Muitas pessoas planejaram que 2020 se tornaria um ano
melhor. Alguns mudaram de casa, outros iniciaram uma pequena reforma, e todos
nós fomos impactados pela pandemia da COVID-19
De igual forma, a pandemia atinge todas as pessoas, afetando
suas relações jurídicas e uma delas é a que está sob análise deste artigo: as
locações. Principalmente a possibilidade de reduzir o aluguel durante a
pandemia. Se você está passando por esse problema ou conhece alguém que está
nessa situação, acompanhe esse artigo até o final e entenda as possíveis
soluções para este problema.
Consequências da pandemia
Com a pandemia, a estimativa feita em abril para o primeiro
trimestre é de 1,218 milhão de pessoas a mais na fila do desemprego. Há muita
politização no tema, um frouxo embate entre saúde e emprego, quando a
experiência internacional dos países que escolheram um ou outro, mostra que o
resultado de escolher o emprego em prol da saúde causa mais dano ao mercado do
que qualquer outra medida extrema, como o “lockdown”, mas esse não é o tema do
nosso artigo. Vamos lá!
Muitas pessoas desempregadas ou empregados informais
perderam renda, dependendo do auxílio prestado pelo governo, em parceria com a
caixa, no valor de R$ 600,00. Isso, causou um grande baque no mercado
consumidor como um todo, mas no mercado locatício surgiu o problema dessa
obrigação mensal: o aluguel.
Então, entre o gás, a água, a luz ou a comida, muitas
famílias pelo Brasil optaram por não pagar ou pagar parcialmente seus aluguéis.
Da mesma forma, forçadas a fechar seja pela falta de clientes ou pela imposição
governamental, as empresas que alugaram seus espaços comerciais também não
tinham fôlego financeiro para arcar com as suas obrigações, preferindo manter
os empregos aos aluguéis.
Outro ponto que surgiu no mercado imobiliário locatício é a
questão do isolamento. Muitas pessoas que ocupavam uma casa por poucas horas se
viram isolados por longos períodos com todos os familiares, por logo,
insurgiram uma enxurrada de reclamações aos locadores ou demandas judiciais
pela manutenção obrigatória da estrutura do imóvel.
Seja pelo fator psicológico daquela pequena rachadura que
não incomodava e passou a incomodar ou o aumento do uso da parte hidráulica da
casa, consumo de gás e de toda sua infraestrutura revelando problemas pequenos
que deveriam ser consertados, mas grandes problemas surgiram. Imagine-se, no
frio, na pandemia, não ter água e um cano furado pingando encharcando o
banheiro. O mesmo ocorre, mas de outra maneira, quanto a infraestrutura de imóveis
comerciais locados, mas pela não utilização.
O mercado imobiliário locatício
Para nos aprofundarmos um pouco no tema, devemos fazer aqui
uma diferenciação. A doutrina classifica, de modo geral, duas espécies de
locação: locação residencial e locação não residencial (ou comercial).
A primeira espécie é aquela em que uma pessoa física aluga
um imóvel com o intuito de fazer dela sua residência. É vedado, nessa
modalidade, utilizá-la como ponto comercial ou até mesmo sublocá-la, dependendo
da previsão contratual.
Já a segunda destina-se exclusivamente ao comércio, sejam
salas ou até mesmo uma estrutura inteira, como um galpão. De igual forma, na
locação de um imóvel comercial é vedada a sua utilização par fins de moradia.
Vale ressaltar que, é hipótese de rescisão contratual a
destinação diversa do imóvel locado, ou seja, morar em um imóvel comercial ou
abrir um comércio no imóvel residencial.
Fazer essa breve diferenciação é muito importante para o
nosso próximo tópico, onde compreender as diferentes finalidades do imóvel
estão relacionadas as possibilidades de reduzir ou não o aluguel.
O “Fato do príncipe” e os imóveis comerciais e
residenciais
Fato do príncipe é um conceito de direito administrativo
que, em época de pandemia, relaciona-se diretamente com a possibilidade da
redução do aluguel nos imóveis comerciais. Ele ocorre, em linhas gerais, quando
o governo, por meio de um ato administrativo toma determinada atitude que, de
forma direta ou reflexa, impacta a economia, os contratos pactuados e as relações
de consumo, no nosso caso, o aluguel de imóveis comerciais.
Aqui, o fato do príncipe é a proibição de aglomerações,
não a recomendação do isolamento. Por este motivo, os imóveis comerciais
locados que sofrem o impacto econômico pela proibição de aglomeração de pessoas
consumindo têm tido êxito nas reduções de aluguel, taxas ou qualquer encargo
relacionado.
De igual forma, aqueles empreendimentos que têm a
possibilidade da utilização do delivery, que não lastreiam sua principal renda
no comercial presencial, como os “e-commerces” que utilizam o imóvel locado
como estoque, não tem conseguido a redução dos aluguéis por meio de ação.
Quanto aos imóveis residenciais, o judiciário tem se
posicionando a favor da redução dos alugueis nos casos em que há prova cabal da
redução de renda das pessoas que trabalham em locais que foram afetado pelo
fato do príncipe, ou seja, que tiveram que ficar em casa pois o comércio não
pôde abrir em razão da aglomeração.
Vale ressaltar que, para o caso dos imóveis residenciais, a perda
da renda é um efeito reflexo do fato do príncipe, então dependerá
exclusivamente da prova de que a pessoa não tem como auferir renda, mesmo tendo
emprego com carteira assinada. Isso complica, principalmente, a vida das
pessoas que dependem do emprego informal, pois estes são aqueles que não estão
trabalhando pela recomendação do isolamento e não pelo reflexo do ato estatal.
Para os informais a redução do aluguel dependerá da prova
inescusável da possibilidade dessa pessoa ter de escolher entre comer e quitar
suas obrigações. Para tanto, os tribunais já vinham se posicionando a evitar o
despejo por meio de liminares. Seguindo o movimento do judiciário, foi editado
a PL 1.179/2020 que suspendeu temporariamente leis do Direito Privado enquanto
durar a epidemia de Covid-19 no Brasil.
Nesse projeto, ficarão suspensas a concessão de
liminares para despejo de inquilinos por atraso de aluguel. Tais medidas visam
atenuar as relações civis, principalmente daqueles que auferem renda da
informalidade.
Vamos nos aprofundar um pouco mais sobre os requisitos pelo
qual o judiciário tem se debruçado para analisar se os aluguéis podem ou não
serem reduzidos.
Sempre é possível reduzir?
O primeiro ponto analisado pelo judiciário quando alguém
move uma ação pleiteando a redução dos aluguéis é o lapso de tempo.
Compreende-se o momento da pandemia ter causado reflexos na nossa economia e na
sociedade a partir do mês de março, onde os primeiros casos começaram a surgir
no Brasil e as primeiras orientações de isolamento e proibição de aglomerações
foram editadas, portanto, débitos anteriores que se fundamentam na perda da
renda não tem tido sucesso na redução, pois à época o devedor contumaz tinha
plena capacidade financeira.
Outro ponto que o judiciário tem se debruçado é sobre a real
condição financeira de quem pleiteia a redução. Por isso, a prova da redução
dos aluguéis é mais difícil para o informal, pois para quem tem emprego formal
a redução do salário e o fato de atuar em área impactada pela proibição da
aglomeração tem sido basilar para o judiciário. Contudo, as situações são
vistas caso a caso, levando em consideração o princípio do equilíbrio
contratual e a função social dos contratos, visto que quem aluga, também pode
ter como única fonte de renda os aluguéis e em um contrato de aluguel os ônus
devem ser divididos e não suportados por apenas uma das partes.
Por fim, um ponto que o judiciário tem sido acionado é o
embate entre aquele que quer a suspensão dos aluguéis e a redução dos aluguéis.
Devo ressaltar que a jurisprudência tem preferido as reduções de aluguel em
prol das suspensões, pelos argumentos já citados aqui: o equilibro contratual
impede que um bem locado tenha, de modo geral, que ser cedido gratuitamente sem
que isso impacte grande prejuízo ao proprietário do imóvel. Contudo, essas
situações devem ser analisadas caso a caso.
A importância do acordo entre Locador e Locatário
Chegamos ao ponto principal deste artigo. Nessa época de
incertezas, acionar o judiciário tentando a redução dos aluguéis parece a solução
mais simples, mas pode trazer grande dor de cabeça para locador e locatário,
isso porquê uma liminar que nega a concessão obrigará quem está em
dificuldade a cumpri integralmente a sua obrigação, podendo dificultar ainda
mais a sua situação que, escolhendo se come ou paga seus funcionários ou paga
aluguel, ser obrigado por uma decisão judicial a cumprir uma obrigação que não
tem forças financeiras para o mesmo, pois tudo dependerá das provas e da
interpretação dada a elas.
Por isso, é recomendável a locadores e locatários observarem
que viveremos meses de incertezas, devendo o acordo entre eles ser a única
variável controlável, pois quem paga sabe o quanto poderá pagar e quem loca,
sabe qual o valor mínimo que poderia receber. Vamos ver algumas propostas que
podem ser pactuadas:
É possível que os valores suspensos para os meses dessa
pandemia sejam postergados aos últimos meses de contrato, por exemplo: João
paga mil reais por mês de aluguel, se os pagamentos ficarem suspensos por 3
meses, ao final do contrato ele pagará 2 mil reais nos últimos 3 meses, nos
contratos por prazo determinado.
Outra possibilidade é a redução dos aluguéis e manutenção
dos encargos. Aqui, o locador realmente abriria mão desse valor, nos meses
afetados pela pandemia. Também dependerá de acordo quanto as obrigações
acessórias como taxas condominiais, impostos etc., pois algumas dessas
obrigações dependem de outros agentes, como o condomínio para as taxas e a
prefeitura quanto ao IPTU e o acordo feito pelas duas partes não afetará
terceiros.
Também é possível que essa porcentagem reduzida ou suspensa
seja diluída nos meses posteriores, por exemplo: João pagando mil reais,
suspende o aluguel por 3 meses e nos meses posteriores, pagará R$ 1.200 nos
próximos meses até atingir a quantia suspensa. A mesma possibilidade pode se
aplicar nos casos de redução.
Essas três propostas são exemplos, possibilidades, pois cada
indivíduo dessa relação tem total permissão para pactuar o que for cômodo para
a relação de ambos, desde que não seja ilícito.
Realizar o acordo entre o locador e o locatário é a solução
mais segura para ambos, pois se submeter ao judiciário a decisão será baseada
nas provas, avaliando caso a caso. Então, devo lembrar ao locador que, após a
pandemia, o melhor negócio que você fará é manter um locatário honesto que quis
honrar suas obrigações, em um mercado com diversos imóveis à disposição, seja
pela queda da economia, seja pela inadimplência que resultaram em uma enxurrada
de despejos. No mesmo sentido, você locatário busque o diálogo com o locador do
seu imóvel, evite a judicialização. O diálogo é o caminho para todos.
Fizemos um acordo, e agora?
Uma vez firmado o acordo, é importante que esse documento
seja reduzido a termo, assinado por locador e locatário, bem como duas testemunhas.
Deve conter nesse adendo, a explicação da situação ocorrida, no caso a
pandemia, bem como a proposta que foi acordado pelas partes. Firmado este
adendo, ele precisa ser anexado ao contrato no cartório de registro de imóveis
onde o primeiro contrato foi averbado à matrícula do imóvel.
Se essa providência não foi realizada, basta anexá-lo
fisicamente ao contrato, guardando uma cópia para cada parte. A partir da
assinatura, ficará pactuado o acordo, lembrando que ele deve ter vigência não
superior ao contrato, se ele for por prazo determinado.
Fonte: Jornal Contábil