A vida nos traz situações que acabam por ampliar ainda
mais a possibilidade de utilização de meios legais colocados à nossa disposição
Cá estamos, queridos leitores, na alegria, na tristeza e
também nos momentos difíceis. Conhecíamos uma realidade, antes de março/20, e
agora vivemos uma outra realidade – assustadora – na presença de um inimigo
invisível, que perdurará até que a vacina ao maldito vírus seja encontrada.
Mas, certamente, nunca mais seremos os mesmos depois de tudo
isso, o que me fez pensar neste tema, que sinceramente, na análise detida,
acreditei fosse pouco aplicável em nosso cotidiano.
A lavratura de um testamento – que nada mais é do que a
disposição de última vontade do testador – se confeccionado por ato público ou
particular, pressupõe seja acompanhado de duas ou três testemunhas,
respectivamente, por expressa disposição da legislação civil.
Mas, o mesmo Código Civil (artigo 1.879) prevê uma outra
forma de testamento, extraordinária, que, pasmem meus caros leitores, sempre
interpretei como um cenário bem distante de nossa realidade. Confesso, agora,
que me enganei.
Este testamento, permite que o testador, declarando a
situação excepcional que se encontra, realize o ato, de próprio punho,
subscrevendo-o, sem a presença de uma testemunha sequer.
A doutrina, para exemplicar situações como estas e,
convenhamos, nada melhor do que um bom exemplo, ensina que este tipo de
testamento pode ser realizado pela vítima de um sequestro, por um indivíduo
perdido na selva, para outro na guerra etc.
Primeiramente, pressuposto – pouco crível - é que todas
estas pessoas citadas acima, estejam munidas de um papel e uma caneta, o que,
nas circunstâncias descritas pode não ser uma tarefa tão fácil assim,
concordam?
Sozinho no cárcere, sozinho na selva ou isolado na guerra,
desde que diante de um papel e uma caneta, pode o testador lavrar a sua
disposição de última vontade.
Pois bem, sempre achei estarmos distantes da pratica deste
ato, até que o malsinado vírus surgiu, e a ideia do testamento excepcional, tão
distante, a princípio, pode agora se tornar uma prática comum nos dias atuais.
Tome-se como exemplo extremo, diante da pandemia, alguém em
completo isolamento, inserida no grupo de risco, em obediência as orientações
governamentais, que tenha a intenção de lavrar um testamento.
Chegaríamos a conclusão, que a legislação citada acima, tem
perfeita adequação para os dias atuais, desde que admitido, posteriormente,
judicialmente, que aquela situação em que se encontrava o testador era
realmente excepcional, a ponto de o mesmo não ter qualquer condição de reunir
duas ou três testemunhas para o ato.
É preciso se destacar que, se passados 90 dias e o testador
não falecer, razão não se tem para atribuir ecácia a este tipo de ato
extraordinário, já que recuperado, pode o testador praticar o ato através da
convocação de duas ou três testemunhas, a depender da forma escolhida, ato
público ou particular.
Sim, caros leitores, a vida nos traz situações que acabam
por ampliar ainda mais a possibilidade de utilização de meios legais colocados
à nossa disposição.
Seria mais fácil, o isolado ter papel e caneta, lavrando sua
última vontade, do que aqueles outros personagens do início desta minha fala, o
sequestrado, o perdido na selva, ou o soldado na guerra.
Aqui está, portanto, mais uma ferramenta disponível para
estes momentos tortuosos que estamos passando, onde a vontade do testador pode
prevalecer, ainda que materializada por uma simples caneta e um papel.
Fonte: A Tribuna