Muito antes do surgimento da crise da Covid-19 já existia um movimento, defendido por alguns, a favor do adiamento da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) por dois anos. Tal movimento funda-se na simples (e real) constatação de que as empresas não estarão preparadas para a entrada em vigor da LGPD em agosto de 2020.
O que os defensores desse movimento não consideram é que
essas mesmas empresas — e muito menos o setor público — também não
estarão preparadas para a entrada em vigor da LGPD no novo prazo por eles
preconizado. Isso porque, admita-se, o único efeito real que uma medida dessa
natureza trará é a retirada do projeto de adequação da lista de prioridades das
empresas para que seja reintroduzido alguns meses antes da nova data de entrada
em vigor.
Em dois anos estaríamos exatamente na mesma posição em que
estamos agora, com a diferença de termos perdido um tempo precioso na criação
de uma cultura no setor publico e privado relacionada à proteção dos dados
pessoais.
Surge a crise do coronavírus. Em que pese o fato de que, a
cinco meses da entrada em vigor da LGPD as empresas e o setor público devessem
estar bem preparados, os defensores da tese do adiamento encontraram um
poderoso aliado. Não há como negar o impacto dessa crise na economia e sobretudo
no funcionamento regular das empresas nacionais e estrangeiras.
Some-se a esse quadro a ausência da Autoridade Nacional de
Proteção de Dados Pessoais (ANPD), cujos regulamentos e orientações são de suma
importância para a aplicação da LGPD. Fabricio da Mota Alves e Gustavo Afonso
da Mota Vieira já ressaltaram a necessidade da ANPD para a efetividade de
dezenas de aspectos importantes da LGPD.[1]
Contudo, os partidários da prorrogação da lei esquecem que,
face a crises sanitárias como a que vivemos atualmente, a LGPD é um importante
aliado para a segurança tanto dos titulares dos dados pessoais quanto dos
controladores, conforme demonstrado por Danilo Doneda[2].
Assim, a questão colocada é : como conciliar a gritante
necessidade da incorporação de uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ao
dia a dia das empresas e do setor público brasileiro ao negligente e voluntário
despreparo ao qual fazemos face, aliado ao problema da gestão da crise
sanitária que nos foi involuntariamente imposta?
A ideia veiculada pelo Projeto de Lei 1164, de 2020[3],
proposto ontem (30/03/2020) pelo senador Álvaro Dias (Podemos) veicula uma
ideia cujo princípio já constava de forma diversa no PL 6149/2019[4] proposto
pelo deputado Mario Heringer (PDT), qual seja: não interferir na entrada em
vigor regular da LGPD, mitigando unicamente a aplicação das penalidades a serem
aplicadas pelo seu descumprimento.
Essa via, me parece, concilia tanto os interesses da
sociedade na criação de um dispositivo – e sobretudo de uma cultura – de proteção
de dados pessoais, com a impossibilidade material de aplicação plena da LGPD
derivada da ausência de doutrina e regulamentação pela ANPD, e com o receio
justificado do empresariado da falta de critérios para aplicação das sanções
provocadas pelos múltiplos centros de controle da LGPD (Judiciário, MP, Procon,
Justiça do Trabalho etc.).
Finalmente, a razoabilidade de um dispositivo de mitigação
de penalidades é condicionada – a meu ver - à limitação dos seus efeitos pelo
prazo máximo de até 1 ano após agosto de 2020. A duplicação do prazo da vacatio
legis da LGPD — que já foi prorrogada uma vez, diga-se de passagem
— traria mais prejuízos para a sociedade do que benefícios.
Fonte: Consultor Jurídico