1.
Introdução
Ainda se percebe em nossa sociedade o
arquétipo de família clássico em que um dos cônjuges exerce a função de
provedor material, enquanto o outro se dedica exclusivamente aos cuidados do
lar, aos afazeres domésticos e a zelar pela educação, pela saúde, pelo lazer e
bem-estar dos filhos. Este abre mão de projetos pessoais, de renda própria, não
busca qualificação profissional nem colocação no mercado de trabalho e, na
mesma medida, assegura ao outro a “liberdade” e as condições necessárias para
se dedicar ao trabalho, focar o desenvolvimento de sua carreira e seus
negócios, empreender e crescer economicamente.
No entanto, ao final de um casamento
de vários anos amoldado no referido padrão, surgem incertezas e indefinições
sobre a continuidade da vida de cada consorte após a separação, notadamente no
que diz respeito à subsistência do cônjuge materialmente hipossuficiente.
Nesse texto, serão abordadas três
modalidades de verbas comumente debatidas nas demandas de separação e divórcio
com o escopo de assegurar direitos dos cônjuges.
2.
Da pensão alimentícia — alimentos provisórios
Com a ruptura do matrimônio, ao
cônjuge em situação de vulnerabilidade econômica sobrevém o direito de receber
verba alimentar suficiente à mantença de seu padrão de vida e condição social,
no mesmo padrão em que vivia durante o casamento (período em que o outro
consorte sempre atuou como seu provedor).
Se o cônjuge hipossuficiente não
demonstra chances de se inserir no mercado de trabalho, qualificação ou
experiência profissionais condizentes com sua condição social, há possibilidade
de fixação de pensão alimentícia (alimentos provisórios), devida pelo outro
consorte com base no dever de assistência mútua que permanece mesmo após a
separação (artigos 1.694 e 1.695 do Código Civil). Essa obrigação se
condiciona à comprovação das necessidades alimentares de quem a pede, das
possibilidades de quem há de pagá-la e do vínculo entre os envolvidos.
E sobre os critérios de fixação do
valor dos alimentos provisórios, Rodrigo da Cunha Pereira leciona que “seja
qual for sua origem o quantum deve ser estabelecido em atendimento ao binômio
necessidade /disponibilidade, mas se compatibilizando com o padrão de vida e
condição social das partes envolvidas (art. 1.694, CC/2002)” (Divórcio: Teoria
e Prática, Rio de Janeiro: GZ Editora, p. 103).
A jurisprudência é pacífica no
sentido de que “os alimentos devidos entre cônjuges destinam-se à manutenção da
qualidade de vida do credor, preservando, o tanto quanto possível, a mesma
condição social desfrutada na constância da união” (STJ, 3ª Turma, rel. min.
Paulo de Tarso Sanseverino, REsp 1.726.229/RJ, DJe 29/5/2018 —
grifo nosso).
3.
Da prestação compensatória — “alimentos compensatórios”
Por outro lado, existe a prestação
compensatória, também conhecida como “alimentos compensatórios” (inapropriadamente,
segundo alguns doutrinadores que a diferenciam conceitualmente dos alimentos
propriamente ditos).
A prestação compensatória não tem por
finalidade suprir as necessidades de subsistência de quem a pede (como ocorre
com os alimentos provisórios), mas visa compensar materialmente um
desequilíbrio econômico-financeiro oriundo da separação.
Diferentemente dos alimentos
provisórios, a prestação compensatória não depende da incapacidade de sustento
de quem a pede (requisito da pensão alimentícia), mas, sim, da efetiva
caracterização do desequilíbrio, da abrupta mudança no padrão de vida de um dos
cônjuges notadamente quando este não tem direito à partilha de bens (meação).
Segundo lição de Rolf Madaleno,
“o propósito da pensão compensatória é indenizar por algum tempo ou não o
desequilíbrio econômico causado pela repentina redução do padrão socioeconômico
do cônjuge desprovido de bens e meação, sem pretender a igualdade econômica do
casal que desfez sua relação, mas que procura reduzir os efeitos deletérios
surgidos da súbita indigência social, causada pela ausência de recursos
pessoais, quando todos os ingressos eram mantidos pelo parceiro, mas que
deixaram de aportar com o divórcio” (Curso de Direito de Família. 5 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2013, p. 996. — grifo nosso).
Ambas as modalidades tratadas até aqui
— alimentos compensatórios e pensão alimentícia — são autônomas e independentes
entre si. O direito ao pensionamento (exposto no tópico anterior) há de ser
apreciado e deferido independentemente de haver (ou não) direito a “alimentos
compensatórios” e vice-versa. Tanto que o STJ já admitiu a cumulação de ambos:
Processual civil. Direito civil.
Família. Separação judicial. Pensão alimentícia. Binômio
necessidade/possibilidade. Art. 1.694 do CC/2002. Termo final. Alimentos
compensatórios (prestação compensatória). Possibilidade. Equilíbrio
econômico-financeiro dos cônjuges. Julgamento extra petita não configurado.
Violação do art. 535 do CPC não demonstrada.
(...)
As conclusões do Tribunal local, respaldadas nos pressupostos fáticos coligidos
aos autos, recomendam não só a manutenção da prestação compensatória,
visando a restaurar o equilíbrio econômico e financeiro rompido com a
dissolução do casamento (sem, no entanto, a pretensão de igualar economicamente
os excônjuges), mas também a manutenção da pensão alimentícia nos
moldes fixados pelo acórdão impugnado, exceto, nesse caso, quanto ao seu termo
final, tendo em vista o lapso temporal decorrido desde a separação do casal.
(...) (STJ, 4ª Turma, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, REsp
1.290.313/AL, DJ 07/11/14 — grifo nosso).
4.
Da participação nas rendas
No caso de separação com direito a
meação, o cônjuge tem direito à participação nas rendas do patrimônio comum,
enquanto não ultimada a partilha, com fulcro no parágrafo único do
artigo 4º da Lei 5.478/68 (segundo o qual “o juiz determinará igualmente
que seja entregue ao credor, mensalmente, parte da renda líquida dos bens
comuns, administrados pelo devedor”). Trata-se de uma espécie de antecipação
dos efeitos de futura partilha.
É usual que o patrimônio comum do
casal permaneça sob a posse e administração de apenas um dos consortes —
normalmente aquele que já figurava como provedor material da família — mesmo
após a separação. Nesse contexto, e havendo direito a meação, o outro cônjuge
tem direito à metade dos rendimentos (frutos) desses bens enquanto permanecerem
administrados pelo outro e até que seja ultimada a partilha. Caso contrário, o
tempo de tramitação do processo de partilha de bens poderia privilegiar um dos
cônjuges (aquele investido na posse e administração dos bens partilháveis) em
prejuízo do outro.
O direito à participação nas rendas
dos bens comuns (desde a separação e até a efetivação partilha) não depende nem
da incapacidade de sustento de quem a pede (requisito da pensão alimentícia)
nem da caracterização de mudança no padrão de vida oriunda da separação
(requisito da prestação compensatória), mas, sim, de dois critérios objetivos:
a) o direito à meação; e b) a existência de bens comuns capazes de gerar
frutos, mantidos na posse e administração exclusiva de um dos consortes.
Por exemplo: o cônjuge que se mantém
na posse de imóvel comum deve indenizar o outro, em valor equivalente a metade
do valor de aluguel desse bem. E mesmo que o imóvel não gere renda propriamente
dita (se não estiver alugado, mas sendo utilizado para residência própria), a
indenização será devida proporcionalmente a um valor estimado de aluguel.
Segundo o entendimento do STJ,
configura-se “estado de condomínio que se iniciou após o encerramento do
matrimônio por divórcio” e, assim, “cada condômino responde aos outros pelos
frutos que percebeu da coisa (art. 1.319 do CC), de modo que, se apenas um
dos condôminos reside no imóvel, abre-se a via da indenização àquele que se
encontra privado da fruição do bem, reparação essa que pode se dar, como busca
o recorrido, mediante o pagamento de valor correspondente a metade do
valor estimado ou efetivamente apurado do aluguel do imóvel” (STJ, 3ª
Turma, rel. min. Nancy Andrighi, REsp 1.375.271/SP, DJ 2/10/2017 — grifo
nosso).
O objetivo é evitar que apenas um dos
cônjuges se beneficie da fruição do bem comum enquanto não efetivada a
partilha. E, como bens comuns, também podem ser mencionados a título meramente
exemplificativo: investimentos, maquinários, participação em empresas etc.
Por fim, sobre a distinção entre
pensão alimentícia, prestação compensatória e participação nas rendas dos bens
comuns — e, inclusive, a possibilidade de serem deferidos cumulativamente
—, cabe citar o seguinte precedente do STJ:
Ressalte-se, por oportuno, que a verba
correspondente aos frutos do patrimônio comum do casal a que a autora faz jus,
enquanto aquele se encontra na posse exclusiva do ex-marido, não se
confunde com o instituto denominado pela doutrina como "pensão
compensatória" ou "alimentos compensatórios", que tem por
desiderato específico ressarcir o cônjuge prejudicado pela perda da situação
financeira que desfrutava quando da constância do casamento e que o outro
continuou a gozar. Efetivamente, estes alimentos (compreendidos em seu sentido
amplo), chamados de “compensatórios”, não se prestam (também) a subsistência do
alimentado, tanto que podem ser concedidos independente de o alimentado possuir
meios suficientes para sua mantença. Os “alimentos compensatórios”, portanto,
objetivam minorar o desequilíbrio financeiro experimentado por apenas um dos
cônjuges em razão da dissolução da sociedade conjugal.
Por sua vez, a verba sob comento
(parte dos frutos do patrimônio comum do casal a que a autora faz jus, enquanto
aquele se encontra na posse exclusiva do ex-marido) tem por escopo, como visto,
evitar o enriquecimento indevido por parte daquele que detém a posse dos bens
comuns, bem como ressarcir ou compensar o outro cônjuge pelo prejuízo presumido
consistente na não imissão imediata nos bens afetos ao quinhão a que faz jus.
Efetivamente, tais verbas, embora
distintas, especificamente, quanto à finalidade e à concepção, aproximam-se,
nitidamente, quanto à natureza compensatória e/ou ressarcitória, não se
prestando, por conseqüência, a conferir a subsistência (ao menos, diretamente)
do respectivo credor.
Delimitada, assim, a verba sob
comento, tem-se, inclusive, que o seu reconhecimento não obstaria,
concomitantemente, o deferimento de alimentos (em seu sentido estrito,
destinados, portanto, à subsistência de quem os vindica), desde que existência
do binômio necessidade/possibilidade restasse pedida, demonstrada e assim
reconhecida na decisão judicial, circunstâncias inocorrentes na espécie. Aliás,
este entendimento pode ser extraído, inclusive, do parágrafo único do artigo 4º
da Lei n. 5.478/68, que, por tratar especificamente da verba correspondente aos
frutos do patrimônio comum do casal a que o cônjuge faz jus, enquanto aquele se
encontra na posse exclusiva do outro, distingue-se do pedido de alimentos
provisórios, propriamente ditos. (STJ, 3ª Turma, RHC 28.853/RS, min. Massami
Uyeda, DJ 12/3/2012).
Com efeito, o direito à participação
nas rendas geradas pelo acervo patrimonial mantido sob a posse e administração
de um dos cônjuges independe do direito à pensão alimentícia (alimentos
provisórios) e do direito à prestação compensatória, e com eles não se
confunde.
5.
Considerações finais
A lei assegura direitos ao
cônjuge que se vê em situação de vulnerabilidade e hipossuficiência material
após a ruptura do casamento, sobretudo aquele que: a) não tem condições de se
sustentar após a separação; b) sofre abrupta mudança no padrão de vida, sem ter
direito a partilha de bens (meação); c) vê-se tolhido dos rendimentos dos bens
comuns, mantidos sob posse e administração exclusiva do outro consorte.
Com isso, garante-se a subsistência do
cônjuge hipossuficiente, atenua-se eventual desequilíbrio econômico oriundo da
ruptura e evita-se o abuso de direito e o enriquecimento sem causa, inclusive
decorrentes de eventual morosidade no trâmite do processo de partilha.
Fonte:
ConJur