A situação crítica global gerada pela pandemia do
COVID-19 alterou radicalmente nossos hábitos
Conforme artigo anteriormente escrito “não temos
dúvidas sobre estarmos numa nova vida que gerou disrupção ao antigo (até então
“ontem”) modo de viver, que nos remete a sensação de que, passado tudo,
estaremos numa vida nova. E espero, de modo pessoal, que esta vida nova seja
menos segregada e mais cooperativa.
Os Governos Federal, Estaduais e Municipais, dentro de um
efeito cascata e observado seus campos legisferantes editaram decretos de
calamidade pública visando disciplinar o funcionamento de serviços essenciais,
gerando a suspensão dos demais. Com isso, muitos dos serviços migraram para o
sistema home office, o sistema educacional, em grande parte, para o EAD –
Ensino a Distância, além do uso maciço e constante de tecnologias de streaming,
cuja conectividade frenética levou a Anatel a determinar a redução da qualidade
dos vídeos de tais plataformas digitais para se evitar uma pane nas conexões.”
Afetados pelos efeitos da referida patologia, o atendimento
da Defensoria Pública migrou para o eletrônico desmaterializando o “papel”,
ficando o presencial e atos físicos restritos aos casos urgentes.
Afinal, como prometido a longa data, bem antes de todo o
atual contexto e agora como uma realidade cogente, “[...] os avanços
tecnológicos vêm, gradativamente, modificando as rígidas formalidades
processuais anteriormente exigidas[...]” e, segundo decisão na Adin n.
2922, do Supremo Tribunal Federal, sob a perspectiva da desjudicialização,
“[...] A vertente extrajudicial da assistência jurídica prestada pela
Defensoria Pública permite a orientação (informação em direito), a realização
de mediações, conciliações e arbitragem (resolução alternativa de litígios),
entre outros serviços, evitando, muitas vezes, a propositura de ações
judiciais. [...].
Seja através de sistemas de mensagerias, ligações,
videoconferências, distribuição de conteúdo via rede social, streaming
acessível por podcast com viés orientativo, educação em direitos, novas ações
eletrônicas individuais/coletivas, manifestações nas ações em trâmite, e até
mesmo integração nas comissões governamentais do COVID-19 que dinamizam inúmeras
reuniões e recomendações, podemos dizer que o serviço, em verdade, não só
aumentou como ganhou status “híbrido” (físico e eletrônico),
mormente pelos atendimento presenciais de urgência.
E justamente neste contexto, passamos a realizar inúmeras
negociações, agora virtuais, com exponencial êxito extrajudicial, ressalvado é
óbvio, a livre manifestação de vontade, padronização e consentimento.
E aqui reside uma grande questão: Tais acordos virtuais
têm status obrigacional apto a gerar cumprimento judicial?
Pensamos que sim, por ser o acordo referendado pelo Defensor
Público um título obrigacional, ainda que obtido pela via eletrônica, conforme
se antevê do art. 428, do Código Civil e do §4º, do art. 4º, da LC n. 80/94.
Outrossim, o Defensor Público, enquanto agente de Estado
dotado de fé pública e presunção de validade dos atos
praticados cumprindo sua função de pacificador social (art. 1º, da LC n.
80/94), ainda que virtualmente, gera manifesta economia e eficiência ao Estado
ao obter um acertamento de direito extrajudicial, mormente se a questão de
fundo for de natureza coletiva, como um termo de ajustamento de conduta.
A fase cognitiva sob a perspectiva judicial é eliminada, de
forma que se vier a ser preciso, restará tão-só o cumprimento da avença
obrigacional, prestigiando, além disso, a duração razoável do processo.
Afinal, segundo restou apurado pelo CNJ, o prazo médio para
se alçar uma sentença supera o tempo de 04 anos. E nesse contexto, como agente
indutor de políticas da desjudicialização é que exsurge esta atuação da
Defensoria Pública muito além do aspecto econômico, mas com enfoque na retenção
das escaladas de conflitos e emancipação das pessoas como auto condutoras da
solução das suas próprias controvérsias.
Ademais, lembro que qualquer previsão de rol de título
extrajudicial não é numerus clausus, já que a vinculação obrigacional se
da pelo teor da manifestação e não pela forma, conforme orientação já
sinalizada pela jurisprudência, que inclusive, v.g. afirma ser
possível o decreto da prisão civil (via cumprimento de sentença) quando
for estipulado obrigação alimentar em tais acordos e haja descumprimento.
O próprio NCPC estipula a solução extrajudicial como
preferencial, assim como prevê diante do art. 190, a possibilidade de
realização de convenção negocial com efeitos de direito processual e material,
só havendo necessidade de chancela judicial se houver indicativo legal
(Enunciado do FPPC n. 133 ).
Mutatis-mutandis, tal operacionalidade é empreendida com
êxito na Justiça do Trabalho (RECOMENDAÇÃO CSJT.GVP N° 01, de 25 de março de
2020 e art. 855-B, da CLT)xi e pode, como de fato deve, ser
aplicada na Defensoria Pública.
Apenas para registro e para não deixar o ofício
longo e cansativo, vide o substancioso parecer da DPRJ que ratifica
sob vários meandros o acordo realizado pelo DP como sendo título obrigacional,
assim como julgados que indicam a desnecessidade de chancela judicial para sua
validação.
Além disso, some-se notícia jurídica com farta fundamentação
e exemplo concreto sobre a vinculação jurídica das partes a acordos
eletrônicos, seja pela manifestação, bem como pelo lastro da legislação,
doutrina e jurisprudência.
Sobre o uso de tal aplicativo e as múltiplas possibilidades
de inovação, destaque-se que o próprio CNJ autorizou para realização de
intimação o que foi seguido por outros Tribunais, de forma a gerar
economicidade e efetividade.
Aliás, em tempos de isolamento social, a não locomoção é a
regra, de forma que o ambiente virtual permite a ida e vinda do atendimento
salvaguardando a saúde pública e desburocratizando, por imperativo legal, o
serviço.
Desta forma, infere-se que qualquer acordo realizado em sede
virtual, pode, como de fato deve, ser considerado um título obrigacional apto a
ser exigido o seu cumprimento, caso necessário.
E embora pensemos da desnecessidade da regulamentação
interna corporis, já que tal negociação detem força vinculante entre as partes,
mister que haja, ad-cautelam, regulamentação (compliance) para dar
uniformidade ao trâmite digital, segurança, previsibilidade, adaptação da forma
de coleta dos dados, ficando, sob breve perspectiva de sugestivo roteiro, o seguinte:
Resolução n (ou mero fluxograma informal).
Art. 1º Regulamenta, no âmbito da Defensoria Pública do
Estado o procedimento de Conciliação Virtual;
Parágrafo único - Até que seja implantada ferramenta com
funcionalidades para essa finalidade, recomenda-se que seja dada preferência à
utilização do aplicativo eleito pelo setor de tecnologia, visando a realização
de envio de mensagens e videoconferência, ou outro gratuito que seja dotado,
também, além daquelas funcionalidades, de outras, como de gravação de áudio e vídeo,
para a preservação da memória das tratativas e da documentação da homologação
dos acordos, quando impossível ou inconveniente a documentação presencial;
Art. 2º A Conciliação Virtual via Whatsapp, será feita
exclusivamente pelo telefone funcional ou particular autorizado (xx) xxxx e
estará disponível para a realização de sessões de conciliações.
Art. 3º A adesão ao procedimento de Conciliação Virtual,
pelo usuário (assistido) é facultativa.
Art. 4º A parte interessada na realização da Conciliação
Virtual deverá enviar uma mensagem ao telefone da conciliação virtual,
manifestando interesse, com a indicação do número do celular da parte
contrária;
Parágrafo Primeiro – O Defensor Público fará uma análise
preliminar do caso, apurando o potencial conciliatório, e enviará uma mensagem,
ligação ou videoconferência ao celular da parte contrária, indagando do
interesse na realização da tentativa de negociação.
Art. 5º Havendo interesse na negociação, será criado um
grupo específico de whatsapp ou outra via eletrônica, cujo nome será o número a
ser estipulado de acordo com ordem cronológica e inserto no sistema eletrônico
de gestão de dados da Instituição.
Parágrafo Primeiro. Formado o grupo, serão iniciadas as
tentativas de conciliação/mediação/arbitragem, ficando as partes livres para
sair do grupo a qualquer tempo, caso em que a conciliação eletrônica será
encerrada.
Parágrafo Segundo. A ausência de manifestação das partes
pelo prazo de 03 (três) dias acarretará o encerramento da conciliação e do
grupo formado para essa finalidade.
Parágrafo Terceiro. O Defensor Público, entendendo inviável
a negociação, poderá encerrar a conciliação a qualquer tempo.
Parágrafo Quarto. Resultando infrutífera a negociação e
certificado no grupo, a conversa será exportada para os usuários, com conversão
para arquivo com extensão pdf e assinatura eletrônica pelo Defensor Público
através do programa acrobat;
Art. 6º Havendo consenso entre as partes será seguido o
presente fluxo:
§1º Será enviado eletronicamente a ambos os envolvidos
declaração de hipossuficiência além da específica anexa (final do arquivo),
para que seja impressa, assinada e digitalizada, com restituição ao grupo;
§2º Caso não seja possível operacionalizar o item anterior,
o usuário poderá preencher, converter o arquivo em extensão pdf e restituir ao
grupo inserindo assinatura digital no documento, atestando através de mensagem
a responsabilidade da veracidade do preenchimento do mesmo e, não sendo
possível, realizar um vídeo com documento oficial com foto em mãos para ser
postado para este grupo ratificando ter ciência e concordância com os termos da
declaração de hipossuficiência que lhe foi enviada e inserta no grupo;
§3ºApós o recebimento das declarações e documentos pessoais,
declaração de residência e outros necessários, será elaborada a minuta e
enviada para o grupo para aprovação, devendo ser verificada a possibilidade de
converter os vídeos em arquivo Qr code (vide §2º) para inserção no documento;
§4º - Estando as partes de acordo, o Defensor Público deverá
inserir clausula de que a conversa do grupo faz parte integrante do acordo para
todos os efeitos, exportando-a e convertendo-a para arquivo com extensão pdf,
assinando-se de forma eletrônica ambos documentos, de preferência pelo programa
acrobat;
§5º - Após tal ato, deve-se remeter o acordo e conversa para
os participantes do acordo, encerrando o atendimento;
§6º - Em não possível a digitalização e envio dos
documentos, o Defensor Público poderá avaliar sobre atendimento específico e
físico para coleta de tais dados para digitaliza-los;
Art. 7º A Defensoria Pública deve destacar não ser
responsável:
I. por situações de instabilidade ou indisponibilidade do
sistema;
II. por mau uso do sistema pelas partes, as quais devem manter
o decoro durante as negociações.
Desta forma, repetindo entender da desnecessidade de
autorização, pensamos haver, por cautela, necessidade de se seguir um roteiro
que pode ser padronizado para gerar uniformidade a tal dinâmica viabilizando a
plena realização de atendimento.
Com isso, a um só tempo, se viabiliza a inserção na
Defensoria Pública na era digital com plena validação segura dos atos
negociais, tornando-a a primeira Instituição Pública realizadora da prometida e
agora realidade, ODR – On line Dispute Resolution, exceto nos casos
urgentes ou onde possa haver exclusão digital.
E pontofinalizando, trazemos o que pode ser a autorização
para viabilizar o atendimento nos termos sugeridos.
Fonte: Consultor Jurídico