A súbita redução do crédito e a desaceleração da cadeia
produtiva empresarial (indústria, comércio e serviços) neste período de
pandemia redesenhou o panorama econômico do Brasil.
A instalação de uma crise de perfil sistêmico, com
descompasso entre os recebíveis a curto e em médio prazo, a necessidade de
postergação de obrigações e uma nebulosa visão quanto ao futuro, levam a adoção
de medidas de estruturação do fluxo de caixa, com contenção dos gastos em
volume necessário e suficiente a permitir continuidade e sobrevida das empresas
visando a retomada com capacidade de gerar resultados.
Se de um lado isto se deve ao ataque do novo coronavírus às
bases do sistema econômico do país, do outro está levando as empresas a descobrirem
no Direito instrumentos de apoio, de socorro, que favoreçam um ambiente de
retorno à normalidade dos negócios.
Se pudéssemos traçar um paralelo, enquanto a área médica,
com o fito de combater a epidemia, ameniza os sintomas e usa dos remédios já
conhecidos, acrescentando medidas emergenciais e imediatas, até o
restabelecimento do paciente rumo à cura, na área jurídica a situação não é
diferente.
O empresário hoje tem à sua disposição instrumentos
prescritos na Lei 11.105/2005, que trata da recuperação judicial e falência. A
recuperação extrajudicial é um destes instrumentos que visa fornecer meios para
o enfrentamento da crise, capaz de melhorar os sinais vitais de uma empresa que
ora se encontra em difícil situação econômica.
Mas a aplicação deste remédio deve ser precedida de exames
prévios para a obtenção de dados cruciais que permitam um prognóstico e assim a
recomendação do melhor tratamento.
O instrumento da recuperação extrajudicial está previsto nos
artigos 161 a 167 da Lei 11.101/2005. Como em outros mecanismos de
reestruturação empresarial, medidas de cunho preparatório são essenciais.
Dentre estas são fundamentais: (i) a análise pormenorizada do passivo envolvido
(qualidade e volume do endividamento); (ii) o estudo do fluxo de caixa, do
endividamento e das condições de captação de recursos; (iii) o mapeamento do
perfil dos credores e posição que cada um ocupa na cadeia produtiva e como cada
um se relaciona com os setores afetados; iv) a pré-negociação tanto com
credores e fornecedores; e enfim (v) e o desenvolvimento de um plano com
métricas financeiras para soerguer a empresa.
Ainda, é fundamental monitorar todos os sinais vitais da
empresa, garantindo o cumprimento de sua função social com a manutenção dos
postos de trabalho e a geração de renda suficiente para tanto.
O procedimento da recuperação extrajudicial permite a realização
da negociação direta com os credores, com posterior homologação em juízo do
plano de recuperação então aprovado com quórum próprio, de 3/5 do valor total
dos créditos a este submetidos. O processo é simplificado, apresentando ao
magistrado este plano para recuperação, já aprovado pela maioria qualificada
dos credores, requerendo à Justiça que dê efeitos jurídicos às disposições nele
contidas.
Inicia-se com a apresentação do plano, seguindo-se da
publicação de edital com prazo de 30 dias para eventual impugnação pelos
credores e juntada da prova de seu crédito, encaminhando-se na sequência para
as considerações da recuperanda e, enfim, para deliberação judicial sobre a
homologação do plano.
Ao contrário da recuperação judicial, o procedimento
extrajudicial é menos burocrático, dispensa a realização da Assembleia Geral de
Credores, a nomeação de administrador judicial e a futura supervisão da Justiça
pelo período de dois anos. Todavia, isto não significa dizer que não obedece
aos rigores da lei ou não está sob a égide da Justiça. A vantagem da
recuperação extrajudicial é a de permitir o uso de um formato mais célere e
menos custoso.
Já a principal desvantagem é a inaplicabilidade do período
de suspensão de cobrança das dívidas, o denominado “stay period”, previsto no
art. 6º da Lei 11.1001/2005, que impede o uso de medidas constritivas (bloqueio
de ativos financeiros, penhora de bens móveis e imóveis, dentre outras) contra
a empresa em prol da preservação desta, conferindo assim um fôlego para a
negociação com credores até a deliberação do plano.
Casos de sucesso na aplicação deste procedimento são
representados pela Recuperação Extrajudicial do Grupo Triunfo e do Grupo
Ricardo Eletro, que lograram êxito em homologar seus planos de recuperação
extrajudicial, renegociando gigantescos passivos e possibilitando a
continuidade das suas atividades, com a manutenção dos empregos e o incremento
da circulação econômica de bens e serviços, permitindo a retomada, exemplos que
transmitem credibilidade ao uso deste mecanismo.
Sabe-se que a modernização do sistema de insolvência
brasileiro – é premente – tramitando em regime de urgência no Congresso
Nacional o Projeto Substitutivo de Lei nº 6.299/05, de alteração da Lei
11.101/2005 e medida excepcional, de cunho autônomo do Projeto de Lei nº
1.397/2020, onde em suma propõe-se: mecanismos de inovação a negociação
preventiva e flexibilização legislativa nos instrumentos dos sistemas de
insolvência.
Mas, enquanto tais alterações legais não chegam, servir-se
de instrumento jurídico existente a fim de garantir a sobrevivência das
atividades é alternativa legal à disposição do empresário diante deste árido
momento pelo qual passa a economia nacional. Nesse sentido a recuperação
extrajudicial é remédio importante com bom prognóstico, de superação e cura.