Uma relação simultânea ao
casamento foi reconhecida, recentemente, como união estável paralela pela 2ª
Vara Cível da Comarca de Teixeira de Freitas, na Bahia. A sentença, do juiz Humberto
José Marçal, considerou os 30 anos de relacionamento, mantido entre 1981 e
2011, com início anterior ao matrimônio do homem com outra mulher.
Foi atribuído à requerente 25% do
patrimônio adquirido ao longo do período em que estiveram juntos. Além disso,
ela receberá uma pensão alimentícia de 25 salários mínimos, superior aos 10
salários que já recebia desde 2013 - arbitrados em agravo de instrumento
interposto perante o Tribunal de Justiça da Bahia.
A união paralela era conhecida
por toda a comunidade de Teixeira de Freitas. Com a requerente, o homem teve
três filhos - mesmo número da prole constituída com a esposa. Os irmãos, de
mães diferentes, se reconheciam como tal e estudavam na mesma escola. Cada
família sempre soube da existência da outra, tanto que os álbuns de fotos
continham registros dos dois grupos familiares.
A decisão do juiz, proferida em
julho deste ano, deu relevância, ainda, ao fato de que o homem proibiu a
requerente de exercer qualquer profissão ao longo do tempo em que estiveram juntos,
responsabilizando-se por seu sustento. Imóveis urbanos e rurais e veículos eram
adquiridos em nome dela, não só para compor seu patrimônio, mas também para
futura comercialização.
Árvore genealógica
O polo passivo argumentou com a
impossibilidade jurídica de reconhecimento da união estável. Afinal, o Código
Civil estabelece requisitos para tanto, sendo um deles a inexistência de
impedimento para o casamento, conforme o parágrafo 1º do artigo 1.723.
A advogada Annita Beatriz Duda
Santos, procuradora do caso, lembra que não existem regras específicas no
ordenamento jurídico brasileiro sobre casos de união paralela ou simultânea.
“Reconhece-se como entidade familiar a união configurada na convivência pública
(não clandestina), contínua (não eventual) e duradoura, estabelecida com o
objetivo de constituição de família”, esclarece.
O caso ocorrido em Teixeira de
Freitas se insere nesse contexto, como ficou demonstrado em provas documentais
e testemunhos. Considerou-se fotos das três décadas de união, a árvore
genealógica das duas entidades familiares, a declaração fornecida à Receita
Federal pelo requerido, a dependência da requerente em seu plano de saúde,
entre vários outros documentos.
Testemunhas afirmaram, ainda, que
a mulher era apresentada à sociedade como esposa legítima e frequentava os
eventos sociais da cidade. Era convidada a apadrinhar casamentos e batizados
juntamente com o requerido.
“A importância de assegurar o
reconhecimento de uma união paralela como união estável é demonstrar que é um
relacionamento perfeitamente idêntico a qualquer outro. São famílias formadas
por livre escolha (com base no princípio da liberdade), têm como base o amor e
geram filhos que são frutos dessa escolha”, defende Annita.
Segundo a advogada, tal
reconhecimento assegura à companheira o princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana, prevista na Constituição Federal. “As controvérsias da presente
demanda são que o requerido não reconhece a união por uma questão meramente
patrimonial, baseando-se no fato de ainda não existir previsão expressa no
ordenamento jurídico”, explica.
Uniões paralelas ainda enfrentam discriminação
Annita Santos se opõe ao termo
“extraconjugal”. “A expressão é pesada, se refere àquela ou àquele que vive na
clandestinidade, a(o) amante. O que não é o caso de união paralela/simultânea,
estabelecida com o objetivo de constituição de família”, explica. Ainda assim,
ela entende que ambas as formas de relacionamento enfrentam discriminação na
seara de Direito das Famílias.
A decisão do juiz Humberto José
Marçal considera a estrutura machista que permitiu se tornarem comuns as
relações extraconjugais e as famílias simultâneas mantidas por homem, sem que o
ordenamento jurídico reserve grandes direitos a essas relações “não-oficiais”.
As mulheres, em contrapartida, até outrora classificadas como “concubinas”,
eram expostas a todo tipo de constrangimentos e preconceitos.
No texto, o magistrado considerou
artigo da advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente nacional do IBDFAM, que
defende: “Finda a relação, comprovada a concomitância com um casamento,
impõe-se a divisão do patrimônio acrescido durante o período de mantença do
dúplice vínculo. É necessária a preservação da meação da esposa, que se
transforma em bem reservado, ou seja, torna-se incomunicável. A meação do varão
será dividida com a companheira, com referência aos bens adquiridos durante o
período de convívio.”
“Os legisladores ainda ‘fecham os
olhos’ para o que é normal e mais corriqueiro do que imaginável para a grande
maioria das pessoas”, afirma Annita. “Porém, no âmbito jurídico, juízes e
desembargadores estão analisando o caso concreto ao invés de aplicar a letra
fria da Lei. Mas ainda falta essa análise humana e pessoal por parte do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.”
Desta forma, segundo Annita,
suprime-se qualquer hierarquia entre os tipos de união. “As pessoas são livres
para fazer as suas escolhas, se relacionar e decidir qual tipo de família
querem constituir, mas toda essa liberdade traz responsabilidade. Quando a
responsabilidade se ausenta em uma das partes, torna-se necessária a presença
do estado-juiz”, defende.
Fonte: IBDFAM