O Senado brasileiro aprovou na última sexta-feira, dia 03
de abril de 2020, o projeto de lei 1.179/20, de autoria do senador Antonio
Anastasia, adiando a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
para janeiro de 2021
Os efeitos da pandemia de covid-19 vêm sendo sentidos na
saúde, na economia e nas relações jurídicas da população brasileira. A lei
federal 13.709/18 (“LGPD”) não ficou fora dos
efeitos da pandemia do coronavírus.
O Senado brasileiro aprovou na última sexta-feira, dia 03 de
abril de 2020, o projeto de lei 1.179/20, de autoria do senador Antonio Anastasia,
adiando a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) para
janeiro de 2021.1 A justificativa para a prorrogação do prazo de entrada
em vigor da lei foi para “não onerar as empresas em face das enormes
dificuldades técnicas econômicas advindas da pandemia”.2
Inicialmente, o projeto previa um adiamento maior, de 18
meses, para entrada em vigor da LGPD, contudo, em razão da resistência de
alguns membros do Senado, a proposta foi alterada para postergar a vigência da
lei para 1º de janeiro de 2021, prorrogando-se em mais 8 meses o marco inicial
de sanções previstas pela legislação, para 1º de agosto de 2021. O projeto
ainda precisa passar pela Câmara dos Deputados e, na sequência, pela sanção do
presidente da república para virar realidade.
De maneira geral, a sociedade civil se opôs à aprovação do
adiamento de vigência da LGPD. O IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor), por exemplo, publicou nota afirmando não haver
"justificativas razoáveis para tal prorrogação. Pelo contrário, a crise
revela que a manutenção da lacuna legislativa tende a produzir efeitos
indesejáveis para o consumidor e para toda a sociedade brasileira".3
O Ministério Público Federal também se posicionou
contrariamente à postergação de vigência da LGPD através de Nota Técnica
apresentada sobre o projeto de lei 1.179/20, aduzindo que: “A manutenção da
data prevista demonstrará o comprometimento do Brasil com a proteção de
direitos e dará impulso para que as adaptações, que são muitas, se iniciem,
pondo em marcha a rota do país para a harmonização legislativa internacional
que abre inúmeras portas ao desenvolvimento do País (...)” Curiosamente, o MPF
entende, porém, ser razoável que as sanções somente possam ser aplicadas a
partir de agosto de 2021.4
De outro lado, os defensores da dilatação de vigência
vacatio legis da LGPD, alegam que a legislação exige adaptações e investimentos
de diferentes ordens, desde soluções de tecnologia até o refinamento de
procedimentos, sendo que o confinamento imposto em razão da pandemia de
covid-19, têm o potencial de obstaculizar essas adequações às vésperas da
entrada em vigor da LGPD.5
Independentemente das posições favoráveis ou desfavoráveis
quanto ao adiamento de vigência da LGPD, fato é que ambos os posicionamentos
têm alguma razão.
A proteção, coleta e tratamento de dados devem ocorrer de
forma equilibrada e, a LGPD, sem dúvida nenhuma, é um marco legislativo
extraordinário para tal finalidade, capaz de promover adequadamente um
balanceamento entre o direito à privacidade, o interesse coletivo e à atividade
econômica. Em contrapartida, o confinamento forçado decorrente da pandemia de
coronavírus, evidentemente, afetou a operação de todas as empresas que se
encontram numa verdadeira corrida contra o tempo para adaptar-se às regras
estabelecidas pela LGPD.
Os malefícios com o adiamento da LGPD tendem a deixar os
benefícios em segundo plano diante das implicações que a pretendida prorrogação
têm com diferimento dos direitos e deveres estabelecidos pela lei. A
perpetuação da lacuna atual de um marco regulatório específico à proteção de
dados deixa milhões de pessoas à mercê de abusos e violações à privacidade.
Também corrobora para este cenário de insegurança a omissão governamental à
instalação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais, pois, sem
parâmetros ou regras de utilização dos dados pessoais estabelecidos pela ANPD,
o cenário de incertezas só aumenta.
Por outro lado, os benefícios com a proposta de dilação da
vacatio legis da LGPD, permite tanto que o Poder Público como os particulares
(pessoas e empresas), tenham mais tempo para se adaptar aos termos da LGPD,
especialmente em razão da emergência de saúde pública causada pelo coronavírus.
Não se pode ignorar, por fim, a possibilidade de
retardamento da imposição de sanções previstas na LGPD para agosto de 2021, prevista
pelo projeto de lei 1.179/20. Claro que tal adiamento, como dito, depende da
aprovação da Câmara dos Deputados e, posteriormente, da sanção presidencial,
todavia, referido diferimento não é coerente à própria pretensão de adiamento
de vigência da lei. A LGPD desprovida de sanções é nada mais nada menos que
“letra morta” e pode colidir com os interesses estatais de aumento de receita
com aplicação de sanções.
Não faz sentido adiar a vigência da lei para janeiro de
2021, postergando, ainda mais a vigência das sanções da LGPD para agosto de
2021. Se a pretensão é de se levar adiante o retardamento de vigência da LGPD,
então que se faça uma coisa só, adie-se a vacatio legis da lei como um todo,
sem fatiamento. Sem coercibilidade, a LGPD se transformará numa “netiquette”6,
norma de “etiqueta” para proteção, coleta e tratamento de dados, uma mera carta
de intenções, deixando o Brasil em uma posição sem crédito no cenário mundial
de proteção de dados.