A crise provocada pelo coronavírus impactou o cenário do
direito de família
A crise econômica causada pela pandemia do coronavírus
impactou o cenário das Varas de Família. Escritórios de advocacia notam
crescimento do número de pedidos de redução do valor de pensões alimentícias
por causa da perda de renda dos pais separados. As partes nem sempre chegam a
um consenso, então a Justiça é acionada para determinar a nova quantia a ser
paga. Nos tribunais mineiros, audiências sobre conflitos familiares são
realizadas eletronicamente durante o estado de calamidade, e as decisões urgentes
são feitas no plantão.
Em caso de queda na renda do responsável pela pensão, o
valor a ser pago pode ser reduzido, mas, para isso, é preciso um acordo
judicial, como explica o juiz Carlos Alexandre Romano Carvalho, da 2ª Vara
Cível, Criminal e da Infância e da Juventude de Lagoa Santa. “A pensão sempre é
fixada de acordo com a possibilidade de quem paga e as necessidades de quem
precisa dos alimentos. Então, o juiz tem que olhar as duas realidades. A
pandemia por si só não isenta o pai de pagar pensão nem não reduz a quantia.
Ela pode ser um motivo para que se deflagre a redução dos alimentos”,
esclarece.
O magistrado explica que o melhor caminho é a busca de
consenso entre as partes, para evitar um litígio na Justiça. Caso não tenha
condições de arcar com o custo da pensão alimentícia por causa da redução ou da
perda de renda, o responsável deve entrar com uma ação revisional de alimentos.
Por esse dispositivo, com o auxílio de um advogado ou defensor público, o pai
pode conseguir a redução temporária ou prolongada do valor mensal.
O ex-marido de Paula Santos*, por exemplo, busca a redução
do valor da pensão, alegando falta de dinheiro por causa da pandemia. O drama
aumenta pela dificuldade da realização de audiências causada pelas medidas
restritivas para o combate do coronavírus, segundo Paula. “Tenho duas crianças,
de 9 e 6 anos, e o pai delas, mesmo antes da pandemia, ficava sem pagar. Porém,
gerou um montante devedor, e, até hoje, o juiz não determinou que ele pagasse a
pensão ou fosse preso. Com a Covid-19, o fórum não está dando prioridade a essa
necessidade básica das mães e das crianças, que estão desamparadas”, conta.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) informou que
algumas comarcas estão realizando audiências por videoconferência, mas não
soube dizer o número de processos que estão sendo feitos dessa forma, até o
fechamento da matéria. Na 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude
de Lagoa Santa, as audiências estão sendo feitas por meio eletrônico.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu, até 15 de
maio, em todos os graus de jurisdição, os prazos processuais presenciais. Os
processos que tramitam em meio eletrônico serão retomados a partir de 4 de
maio.
Paula conta que o pai das crianças dificulta o contato e as
ações da Justiça. “Ele escondeu onde estava trabalhando, e demoramos para
descobrir e pedir que a empresa desconte na folha o valor da pensão”, reclama.
Ela relata que o homem ainda teria usado estratégias para que o processo
demorasse, como a apresentação de comprovantes de pagamentos feitos a outras
pessoas, e não para o seu filho.
A advogada Silvia (que preferiu omitir o sobrenome), do
escritório André Mansur Advogados Associados, explica que a pensão alimentícia
é um dos únicos casos de prisão por dívida no Brasil, “Como esse dever está
ligado à dignidade da pessoa humana, à própria sobrevivência do credor, ela não
sofre exoneração caso o devedor tenha tido a renda diminuída. A prisão é uma
das poucas coisas que comove o devedor para evitar o abandono financeiro, então,
infelizmente, a lei precisa manter essa punição".
Guarda compartilhada
Outro ponto do direito de família que está sofrendo o
impacto da pandemia do coronavírus é a guarda compartilhada. O isolamento
social dificulta a realização de visitas de pais e mães separados a seus
filhos. Esse é o caso de Paulo Santos*, de 36 anos. “Pais de crianças pequenas
que desejam manter contato e exercer sua função paterna se veem impedidos neste
momento”, lamenta. Para ele, o encontro por videoconferência, orientado pela
Justiça, não é o suficiente, já que seu filho tem 3 anos.
Paulo acredita que os pais estão desprotegidos pela Justiça.
“Você não pode proibir a mãe de defender o filho, mas você tem que dar
garantias para o pai exercer o poder familiar, de estar com o filho durante um
evento histórico, uma crise humanitária. E não tem uma política pública nesse
sentido até agora”, disse.
Para reduzir problemas como o de Paulo, o magistrado Carlos
Alexandre recomenda o bom senso e o diálogo entre as partes. Em alguns casos, o
contato entre pai e filho é negado por causa do isolamento social. “Eu tenho o
caso de um menino aqui, em Lagoa Santa, que tem que visitar a mãe em Contagem
toda semana, mas a criança está no grupo de risco porque ele tem uma doença
congênita”, exemplifica. “O melhor na guarda compartilhada é os pais
conversarem, se não como você vai compartilhar uma obrigação em que você não se
dá bem com a pessoa que é coobrigada?”, explica.
O juiz ainda explica que não existe uma receita que se
aplique a todos os processos e que deve ser analisada a qualidade da relação
entre pai e filho. “Os pais precisam entender que o importante não é o tempo
que você fica com a criança, mas a qualidade. Há casos em que o pai coloca o
filho para jogar videogame e não dá atenção à criança”, relata.
O STJ decidiu, no dia 27 de março, que os presos por
inadimplemento de obrigação alimentar cumpram a pena em casa durante a pandemia
de coronavírus. Porém, o juiz Carlos Alexandre ressalta que essa medida serve
para evitar a proliferação da doença no sistema prisional e não desobriga nem
reduz a necessidade do pagamento da pensão.
Fonte: O Tempo