Em meio ao cenário atual da crise de saúde pública e
econômica, as empresas se veem na obrigação de adotar uma série de medidas para
evitar o contato físico entre as pessoas, de forma a conter a velocidade de
transmissão do vírus e preservar o sistema de saúde.
A utilização de recursos tecnológicos para a interação
social e comercial se torna indispensável, inclusive para viabilizar a
formalização de instrumentos contratuais, dando continuidade às relações
jurídicas, sem contato físico e eliminando procedimentos manuais, que envolvem
assinaturas de próprio punho, reconhecimento de firmas por autenticidade em
cartórios, transporte e arquivamento das vias físicas do contrato. Com a
oportuna publicação do Decreto nº 10.278, de 18 de março de 2020, que
regulamenta parte do artigo 3º da Lei nº 13.874/2019 (Lei da Liberdade
Econômica), os documentos digitalizados passam a produzir os mesmos efeitos
legais dos documentos físicos ou originais.
Assim, nos parece indissociável que os documentos produzidos
e assinados apenas por meio digital também tenham plena validade e eficácia.
Todavia, para fins de garantia de integridade, autenticidade e validade do ato
jurídico, este documento deve ser assinado digitalmente, por ambas as partes,
com certificação digital no padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasileiras (ICP-Brasil), instituída pela Medida Provisória nº 2.200-2/2001
(“MP 2.200-2”).
A assinatura digital é uma tecnologia que utiliza a criptografia
e vincula o certificado digital, no padrão de tecnologia adotada e exigida no
Brasil, ao documento eletrônico que está sendo assinado, e equivale a uma
assinatura de próprio punho. Pode, portanto, ser utilizada para assinar, por
exemplo, um contrato eletrônico, que possui a eficácia de título executivo
extrajudicial assim como os contratos formalizados em meio físico.
A validade e a admissibilidade legal da assinatura digital
são garantidas pelo Art. 10 da MP 2.200-2, que confere presunção de veracidade
em relação aos signatários nas declarações constantes do documento em forma
eletrônica que utilizaram o certificado digital. A assinatura digital tem ainda
como um de seus principais aspectos o não repúdio, isto é, previne que uma
parte, agindo de má-fé, conteste uma transação após formalizá-la ou a
veracidade do conteúdo transmitido. Assim, caberá exclusivamente à parte que
repudiar a assinatura o ônus de provar a sua inautenticidade.
Atualmente, tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas
já utilizam certificado digital (E-CPF ou E-CNPJ) para finalidades diversas,
como acesso a serviços de órgãos públicos e cumprimento de obrigações
tributárias (ex.: DIPF, DIPJ, Receita Federal), sem qualquer prejuízo à
validade e certeza das informações transmitidas.
Além da evidente contribuição desta ferramenta para a
segurança à saúde dos signatários de instrumentos contratuais diante das
circunstâncias que demandam o distanciamento social, o uso da assinatura
digital traz benefícios adicionais, tais como: (i) economia com o
reconhecimento de firmas, já que a assinatura com o certificado no padrão
ICP-Brasil tem a mesma força da reconhecida em cartório; (ii) economia de
recursos físicos e gestão de espaço; (iii) celeridade no tempo e nos processos
de assinatura de documentos; (iv) sustentabilidade; (v) gerenciamento eficaz;
(vi) simplificação dos procedimentos de assinatura; (vii) inovação; e (viii)
mobilidade.
Vale destacar que a assinatura digital não se confunde com a
assinatura eletrônica. No caso da primeira, como aqui tratamos, a validade
jurídica dos documentos eletrônicos é atribuída por meio da assinatura com
certificado digital no padrão ICP-Brasil e seus efeitos equivalem ao
reconhecimento de firma. Por outro lado, a assinatura eletrônica, é gerada a
partir da grafia de uma assinatura na tela de um dispositivo eletrônico, e tem
a eficácia probatória de acordo com as evidências colhidas, tais como
geolocalização, voz, imagem, biometria, carimbo do tempo, código de acesso e
chaves eletrônicas. Em outras palavras, a assinatura eletrônica é um conjunto
de dados que conectam, de um lado, um documento eletrônico específico, e, de
outro, uma determinada pessoa utilizando algum método de autoria, passando a
ter validade jurídica.
Apesar de não existir objeção para o uso de outro meio de
comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, é ainda
controversa a discussão acerca da força executiva da assinatura eletrônica.
Isto porque ela pode não oferecer a mesma segurança e a garantia de veracidade
do certificado digital no padrão ICPBrasil, na medida em que não é equiparada
ao reconhecimento de firma e sua validade depende da demonstração de alguns
critérios técnicos (certificação, geolocalização, etc.).
Visando preservar a continuidade da prestação de serviços
pelos Cartórios de Registros de Imóveis, o CNJ editou o Provimento nº 94, de 28
de março de 2020, determinando que durante a Emergência em Saúde Pública de
Importância Nacional (EPIN), todas as serventias deverão recepcionar títulos
gerados eletronicamente e assinados com o certificado digital no padrão
ICP-Brasil. Os protocolos de títulos assinados digitalmente deverão ser
encaminhados para a unidade a seu cargo por meio das centrais de serviços
eletrônicos – a exemplo do site Registradores.org.br, ao qual estão integradas
as serventias imobiliárias dos estados do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro,
Espírito Santo, Pernambuco, Pará e Rondônia.
Embora seja uma decisão tomada em caráter transitório
enquanto perdurar o distanciamento social decorrente da crise sanitária,
espera-se que a adaptação dos cartórios a esta nova realidade permaneça e crie
condições para que quaisquer documentos assinados digitalmente sejam amplamente
aceitos de forma definitiva.
Fonte: Estadão