Determina o Código Civil no Art. 422:
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé".
Escreveu o professor Miguel Reale, Supervisor da Comissão
Elaboradora e Revisora do Código Civil, na Exposição de Motivos: "Não se
compreende, nem se admite, em nossos dias, legislação que, em virtude da
insuperável natureza abstrata das regras de direito, não abra prudente campo à
ação construtiva da jurisprudência, ou deixe de prever, em sua aplicação,
valores éticos como os de boa-fé e equidade".
O Código Civil de 1916 e o Código de 2002, seu sucessor,
dispensaram cuidados especiais à boa e à má-fé. A Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), de 1º/5/1943, por razões
inexplicáveis, as desconhece. Entre os 922 artigos, os valores éticos da boa fé
e equidade permanecem ignorados. Incorporou, entretanto, o princípio do
contrato realidade no artigo 9º, para impor pena de nulidade a atos praticados
com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos seus
preceitos, e deixou à doutrina e à jurisprudência o ônus de lhes esclarecer o
significado.
O problema da licitude dos atos jurídicos, em face da falta
de clareza do artigo 9º, ganha relevo neste momento de calamidade pública,
provocada pelo coronavírus. A MP 927 alargou o espaço da
negociação individual e afastou, mas não proibiu a negociação coletiva. O
empregado poderá ser chamado a decidir se concorda com o ajustamento do
contrato às necessidades do momento, ou se prefere a insolvência da empresa.
Recorro ao Código Civil, cujo artigo 104 aplicável ao
direito material do trabalho, prescreve: "Art. 104. A validade do negócio
jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei".
Nas hipóteses definidas pela MP, a alteração, mediante
negociação individual, visará objeto lícito, possível, determinado. Será
praticada por agentes capazes e por escrito, segundo a forma prescrita em lei.
O empregador age de boa fé para manter empresa e o maior número de empregos; o
empregado admite alterar temporariamente o respectivo contrato. A adoção de
medidas excepcionais não visa impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos da
CLT. Resulta de circunstância de força maior, definida como "acontecimento
inevitável, em relação à vontade do empregador, e para realização do qual este
não concorreu direta ou indiretamente" (Art. 501).
A imutabilidade é privilégio dos mortos. O contrato
individual de trabalho, celebrado entre vivos, é passível de alteração. O tema
é objeto do artigo 468, que diz: "Nos contratos individuais de trabalho só
é lícita a alteração das respectivas condições, por mútuo consentimento, e,
ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao
empregado, sob pena de nulidade da clausula infringente desta
garantia".
A menoridade cessa aos dezoito anos, quando a pessoa se
capacita para a prática dos atos da vida civil (Código Civil, Art. 5º). Cessa,
também, na órbita trabalhista. A hipossuficiência de pessoa normal é
incompreensível na 5ª Revolução Industrial. Ao atingir a maturidade o
trabalhador responderá por atos criminais, sujeitar-se-á à prestação de serviço
militar, poderá votar e ser votado, constituir empresa, casar-se, divorciar-se
e ajustar mudanças no contrato de trabalho. Alterar o contrato é algo comum e
natural. Não se sindicalizar é direito previsto nos artigos 5º, XX, e 8º, V, da
Constituição. Durante a pandemia, determinante de elevado grau de isolamento
social, recomenda-se cautela a empregado e empregador. Assembleia sindical com
quórum mínimo, nos termos do artigo 612 da CLT, é algo inimaginável.
Cessada o estado de calamidade pública, os empregados
acionarão a Justiça do Trabalho? O prazo prescricional é de dois anos. Não
acredito. Quem negociar de boa-fé não irá fazê-lo. Se tal acontecer as maiores
vítimas estarão entre micro e pequenos empresários. Em nome da modernização, e
para a redução de custos e de riscos, médias e grandes empresas investem em
computadores, cérebros artificiais, drones e robôs. Aliás, já o fazem. Daí
existirem milhões de desempregados.
Fonte: Migalhas