca
das diferenças entre os institutos da conciliação e da mediação e muitas
dúvidas podem surgir. Essas dúvidas trazem problemas de ordem prática, como a
incerteza quanto à aplicação de técnicas e a própria capacitação do conciliador
ou mediador. Paralelo a isso, ainda persistem as ideias contrárias ao uso da
mediação para a resolução de conflitos ou disputas trabalhistas, existindo
aqueles que a ele se opõem, tendo por base o princípio da hipossuficiência do
empregado ante o empregador e o princípio da irrenunciabilidade de direitos,
ambos do Direito do Trabalho.
Inicialmente, as semelhanças: ambos são meios
autocompositivos de resolução adequada de conflitos ou disputas; tanto na
conciliação quanto na mediação há um terceiro, neutro e imparcial, cujo papel
é auxiliar as partes na resolução de uma disputa, sem poder decisório e sem
conceder aconselhamento jurídico. Tanto em um quanto em outro método as
partes decidem de que forma irão pôr fim à disputa entre elas, com a ajuda do
conciliador ou mediador. Via de regra, portanto, não haveria diferença.
O Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) e a Resolução
CSJT 174/2016 apresentam diferentes traços distintivos. Primeiramente, a Lei
13.105/2015, nos parágrafos 2º e 3º do artigo 165, adota, como critério diferenciador,
a relação prévia entre as partes, ou o “vínculo anterior entre as partes”: se
não existia, será usada a conciliação; se existia, será a mediação. Trata-se,
em verdade, muito mais de um fator operacional, uma “orientação de
encaminhamento”, que propriamente um conceito ou definição, como leciona André
Gomma de Azevedo[1].
Esse critério possui uma fragilidade, que é justamente a possibilidade
de ocorrer o oposto: fazer uma conciliação quando há um vínculo anterior entre
as partes e fazer uma mediação quando esse vínculo não existe. Como
exemplo da primeira situação, um empregado e um empregador, vindos de uma longa
relação de emprego, numa sessão no Cejusc (Centros Judiciais de Métodos
Consensuais de Solução de Disputas, na Justiça do Trabalho, popularmente
conhecidos como “centros de conciliação”), chegarem rapidamente a um acordo,
baseado apenas em posições. Não se utilizariam técnicas nem o processo de
mediação, e, no entanto, a relação prévia estaria ali.
No âmbito da Justiça do Trabalho, a Resolução CSJT 174/2016
traça o critério da “criação ou não de proposta de opções para composição do
litígio”: se houver proposta de opções, por parte do mediador, será
conciliação; se não houver, será mediação.
Trata-se de um critério interessante, contudo ignora a
existência de uma técnica de mediação conhecida como “proposta do mediador” (em
inglês, mediator’s proposal), que é usada quando as partes já estão
num impasse ou prestes a chegar nele, e nada mais parece resolver — então o
mediador apresenta sua proposta e as partes decidem se a aceitam ou não. Apesar
de ser uma espécie de “último recurso”, constitui-se em uma criação de
proposta de opção por parte do mediador. Então não seria mediação? Tudo que
fora feito anteriormente seria cancelado e voltariam todos ao status
quo ante?
A resposta é “não”. Impossível cancelar todo o trabalho já
feito para que as partes cheguem a um acordo, apenas com base na diferença de
terminologia ou na “necessidade” de se identificar um e outro instituto. Talvez
baseados nessa premissa, alguns autores prefiram não apontar diferenças entre
os dois.
A Lei de Mediação (Lei 13.140, de 26 de junho de 2015), em
seu artigo 1º, parágrafo único, estabelece que: “Considera-se mediação a
atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que,
escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou
desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”. Esse diploma legislativo
“dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre
particulares e sobre a auto composição de conflitos no âmbito da administração
pública”. Não conceitua nem define a conciliação.
Para a Justiça do Trabalho, a distinção, além do interesse
acadêmico, se mostra importante para estabelecer se é possível o uso da
mediação para a resolução de disputas trabalhistas, ou disputas entre
trabalhador e empregador. Hodiernamente, vemos que essa possibilidade existe e
foi concretizada na Resolução CSJT 174/2016.
Dessa discussão acerca do uso da mediação nas disputas
trabalhistas nasceu o critério que ousei designar “trabalhista puro”, para
traçar a distinção entre conciliação e mediação. Segundo o critério trabalhista
puro, a conciliação é uma das fases do processo do trabalho em que se tenta
fazer com que as partes cheguem a um consenso por meio de um acordo. Existem ao
menos duas tentativas de conciliação obrigatórias no processo trabalhista, uma
antes de recebida a defesa e outra após o término da instrução. A qualquer
momento, contudo, pode ser tentada a conciliação, determinada pelo magistrado
ou a pedido das partes, porém, realizada, nos termos da Resolução CSJT
174/2016 e caso ocorra no Cejusc, pelo juiz ou pelo servidor capacitado para
tanto.
E a mediação? A mediação é um processo em si mesmo, ou seja,
um processo dotado de etapas e procedimentos, que são: pré-mediação, abertura,
comunicação, negociação, encerramento. A mediação também contém técnicas. E
pode ser usada na conciliação.
Esse critério leva o nome “trabalhista puro” porque é
calcado na conciliação praticada na Justiça do Trabalho, conforme prevê a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Quando se diz que o juiz do
Trabalho ou a Justiça do Trabalho é vocacionada para a conciliação, tem a
conciliação em seu “DNA”, está-se referindo à previsão normativa que
estabeleceu a conciliação como etapa processual obrigatória, muito antes de ser
criada a determinação constante do artigo 334, do Código de Processo Civil, no
sentido de que “o juiz designará audiência de conciliação e mediação” ao
receber a petição inicial.
Para um melhor entendimento do critério trabalhista puro,
necessário um maior estudo do processo de mediação, suas fases, as diversas
técnicas utilizadas, para se compreender, inclusive, por que a mediação pode (e
deve) ser usada na conciliação, entendida esta, repita-se, como fase do
processo do trabalho, destinada a alcançar a resolução da disputa por
intermédio do acordo, que, uma vez homologado pelo juiz, equivale a sentença
contra a qual não cabe recurso.
E como fazer com as lides que não são trabalhistas?
O mesmo critério pode ser adotado, entendendo-se a fase em
que o magistrado designa audiência para se tentar acordo como sendo a conciliação,
e a mediação como o processo que poderá ser utilizado para resolver o conflito.
Como tanto a mediação quanto a conciliação contêm aspectos
de ordem teórica e prática, e por estarem os mediadores/conciliadores lidando
com as emoções e questões pessoais de cada parte, a capacitação do
mediador/conciliador é de vital importância, inclusive quanto ao processo de
mediação. É preciso que ele ou ela esteja preparado para lidar com a disputa
que se instaurou, não apenas para que o acordo seja alcançado, porque o acordo
não é obrigatório, mas principalmente para que a condução seja feita de forma
correta, em atendimento aos princípios éticos que norteiam os dois institutos.
Qualquer descuido com relação à lisura, transparência e eficiência do
procedimento poderá resultar em graves prejuízos ao trabalho realizado e
comprometer a sua eficácia, não importando se se trata de conciliação ou
mediação.
Quanto à diferenciação, o critério trabalhista puro, como
visto, pode atender perfeitamente às demandas trabalhistas, e ainda ser
aproveitado para as disputas que tenham por objeto causas de outra natureza.
Fica a sugestão.
Referências
BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIC¸A. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual
de Mediação Judicial, 6a Edição (Brasília/DF:CNJ), 2016).
Lei 13/105, de 16 de março de 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Último
acesso em 25 de fevereiro de 2019.
Lei 13.140, de 26 de junho de 2015 (Lei Geral de Mediação). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm>.
Último acesso em 25 de fevereiro de 2019.
Resolução CSJT 174, de 30 de setembro de 2016. Disponível em <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/95527/2016_res0174_csjt.pdf?sequen
ce=1&isAllowed=y>. Último acesso em 25 de fevereiro de 2019.
[1] BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIC¸A. Azevedo, Andre´ Gomma de (Org.). Manual de Mediac¸a~o Judicial, 6a Edic¸a~o (Brasi´lia/DF:CNJ), 2016).
Doroteia Silva de Azevedo Mota é juíza titular da 5ª Vara do Trabalho de Salvador, juíza auxiliar da Presidência do TRT-5 e juíza coordenadora de Cejusc. LLM em Resolução de Disputas, com foco em mediação, pela Pepperdine University (Califórnia) e especialista em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Fonte: Conjur