A função de uma due diligence, analisar o imóvel sob
todas as perspectivas, enxergando as mais variadas questões
Uma explicação necessária
Walter Ceneviva, advogado militante, professor adorado por
seus alunos e admirado por seus pares, é um referencial para todos aqueles que
trabalham com o Direito Imobiliário.
Seu nome e sua presença me acompanham há muitos anos, mais
precisamente desde 1976. À época, cursava o terceiro ano da Faculdade de
Direito do Largo de São Francisco, e já estagiava com meu tio Nívio Terra
(grande advogado, exemplo de professor na arte de advogar, mestre e orientador
desde 4 de março de 1974 até os dias de hoje).
Todos sabem que a Lei de Registros Públicos (6.501/1973)
entrou em vigor em 1º de janeiro de 1976, ano em que nossa querida AASP, sob a
presidência de Mário Sérgio Duarte Garcia (outro modelo de advogado e homem
público e com quem tenho a honra de trabalhar e aprender desde 1997), promoveu
a realização de um de seus incontáveis cursos, tão úteis para nós, advogados e
estagiários de Direito. As exposições apresentadas pelo juiz Gilberto Valente
da Silva (então titular da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, SP,
Corregedoria Permanente dos Registros de Imóveis e de Títulos e Documentos paulistanos,
e coautor (juntamente com Egas Dirson Galbiatti, então titular da 2ª Vara de
Registros Públicos, Corregedoria Permanente dos Tabeliães de Notas e de
Protestos) do indispensável Provimento 3/1976, guia seguro para entendimento e
aplicação da novel lei registrária), e pelos advogados Walter Ceneviva, Nelson
Kojranski, Bartholomeu Bueno de Miranda e Arlindo Carvalho Pinto Neto foram
reunidas pela AASP no volume A Lei dos Registros Públicos e o Direito
Imobiliário (1976).
Walter Ceneviva brindou-nos com duas exposições, uma sobre
"A Documentação Imobiliária e a Nova Lei dos Registros Públicos" e,
também, "Patologia do Negócio Imobiliário nos seus Aspectos Civis e
Penais".
Durante muito tempo vali-me desse precioso livreto publicado
pela AASP, mas o tempo passou e, por alguma razão, ficou ele guardado em locais
profundos de minha memória.
Ao receber recentemente o convite para escrever algumas
linhas na Revista do Advogado, em homenagem ao grande Walter Ceneviva,
imediatamente vieram à tona aquelas lições no distante 1976 e, com enorme
satisfação, encontrei em nossa biblioteca esse exemplar, e o reli após tantos e
tantos anos, confirmando que a sensação pelo advogado agora experiente em nada
difere daquele sentimento do jovem estagiário.
Em sua exposição "Patologia do Negócio Imobiliário nos
seus Aspectos Civis e Penais", Ceneviva, com a didática que lhe é
imanente, apresentou-nos uma digressão sobre a normalidade dos negócios
jurídicos e também sobre sua anormalidade (patologia), discorrendo sobre
diversos temas, tais como disponibilidade de bens, áreas rurais, loteamento,
sucessão de registro, descrição, partes, condomínio, pagamento, aldeamento: um
caso especial, "grilos", ônus, partilha, notificações e protestos,
cessão de direitos, incorporações e desmembramentos e aspectos penais.
Ceneviva encerrou sua exposição com o seguinte alerta,
merecedor de sua transcrição integral e literal, de sorte a servir de
estrela-guia a todos nós, advogados que nos aventuramos no estudo de
documentação imobiliária – ou, como se diz costumeiramente hoje pelos mais
jovens, DD ou Due Diligence, diligência devida, que "corresponde
a um verdadeiro check-list da situação atual do imóvel e de seu
titular, verifica-se a existência de apontamentos que possam inviabilizar a
aquisição, são analisadas certidões relativas aos titulares do bem, certidões
do imóvel, análise de eventual passivo, impeditivos ambientais, zoneamento,
entre outros documentos" (CASTRO, 2013, p. 93).
Ceneviva citou um acórdão do Conselho Superior da
Magistratura1 a respeito do estudo documental na aquisição de imóvel,
alertando "[...] o quanto é importante o papel do advogado, e quanto mais
cresce de importância a contribuição do advogado no exame da documentação e do
negócio imobiliário, no esforço pela diminuição dos casos patológicos,
infelizmente tão numerosos. É uma forma de valorização de nossa profissão.
Quando nós contribuímos para que os nossos clientes, pela nossa cautela, evitem
situações de constrangimento, de dificuldade, de prejuízo, nós cumprimos o
primeiro de nossos deveres, que é o de bem acentuar os aspectos, mais dignos e
mais honrosos de nossa nobre e bela profissão" (CENEVIVA, 1976, p. 68).
A due diligence é o máximo de precaução que se
exige "[...] a un directivo o membro de um Consejo de Administración, antes
de tomar decisiones inversoras. En el momento de tomar la decisión de invertir
y, por consiguiente, arriesgar el patrimônio de la empresa a la que representa,
el inversor debe assumir todas las consecuencias y circunstancias de la misma,
sin que quede resquício alguno que no haya sido previsto e analizado. En
términos más sencillo, se trataria de 'ver' el inmueble desde todas las
perspectivas posibles" (INMOLEY, 2003, p. 24).
Sublinho: ver o imóvel desde todas as perspectivas
possíveis!
Anos atrás, um cliente soltou esta máxima: "o que
preocupa não é a má notícia, é a surpresa!", que bem sintetiza a função de
uma due diligence, analisar o imóvel sob todas as perspectivas, enxergando
as mais variadas questões, e mapeando eventuais riscos e meios de sua eliminação
ou mitigação.
Escopo
Patologia significa, segundo os léxicos, "ramo da
medicina que se ocupa da natureza e das modificações produzidas no organismo
por doenças" (HOLANDA, 2010, p. 569). Nesse sentido, negócio jurídico
imobiliário patológico é negócio jurídico doente.
E, tal como o médico, o advogado pode agir preventivamente
(como um clínico) ou reativamente (tal qual um cirurgião).
Meu foco será a atuação preventiva, isto é, os quadrantes de
uma due diligence no negócio jurídico de base imobiliária,
considerando o interesse do cliente em uma aquisição ou oneração sempre firme,
boa e valiosa, como é de praxe se dizer, mas tendo como norte a observação de
José Renato Nalini de que "O papel do profissional do direito nas
auditorias é crescente e complexo" (NALINI, 2003, p. 59), na esteira de
antiga advertência de Biasi Ruggiero (outro grande advogado imobiliarista),
comentando os riscos decorrentes da introdução da desconsideração da pessoa
jurídica e da união estável, "[...] talvez só com reza braba e o auxílio
de um pai-de-santo, o comprador do imóvel pode sentir segurança jurídica ao
adquirir o bem [...] E o infeliz advogado chamado a opinar ficará em maus
lençóis ao ter de aconselhar a compra apenas mediante certidões negativas dos
distribuidores forenses [...]" (RUGGIERO, 1999, p. 2)2.
Mas, diante da escassez de tempo e de espaço, meu foco será
ainda mais aproximativo, pois não me estenderei a todas as vicissitudes
passíveis de serem encontradas no negócio jurídico imobiliário (e são inúmeras
e incontáveis, infelizmente, e para nossa tristeza cidadã de termos de explicar
tais vicissitudes a investidores estrangeiros!).
Concentrarei meus esforços na tentativa de uma
releitura3 e, audaciosamente, de uma revisão do estudo de documentação
imobiliária à luz do inescondível medo que todos temos de surgimento de algum
credor que, do alto de seu crédito, tente invalidar a operação levada a cabo
por nossos clientes.
Lanço, desde já, meu repto: será que podemos e devemos
estudar os institutos de Direito Civil (fraude contra credores) e de Direito
Processual Civil (fraude de execução) tal como nossos antecessores o fizeram?
Não seria o caso de renovarmos o olhar, à luz de toda uma
realidade atual? Penso que sim, lembrando esta interessante decisão:
"De fato, como poderia alguém, hoje em dia, adquirir em
paz um imóvel, com todas as cautelas possíveis e previstas no ordenamento se a
qualquer tempo pode surpreender-se com uma decisão judicial afirmando,
simplesmente, que tal aquisição é de nenhum valor? Onde estariam, a essa
altura, a harmonia do direito e a tranquilidade social a que deve ele servir?
Como praticar um ato jurídico, de acordo com o direito protegido pelo direito,
se esse mesmo direito não lhe dá garantia alguma da certeza de sua existência,
validade e eficácia?"4.
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Fonte: Migalhas