Não existem dúvidas de que a tecnologia acarretou mudanças
de relevo na remodelação do tecido social. Era certo que uma hora ou outra a
tecnologia iria impregnar as mais variadas atividades, públicas e privadas,
mas, com o advento da decretação da pandemia da Covid-19 pela Organização
Mundial de Saúde, não foram poucas as vozes ecoantes no sentido de antecipação
desse fenômeno.
Diante desse cenário, é editado o Provimento nº 100 do
Conselho Nacional de Justiça, na data de 26 de maio, instituindo a realização
de atos notariais eletrônicos através do sistema denominado e-Notariado.
Já no artigo 2º do provimento há expressa disposição de
alguns conceitos importantes para se compreender os demais preceitos
normativos. Um deles, em especial, chama a atenção: a digitalização ou desmaterialização,
que seria "o processo de reprodução ou conversão de fato, ato,
documento, negócio ou coisa, produzidos ou representados originalmente em meio
não digital, para o formato digital" (inciso VIII).
O curioso é que tais termos são bastante difundidos por
Peter Diamandis, fundador e presidente executivo da Singularity University,
importante universidade americana com foco na inovação. O autor introduziu a
noção dos "6Ds" das tecnologias exponenciais, incluindo seis
características, todas se iniciando com a letra "d", abarcando a
digitalização, a decepção, a disrupção, a desmonetização, a desmaterialização e
a democratização. Se a digitalização seria o primeiro passo das
tecnologias exponenciais, onde altera-se o mundo físico para o digital, a desmaterialização é
um processo mais avançado, consistindo "no desaparecimento dos próprios
produtos e serviços", inserindo-os em outros mais econômicos e
democráticos [1].
Por certo, tal menção às constatações de Peter Diamandis é
apenas uma referência literária para os termos utilizados pelo Provimento nº
100 do CNJ, que inseriu como sinônimo as palavras digitalização e desmaterialização.
O certo é: todo esse fenômeno tecnológico já estudado pelos
mais diversos setores econômicos também chegaria à esfera jurídica, tanto nos
processos judiciais quanto nos procedimentos administrativos realizados por
outorga de delegações de notas e registros dos Estados. Foi justamente o que
ocorreu com o Provimento nº 100 do CNJ, inclusive trazendo influxos à
realização de divórcios extrajudiciais.
Desse modo, a partir de agora, com a criação do sistema
digital e-Notariado, todos os tabeliães do Brasil devem se utilizar desse
sistema, independentemente de qualquer tipo de vacatio, o que inclui a
prática de atos concernentes ao divórcio consensual extrajudicial.
O divórcio consensual extrajudicial realizado por Ofício de
Notas em território nacional continuará sendo regido pelo CPC/15 e pela
Resolução nº 35 do CNJ. Mas o que antes era realizado por meio presencial,
agora passa a se operacionalizar por meios digitais.
É o caso, por exemplo, da forma pela qual a captação da
manifestação de vontade é captada pelo tabelião. Isso porque, de acordo com a
Resolução 35 do CNJ, será essencial para a lavratura da escritura pública de
divórcio extrajudicial a manifestação de vontade espontânea e isenta de vícios
em não mais manter a sociedade conjugal (artigo 47). Se antes da vigência do
Provimento nº 100 essa manifestação de vontade era captada de forma presencial,
agora ela o será através de videoconferência.
Para a realização do divórcio extrajudicial, o procedimento
previsto na Resolução nº 35 do CNJ deverá ser agora observado em consonância
com o disposto no Provimento nº 100. É possível fazer um paralelo entre o antes
e o depois.
Vejamos
Se antes o início do procedimento ocorreria de forma
presencial ou através de meios não uniformes estabelecidos de forma unilateral
pelo Ofício de Notas, agora deverá ocorrer através de comunicação por
telefone, endereço eletrônico de e-mail ou uso de plataformas eletrônicas de
comunicação e de mensagens instantâneas (artigo 32).
Nesse momento, deverão ser apresentados de forma digitalizada
todos os documentos necessários para o divórcio consensual: certidão de casamento;
documento de identidade oficial e CPF/MF; pacto antenupcial, se houver;
certidão de nascimento ou outro documento de identidade oficial dos filhos
absolutamente capazes, se houver; certidão de propriedade de bens imóveis e
direitos a eles relativos; documentos necessários à comprovação da titularidade
dos bens móveis e direitos, se houver; declaração de inexistência de filhos
comuns ou que são absolutamente capazes, indicando nomes e as datas de
nascimento; e declaração que a cônjuge mulher não se encontra em estado
gravídico ou ao menos, que não tenha conhecimento sobre esta condição (artigos
33 e 34).
No que concerne à segunda etapa, se antes ocorria
a análise dos requisitos essenciais e a captação de vontade presencial ou
através de procuração, agora, o tabelião designará videoconferência com os
cônjuges, captando a manifestação de vontade de ambos. Nenhum dispositivo do
provimento impõe que a videoconferência seja realizada em um único ato, de modo
a ser viável interpretação no sentido de que ocorra a sua realização em
separado.
Certamente, tal disposição mitigou a necessidade dos
divórcios consensuais realizados por procuração, que era a exceção ao
comparecimento presencial no momento da lavratura da escritura, conforme
previsão no artigo 36 da Resolução nº 35 do CNJ.
Quanto à terceira etapa, se antes a lavratura da
escritura pública ocorria de maneira física, agora ela se desenvolverá
eletronicamente. As partes receberão um link de acesso para que assinem
eletronicamente a escritura.
Também na escritura pública eletrônica deverá constar que as
partes foram orientadas sobre a necessidade de apresentação de seu traslado no
registro civil do assento de casamento, para a averbação devida (artigo 43,
Resolução nº 35, CNJ). Assim, as partes deverão requerer a averbação no Ofício
de Registro Civil das Pessoas Naturais.
Em relação à territorialidade, o divórcio deverá se
desenvolver em qualquer Ofício de Notas do Município de domicílio das partes, a
partir da verificação do título de eleitor ou de outro domicílio comprovado
(artigos 20, parágrafo único, e 21, II, Provimento nº 100, CNJ). Observada essa
circunscrição territorial, é livre às partes escolher o Ofícios de Notas de sua
confiança.
Por isso, a previsão contida no artigo 1º da Resolução nº
35, CNJ que determina que "para a lavratura dos atos notariais de que
trata a Lei nº 11.441/07, é livre a escolha do tabelião de notas, não se
aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil" passa
a ser interpretada em consonância com as previsões do Provimento nº 100 do CNJ.
Dúvida pode vir a surgir no caso da existência de múltiplos
domicílios pelos cônjuges, principalmente diante da atual possibilidade de
mitigação do artigo 1.566, II, que impõe a vida em comum, no domicílio
conjugal. Nesse caso, parece que as partes poderão escolher entre os municípios
de quaisquer dos domicílios.
Diante do exposto, é possível se concluir que, de fato, o
Provimento nº 100 foi bastante salutar ao trazer essa antecipação da era
digital também para os procedimentos notariais, especialmente aos divórcios
consensuais.
Nos moldes do exposto por Peter Diamandis, pode-se perceber
que, independentemente de se tratar de uma etapa de digitalização ou de
desmaterialização, o CNJ deu um importante passo para a inserção dos atos notariais
também na era tecnológica.
Fonte: Consultor Jurídico