A Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça - STJ deu parcial provimento a um recurso para restabelecer
o poder familiar do pai biológico de uma criança que foi entregue para a
adoção, irregularmente pela mãe, sem o seu consentimento. O genitor só teve a
paternidade reconhecida após o requerimento da adoção, quando fez exame de DNA.
No caso, a criança foi entregue
pela mãe para a adotante, que não possuía registro no Cadastro Nacional de
Adoção. O Ministério Público, após decisão judicial que deferiu a guarda à
adotante, alegou falsidade de algumas informações do registro de nascimento,
entre elas o nome biológico do pai, que procurou o Conselho Tutelar e afirmou
estar consternado com o desaparecimento da criança.
No curso do processo, a mãe
biológica admitiu que o nome que constava no registro não era o do pai
verdadeiro e revogou o consentimento para a adoção. Posteriormente, um exame de
DNA revelou que o homem que denunciou o desaparecimento da criança ao Conselho
Tutelar era, de fato, o pai biológico. Ele ingressou com pedido de guarda, o
qual foi rejeitado em primeira e segunda instâncias.
Citando o princípio do melhor
interesse da criança, o tribunal estadual recomendou, apesar das
irregularidades, que a guarda fosse mantida com a adotante, que já cuidava da
criança desde o primeiro mês de vida, sendo que na época do julgamento ela já
tinha quatro anos.
No recurso especial, o pai
biológico pediu a reforma do acórdão, alegando que a adoção foi deferida a
pessoa não inscrita previamente no cadastro de adoção, sem o consentimento do
pai ou a regular destituição do poder familiar.
Segundo a ministra Isabel
Gallotti, relatora no STJ, a adoção "rompe definitivamente os vínculos
jurídicos com a família anterior", mas, no caso em julgamento, o pai
biológico não praticou nenhuma conduta que justifique a perda do poder
familiar.
"Não houve abandono pelo pai
biológico. Ao contrário. Desde o momento em que conhecedor da paternidade, vem
lutando para ter a filha em sua companhia, tendo obtido o direito de visitas
por decisão proferida nestes autos", explicou a ministra.
Devido à excepcionalidade do
caso, o colegiado decidiu pela possibilidade de coexistência da manutenção do
poder familiar paterno e da adoção unilateral materna, tendo em vista o melhor
interesse da criança.
Na decisão, a turma determinou
que o juiz de primeira instância analise a viabilidade da guarda compartilhada
– entre a mãe adotiva e o pai biológico – ou a estipulação, para o pai, de
pensão alimentícia e direito de visitas, além da alteração do registro da
criança para que conste o nome paterno.
Decisão é correta
Fernando Moreira, magistrado e
vice-presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de
FAMÍLIA - IBDFAM, destaca que o STJ, ao longo dos anos, tem firmado sua
jurisprudência no sentido da proteção do superior interesse da criança e do
adolescente, previsto no artigo 100, parágrafo único, inciso IV, do ECA, mesmo
nos casos em que haja violação a dispositivos legais. No presente caso, não foi
diferente.
“Em nome de tal princípio, a
Corte chancelou a decisão da genitora que entregou o seu filho à adoção sem
passar pelas formalidades legais da habilitação e do cadastro de adoção por
considerar que a criança já era criada pela mãe adotiva desde o nascimento até
os quatro anos de idade, consolidando forte vínculo afetivo”, afirma.
Por outro lado, ele lembra que o
STJ também relativizou a regra do artigo 41 do ECA, que assegura à adoção o
rompimento de qualquer vínculo com a família biológica, exceto os impedimentos
matrimoniais. Ele comenta que entendeu a Corte que não havia qualquer
fundamento a afastar o exercício da paternidade pelo pai biológico, já que ele
nunca abandonara o seu filho e fizera de tudo para encontrá-lo.
“Vejo com total acerto a decisão
que utilizou o fundamento da multiparentalidade para conciliar interesses
concorrentes e disjuntivos, garantindo a ambos os pais (mãe adotiva e pai
biológico) o exercício da autoridade parental”, diz.
O magistrado afirma que tem
defendido que os colegas de profissão não aguardem o trânsito em julgado do
processo de destituição do poder familiar para colocar a criança ou o
adolescente em adoção, sobretudo em razão da lentidão processual e das
sucessivas fases recursais.
“Caso haja uma decisão de uma
corte superior reformando a decisão de primeiro grau e determinando o retorno
da criança ou do adolescente à família biológica, sempre defendi, nesses casos,
a aplicação da multiparentalidade como solução em plena harmonia com o
princípio do superior interesse da criança e do adolescente”, ressalta.
Por isso, ele finaliza, “pode-se
concluir que a tese de multiparentalidade tem campo fértil de incidência em
matéria de adoção”.
Fonte: IBDFAM