A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou
provimento ao recurso de dois irmãos que pretendiam anular a venda de um imóvel
rural pertencente a uma irmã deles – interditada por decisão judicial. A venda
foi feita para outra irmã, que era a curadora da proprietária e depois
transferiu o bem a terceiros, mas o colegiado entendeu que os dois irmãos não
tinham legitimidade para propor a ação, pois, após a morte da curatelada,
haviam renunciado à sua herança.
Os irmãos ajuizaram ação de nulidade do negócio jurídico,
afirmando que a falecida era pessoa absolutamente incapaz e que não houve
autorização judicial para a compra e venda. Segundo disseram, a falecida tinha
apenas seus irmãos como herdeiros, e os dois só tiveram conhecimento da
alienação do imóvel quando da abertura da sucessão – momento em que foram
informados de que não havia bens a inventariar. A venda do imóvel a terceiros
foi feita após a morte da curatelada.
Em primeiro grau, foi declarada a nulidade dos negócios e
das escrituras. No entanto, o Tribunal de Justiça de Goiás deu provimento à
apelação dos terceiros compradores do imóvel, por entender que os irmãos não
tinham legitimidade para pedir a anulação, já que haviam renunciado em cartório
à herança deixada pela falecida e, nesse caso, estariam pleiteando direito
alheio em nome próprio.
No recurso dirigido ao STJ, os irmãos alegaram que a
renúncia à herança foi específica e que em momento algum renunciaram ao direito
sobre o imóvel discutido. Argumentaram que houve simulação na alienação do bem.
Incondicional e indivisível
O relator do recurso no STJ, ministro Luis Felipe Salomão,
explicou que o direito civil confere a todo herdeiro o poder de aceitar ou
repudiar a herança. Com base na doutrina sobre o tema, o ministro ressaltou que
o repúdio à herança é tido como negócio jurídico unilateral, voluntário,
gratuito, incondicional, indivisível, irrevogável e que retroage ao momento da
morte do autor da herança, nos termos do artigo 1.804 do Código Civil de 2002,
condicionada a eficácia do ato à manifestação solene do herdeiro.
"Ao contrário da informalidade do ato de aceitação da
herança, a renúncia, como exceção à regra, exige forma expressa, cuja solenidade
deve constar de instrumento público ou por termos nos autos, ocorrendo a
sucessão como se o renunciante nunca tivesse existido, acrescendo-se sua porção
hereditária à dos outros herdeiros da mesma classe", destacou.
Salomão afirmou ainda que a renúncia, tanto quanto a
aceitação, é ato jurídico puro não sujeito a elementos acidentais. Segundo ele,
essa é a regra estabelecida no caput do artigo 1.808 do CC/2002,
segundo o qual não se pode aceitar ou renunciar à herança em partes, sob condição
(evento futuro incerto) ou termo (evento futuro e certo).
Nenhum proveito
No caso em análise, o ministro observou que a renúncia dos
recorrentes se deu nos termos da legislação: ocorreu após a abertura da
sucessão e antes que os herdeiros aceitassem a herança, com observação da forma
por escritura pública, e foi feita por agentes capazes.
Para Salomão, não há interesse dos recorrentes na decretação
de nulidade da venda do imóvel, pois, retornando o bem ao patrimônio da
falecida, a cuja herança renunciaram, nenhum proveito teriam com a nova
situação.
"Com o ato da renúncia, considera-se como se nunca
tivessem existido os renunciantes, nenhum direito teriam sobre o bem objeto do
negócio acusado de nulo nem sobre bem algum do patrimônio", afirmou o
relator.
O ministro ressaltou que não deve prevalecer a alegação de
que a renúncia teria sido específica, não alcançando o imóvel reclamado na
ação. "Com base em doutrina nacional de peso, impossível é a renúncia
condicional ou parcial, porquanto o despojamento do direito deve ser total e
absoluto", concluiu.
Fonte: Supremo Tribunal Federal