As medidas de contenção que visam evitar a propagação do
novo coronavírus no Brasil, que foram tomadas pelo Governo Federal, Estadual e
Municipal, suspendeu e limitou a atividade comercial em vários ramos da
economia, inviabilizando a obtenção regular de lucro ou até mesmo a cessando
por completo. Isto se deu não só pelos decretos que impediram a abertura dos
estabelecimentos em todo país, mas também à recomendação de permanência dos
consumidores em suas residências, fato que por si só já prejudicou os negócios
desenvolvidos em razão da queda na procura por bens e serviços.
Assim, as medidas afetaram diretamente grandes e pequenos
empreendedores no sentido de que honrassem seus contratos, afetando inclusive
aquela religiosa quantia destinada mensalmente ao pagamento do aluguel do
imóvel compreendido como estabelecimento comercial. Com o impacto econômico que
tem dificultado o cumprimento das obrigações por parte desses comerciantes,
como o Poder Judiciário Brasileiro tem enfrentado as demandas decorrentes da
situação controvertida entre locatários e locadores?
Obviamente, não têm sido pequena a quantidade de dúvidas
contratuais levantadas durante a pandemia provocada pela Covid-19. Do mesmo
modo, são inúmeros os estudos que objetivam diminuir as dúvidas surgidas neste
campo. De acordo com o Código Civil, o devedor não responde pelos prejuízos
resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por
eles responsabilizado. A partir da análise, vislumbra-se na doutrina que para a
configuração do caso fortuito ou força maior, é necessário que sejam
verificados os seguintes requisitos: o fato deve ser necessário, não
determinado por culpa do devedor, pois, se há culpa, não há caso fortuito; a
reciprocamente, se há caso fortuito, não pode haver culpa, na medida em que um
exclui o outro; o fato deve ser superveniente e inevitável; e de que o fato
deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano.
Sendo assim, podemos concluir que, diante de hipóteses de
exclusão de responsabilidade civil, é possível que seja reconhecida, em favor
de ambos os contratantes, a exclusão de responsabilidade civil, motivada pela
inevitabilidade e imprevisibilidade das circunstâncias, como no caso da
pandemia causada pela Covid-19, pois, conforme prevê o Código Civil, o nexo causal
nas obrigações e responsabilidades advindas das relações locatícias diretamente
afetadas pela pandemia seria rompido, afastando, inclusive, a constituição do
devedor em protesto.
Pois bem. Antes de verificar a aplicabilidade dessas
hipóteses (de exclusão de responsabilidade) na atual crise provocada pela
pandemia na seara contratual, convém relembrar que nos moldes do artigo 18
da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) tem-se a expressa
previsão de que as partes em comum acordo podem renegociar um novo valor de
aluguel, o qual também as dá a prerrogativa de modificar a cláusula de reajuste
do valor. Assim, com base na boa fé e no bom senso face à pandemia instaurada,
entendidas aqui como uma obrigação que se estende a todos os indivíduos nas
relações civis, sejam estes pessoas físicas ou jurídicas, o que se espera é que
tal acordo seja gesticulado no âmbito administrativo e extrajudicial, onde as
partes em consenso poderão flexibilizar as regras obrigacionais decorrentes do
contrato de locação, para que todos juntos alcancem o objetivo principal dos
tempos atuais: a superação da crise.
Deste modo, sem que haja maiores prejuízos e utilizando para
isto o debate, a cooperação e a conciliação desses contratos pode levar em
consideração o fato de que muitos estabelecimentos tiveram seu faturamento
zerado e, por outro lado, a situação econômica dos locadores de
estabelecimentos comerciais, que muitas vezes tem no valor que lhes é pago a título
de aluguel como renda primária, não podendo simplesmente dispor dessas quantias
em razão de estarem elas vinculadas diretamente à sua subsistência.
Mas se a negociação entre o locador e locatário não tiver
resultados positivos, mesmo explícitos os motivos que justificariam tal acordo?
A temática se torna densa neste ponto, pois indubitavelmente não restará
alternativa senão a provocação do Poder Judiciário para dirimir a controvérsia.
As partes podem propor ação revisional de aluguel, cujo requisito temporal é de
três anos de vigência de contrato ou do acordo anteriormente realizado entre as
partes, nos moldes da Lei do Inquilinato, requisito temporal que pode ser
afastado face à excepcionalidade de força maior ou caso fortuito, com base na
Teoria da Imprevisão, que considera que quando, por motivos imprevisíveis,
acontecer uma desproporção entre o valor da prestação devida e o momento de sua
execução, o juiz poderá corrigir o valor. No mesmo sentido, o Código Civil
determina que nos contratos de execução continuada, se a prestação se tornar
excessivamente onerosa para uma das partes, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, é possível pleitear por sua revisão.
Pioneira na análise de pedidos de redução do valor da
prestação de aluguel por motivo da pandemia causada pela Covid-19, a 25ª Vara
Cível de Brasília concedeu tutela antecipada para limitar o adimplemento do
contrato de aluguel apenas no contexto de faturamento da empresa requerente.
Também no mesmo sentido, a 22ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo concedeu
a redução de 70% do valor do aluguel ao inquilino. Analisando as primeiras
decisões, ficou claro que a flexibilização na prestação dos aluguéis depende do
fato de a atividade desenvolvida pelo locatário, no imóvel locado, ter sido
diretamente atingida com o caso fortuito/força maior em razão da pandemia. Nas
decisões avaliadas foram consideradas circunstâncias como: a queda no
faturamento da empresa por conta de ato oficial que impediu sua atividade; as
condições financeiras do locatário diante da situação pandêmica, isto é, se ele
de fato não conseguiria adimplir o aluguel; a situação do locador, se pessoa
física ou empresa e a sua dependência em relação aos valores auferidos a título
do aluguel do imóvel; e se há outras obrigações a serem cumpridas e que são
consideradas de maior urgência, como contratos trabalhistas.
Diante dos fatos expostos, ressalta-se da importância de
cooperação entre as partes nos contratos de aluguel comercial, sobretudo para
que se evite uma quantidade exorbitante de ações no Poder Judiciário, já
sobrecarregado, para que se estabeleça um consenso que pode muito bem ser
ajustado entre locador e locatário. Vivemos em tempos de crise e isto não
compõe novidade. A Ciência do Direito tem por base as relações fundadas nas
ciências sociais, esta que vê no indivíduo e na sua conduta a principal causa
para sistematizar paradigmas e estabelecer princípios. Considerando isso, é
legítima e necessária, nos tempos atuais, a afirmação de necessidade de
cooperação nos contratos de locação de imóveis, sobretudo aos destinados ao
comércio, considerando o desequilíbrio inevitavelmente instaurado em diversos
institutos da seara contratual por conta da Covid-19.
Fonte: Consultor Jurídico