A garantia fiduciária prestada por devedor convivente em
união estável sem a outorga uxória — a autorização do companheiro — é
parcialmente nula, devendo ser resguardada a parcela correspondente à meação do
bem.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça negou provimento a recurso especial de empresa que recebeu um imóvel
como garantia e tentava evitar a nulidade da consolidação. Quando o imóvel for
vendido, parte da renda terá de ser destinada à companheira.
No caso, a união estável estava registrada em cartório e era
de conhecimento da empresa quando o negócio foi celebrado. Ainda assim, ela não
exigiu a autorização. Já a companheira sabia da negociação, mas não anuiu
efetivamente com o negócio.
Para a ministra Nancy Andrighi, relatora, se a companheira
não foi expressamente informada e não autorizou o negócio envolvendo o imóvel
em que residia com o devedor, a garantia deve ser parcialmente nula, válida
apenas a parte referente ao companheiro.
Isso porque, ainda que soubesse dos contornos do negócio, a
companheira não participou de sua formalização, o que incluiu justamente a
escritura onde se fez a alienação fiduciária.
Exigência de autorização
Abriu divergência no caso o ministro Marco Aurélio Bellizze,
que destacou que o negócio foi firmado entre as partes em 2 de janeiro de 2001,
ainda sob a égide do Código Civil 1916, que não exigia a autorização de
convivente em união estável.
Assim, ainda que a empresa soubesse da situação civil, não
houve má-fé, o que afasta a nulidade. Na época da contratação, possuía o
respaldo da jurisprudência dominante.
“Nesse contexto, a não-exigência de autorização não pode ser
entendida como negligência da parte contratante. A companheira tinha
conhecimento dos contornos do negócio, ainda que formalmente não tenha dado a
autorização. Sendo válida a garantia dada, não se pode preservar sequer a
meação da companheira”, afirmou.
Pós-Constituição de 88
“Esse processo é singular”, rebateu a ministra Nancy
Andrighi. Explicou que é inequívoco que a empresa sabia da existência da
companheira. E que em janeiro de 2001, antes do Código Civil de 2002, união
estável já há muito havia sido equiparada a entidade familiar: primeiro pela
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226; depois pela Lei 9.278/1996,
que o regulamenta.
O entendimento foi acompanhado pelos demais ministros da 3ª
Turma. “Já havia um regime jurídico que foi se consolidando com o Código Civil
de 2002 e a jurisprudência do STJ”, apontou o ministro Paulo de Tarso
Sanseverino.
O julgamento foi encerrado na sessão desta terça-feira
(16/6), com voto-vista do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, acompanhando a
relatora. “À época já estava em vigor a Lei da União Estável. Aí já seria
necessária a cautela a respeito”, concordou o ministro Moura Ribeiro, último a
votar.
A divergência foi mantida pelo ministro Marco Aurélio
Bellizze. “Penso que, do jeito que ficou, todos sabiam de tudo, inclusive a
companheira. Parece que ela está levando vantagem sobre a outra parte”,
concluiu.
REsp 1.663.440
Fonte: Consultor Jurídico