O InfoMoney consultou advogados para entender o que o
empresário deve ter em mente para não se afundar com mais passivos
Em meio à crise causada pela Covid-19 e à quarentena,
empresas de todo país se encontram com imensa dificuldade para gerar negócios.
Entre as alternativas para sobrevivência, além de procurar novas fontes de
receita, está a renegociação das dívidas, que, se bem feita, pode trazer um
fôlego importante.
Mas muitos empresários enfrentam dificuldades para se
organizar e conseguir melhores condições de pagamento durante a crise – seja
para honrar os compromissos com os credores ou fornecedores ou qualquer outra
contraparte dos contratos atuais.
Prolongar prazos, prorrogar pagamentos, flexibilizar as
condições, diminuir juros, ou até buscar perdão de parte das dívidas estão
entre as soluções para companhias endividadas com pouca receita para quitar os
débitos. Isso vale para todos os portes de companhias. Mas, sem planejamento e
conhecimento dos termos, essas iniciativas podem se tornar um tiro no pé.
Problemas no radar
Eduardo Natal, advogado tributário e sócio do escritório
Natal&Mansur Advogados, lembra que o empresário deve saber de antemão como
o valor negociado entra no seu orçamento de médio e longo prazos – “porque tudo
o que for prorrogado terá que ser pago em um futuro breve, e não adianta
atravessar a crise para ruir no momento de retomada”.
“Principalmente as pequenas empresas, já que, se não pagarem
dívidas municipais, estaduais ou federais elas são excluídas do Simples
Nacional, de acordo com a Lei Complementar 123/2006”, explica.
A sucessão de fatos é a seguinte: a Receita analisa a base
de recebimento e verifica que determinada empresa está inadimplente. Então,
emite um ato declaratório pedindo para a companhia regularizar (pagar ou
parcelar) os débitos – ou é excluída da faixa tributária.
“Nesse caso, as renegociações ficam cada vez mais difíceis,
porque têm que passar a recolher todos os tributos na forma de Lucro Presumido,
tornando o encargo tributário sensivelmente maior. Se [o empresário] não souber
disso, pode se afundar ainda mais com passivos”, diz o advogado.
Para companhias do regime de Lucro Real (mais de R$300
milhões de faturamento), a tipificação de perdão de dívida como receita traz
riscos particularmente graves, alerta Eduardo Muniz, sócio do Brigagão Duque
Estrada Advogados.
Suponha um empréstimo de R$ 100 mil com um perdão de dívida
de R$ 20 mil por parte do credor. “Na prática, a empresa deixa de pagar R$ 20
mil. Mas, para a Receita Federal o perdão de dívida é uma receita. Ou seja, o
órgão considera que a empresa teve ganho, ainda que não haja ingresso de caixa
(“lucro”). Isso acarreta uma tributação sobre esse valor perdoado pelo credor,
e a alíquota pode chegar até 43% do perdão da dívida (R$ 8.600). Então, a
empresa acha que é uma coisa a menos, mas ainda sim precisará pagar. Precisa
ter atenção”, explica.
A instituição credora do perdão da dívida, por sua vez,
ganha dedutibilidade do imposto, já que o “perdão da dívida sob essa
perspectiva é entendido como perda, o que gera abatimento”, diz Muniz.
Como se organizar
Marcello Lauer, advogado sócio da Grand Hill Consulting,
especialista em planejamento e gestão de negócios e membro da Comissão de Estudos
de Recuperação Judicial e Falências da OAB Paraná diz que o primeiro passo,
antes de mexer nas dívidas, é manter o caixa. “É preciso trabalhar com as
opções que existem internamente primeiro: ajustar o caixa, reduzir despesas,
aplicar as medidas cabíveis caso a caso. Organizar a casa”, diz.
Para fazer isso, o empresário deve fazer um diagnóstico do
negócio: “qual o faturamento, qual a capacidade de pagamento e como o fluxo de
caixa da empresa está se comportando”, lista o advogado. Ele também recomenda
que não haja comprometimento da liquidez em função da dívida.
“Não pode incluir os seus recebíveis (ou valores das contas
a receber) na negociação do passivo. Se a empresa compromete o faturamento e
precisa lucrar mais será um problema, já que não há previsão de quanto ou
quando vai conseguir uma normalidade de receita dado o cenário atual”, alerta.
“Precisa usar outras formas de garantia, como ativos, bens, máquinas e terrenos
para negociar com o credor”, diz.
Guilherme Coelho, advogado do escritório Stocche Forbes,
indica que, só depois de fazer um trabalho detalhado sobre os contratos
financeiros, instrumentos de dívida, garantias possíveis e prazos, o empresário
deve falar com as contrapartes e tentar melhor condições. Tudo deve ser feito
com agilidade.
“Todo mundo vai reagir com postura proativa diante de tudo o
que está acontecendo. E antes de se desesperar um diálogo com o credor ou
fornecedor pode dar um fôlego. Quanto mais tempo demorar para fazer isso, pior.
O ato de tentar negociar e informar com sinceridade na atual situação mostra,
inclusive, boa fé”, afirma.
Mas nem sempre é fácil. Geralmente, o primeiro contato na
renegociação de dívidas são os bancos, na tentativa de flexibilizar as
condições e aplicar as medidas que já foram anunciadas – e a que muitos dos
pequenos empresários afirmam não ter acesso.
Nesse cenário, Coelho admite que as micro, pequenas e médias
empresa têm mais dificuldade para acessar os financiamentos em meio às
burocracias e garantias muito altas exigidas pelos bancos, já que muitas vezes
não possuem um imóvel, terreno, ou bens para oferecer como garantia.
Outro agravante é falta de uma assessoria jurídica
individualizada. “Nesses casos, o próprio empresário cuida da parte comercial e
da parte técnica sem um auxílio especializado, pelo custo mesmo, seja de um
advogado ou de um consultor, o que torna essas empresas mais vulneráveis”, diz
Lauer. “Então, terá que estudar e se preparar para uma negociação – compreender
sua situação financeira e estudar as possibilidades para não trocar os pés
pelas mãos.”
Alternativas
Para quem não tem assessoria e busca renegociações
eficientes de tributos, o ideal é procurar associações ou sindicatos patronais,
ou seja, uma iniciativa coletiva para fazer o encaminhamento de renegociação da
dívida, explica Natal. “Algo coletivo funciona mais que o individual, que fica
restrito à letra da lei e a autoridade responsável por avaliar a situação,
geralmente, não flexibiliza”, diz.
Lauer lembra que, fora os credores tradicionais, grandes bancos
de varejo, as fintechs de crédito, FDICS (Fundos de Investimento em Direitos
Creditórios) ou cooperativas de crédito são opões disponíveis principalmente
para micro, pequenas e médias empresas que tem menos acesso ao crédito.
“São fontes alternativas de tomada de crédito neste momento.
Cada um deve analisar sua posição e avaliar se vale tentá-las”, diz.
Quando a recuperação judicial é saída?
A recuperação judicial (RJ) pode ser uma solução para
algumas empresas. Mas como saber o momento de recorrer ao instrumento?
Na prática, uma empresa faz o pedido de recuperação judicial
quando perde a capacidade de pagar suas dívidas e quer evitar a falência. É uma
forma de reorganizar os negócios, redesenhar passivos e superar uma dificuldade
financeira.
Para Coelho, a recuperação judicial é um instrumento que as
empresas têm e podem usar. “Uma dica é entender que o timing da negociação é
importante. O pedido [de recuperação judicial] não precisa ser surpresa para os
credores. Pode ser uma coisa mais bem elaborada para não ser abrupto. É ideal
planejar o processo e as grandes empresas tem mais tempo hábil para desenvolver
um bom plano no meio da crise”, orienta.
Já Lauer acredita que a recuperação judicial não traz uma
solução para o dinheiro que será necessário para empresas sobreviverem pós
crise. “Não cria uma estrutura de capital para continuar os negócios, embora
ajude na superação da crise”, diz.
Muniz afirma que a recuperação judicial mostra uma
fragilidade da empresa, “é um sinal amarelo”. Além disso, é um instrumento
sofisticado demais para micro e pequenas empresas, que podem se perder em
burocracias envolvidas. “Por vezes, nesse caso, é mais fácil fechar e abrir de
novo depois”, diz.
O Brasil vai enfrentar novo cenário a partir dessa crise e
as empresas precisam dominar os fatores econômicos financeiros: a estrutura de
capital, fluxo e capacidade do caixa, segundo Lauer.
“Precisam entender os fundamentos do mercado e de seus
negócios, aprimorar a governança corporativa e financeira – mesmo os pequenos
empresários. Precisarão estudar e se adequar. Se esse conjunto de informação
for de domínio, será mais fácil conjugar os instrumentos (renegociação, tomada
de credito e recuperação judicial, etc) de maneira consistente e consciente e
atravessar a crise”, afirma.
Fonte: InfoMoney