O grupo interinstitucional de pesquisa "Fundamentos do
Direito Civil Contemporâneo", integrado por Professores da Universidade de
Pernambuco, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Universidade Federal do Piauí e da Universidade Federal do
Mato Grosso produziram nota técnica manifestando sua contrariedade aos vetos
presidenciais à Lei n. 14.010/2020. A nota técnica foi enviada às lideranças do
Senado Federal, e segue subscrita pelos Professores Doutores que coordenam o
grupo. Para o grupo, faz-se necessária a rejeição aos vetos a fim de
proporcionar ao Povo brasileiro um conjunto de medidas jurídicas adequadas ao
enfrentamento dos problemas que afetam a população neste período de pandemia do
coronavírus.
Veja a íntegra da nota:
NOTA TÉCNICA – Vetos a Lei n. 14.010/2020, que dispõe
sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de
Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus.
1. O grupo interinstitucional de pesquisa “Fundamentos do
Direito Civil Contemporâneo” é integrado por pesquisadores da Universidade de
Pernambuco, Universidade Federal de Pernambuco, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Universidade Federal do Piauí e da Universidade Federal do Mato
Grosso; e vem a público manifestar sua discordância quanto aos vetos do Exmo.
Sr. Presidente da República em relação aos artigos 4º, 6º, 7º, 9º e 11 da Lei
n. 14.010/2020.
2. O Projeto de Lei do Senado n. 1.179/2020 que deu origem a
Lei foi fruto da colaboração de membros do Supremo Tribunal Federal, do
Superior Tribunal de Justiça e das principais Universidades do País; recolhendo
sugestões inclusive de membros deste grupo de pesquisa interinstitucional e de
diversas agremiações científicas e especialistas no assunto.
3. As disposições contidas nos artigos vetados veiculam
soluções adequadas para os problemas jurídicos vividos neste momento
excepcional, buscando evitar o incremento na judicialização, que já se nota nos
diversos foros do País. Ademais, verifica-se que as soluções apresentadas em
tais dispositivos levaram em consideração as peculiaridades do direito
nacional, e guardam similaridade com soluções adotadas em nações estrangeiras
que também padecem dos efeitos da pandemia do coronavírus.
4. Em relação ao veto ao art. 4º, a mensagem de veto ao
dispositivo lastreia a medida em uma suposta insegurança jurídica, tendo em
vista a edição da Medida Provisória n. 931 de 2020, tratando de aspectos do
funcionamento de sociedades anônimas, limitadas, etc. Ocorre que tal alegação
não se sustenta, porquanto o dispositivo do art. 4º estabeleça restrições a
realização de assembleias e reuniões presenciais até 30 de outubro, enquanto a
Medida Provisória permita a realização de reuniões e assembleias de forma remota,
facultando aos sócios a participação e votação a distância.
5. Quanto aos vetos aos artigos 6º e 7º, a Presidência da
República justifica-os alegando contrariedade ao interesse público, porquanto o
ordenamento jurídico já disponha de “mecanismos apropriados para a modulação
das obrigações contratuais”, a exemplo da teoria da imprevisão e do instituto
da resolução por onerosidade excessiva.
6. Tal justificativa, contudo, não tem relação com o artigo
6º da referida Lei, porquanto tal dispositivo estabeleça ressalva necessária
quanto a aplicação da lei, a fim de não permitir a invocação dos desdobramentos
da pandemia para se eximir do cumprimento das obrigações vencidas antes de 20
de março de 2020.
7. Também não se sustentam as razões apresentadas para o
veto ao artigo 7º da Lei, que não se constitui em uma inovação no direito
brasileiro, porquanto a doutrina e a jurisprudência nacionais já reputassem que
a inflação, a variação cambial, a desvalorização da moeda, etc., não
representam qualquer novidade na história brasileira recente. O caput do art.
7º, portanto, apenas reconhece tais realidades, que se constituem em fatos
previsíveis para a pessoa razoável. Some-se a isto a ressalva necessária
prevista nos §§ 1º e 2º do art. 7º, no sentido de excluir os contratos de
locação de imóveis urbanos e os contratos de consumo do alcance da Lei sob
análise, de modo que a revisão de tais espécies contratuais não devem se
submeter às regras próprias do Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações
jurídicas de Direito Privado. A manutenção do veto ao art. 7º não é bem-vinda,
a medida em que gera dúvidas quanto ao alcance da lei.
8. Em relação ao veto ao art. 9º, a Presidência da República
assevera que tal medida se justifica em razão da preservação do interesse
público, pois a suspensão de um dos expedientes de execução do contrato de
locação por prazo relativamente longo caracterizaria uma proteção excessiva ao
inquilino, em prejuízo do locador; além de configurar incentivo a inadimplência.
Mais uma vez, o veto não se justifica. O impedimento temporário da concessão de
liminares de despejo não inviabiliza o recurso a outros meios de execução dos
contratos de locação, a exemplo da penhora em dinheiro, protesto judicial e da
utilização de medida executivas atípicas. Ademais, considerar que tal medida se
constitui em um estímulo a inadimplência parece presumir a má-fé dos
inquilinos, o que se constitui em um preconceito infundado, que não encontra
respaldo na realidade. O veto a tal dispositivo deve ser revisto, em nosso
entender, tendo em vista a necessidade de cooperação para a efetividade das
medidas de isolamento social durante o período da pandemia.
9. No que diz respeito as razões do veto ao art. 11, a
Presidência da República alega que tais medidas explicitadas no dispositivo
vetado retirariam a autonomia e a necessidade de deliberações por assembleia,
restringindo a vontade coletiva dos condôminos. Parece-nos que tais razões
também não encontram apoio na boa dogmática jurídica, que considera que o
exercício do direito de propriedade deve ser limitado pelo bem comum. Tendo em
vista as circunstâncias excepcionais da pandemia e a necessidade de isolamento
social, o dispositivo em questão apenas explicita alguns dos deveres dos
condôminos, positivados no art. 1.336 do Código Civil: “Art. 1.336. São deveres
do condômino: II - não realizar obras que comprometam a segurança da
edificação; IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e
não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos
possuidores, ou aos bons costumes”. Ora, o ingresso indiscriminado e a
circulação irrestrita de pessoas estranhas ao condomínio podem colocar em risco
a saúde e a segurança dos condôminos, o que justifica a adoção das medidas
temporárias e excepcionais pelo síndico nos termos do art. 11 da Lei da lei em
questão.
10. Ademais, não se pode olvidar que tais disposições foram
aprovadas unanimemente pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, após
ampla escuta da comunidade jurídica e do Governo Federal. Rogamos para que tais
vetos sejam rejeitados pelo Poder Legislativo Federal, a fim de proporcionar ao
Povo brasileiro um conjunto de medidas jurídicas adequadas ao enfrentamento dos
problemas que afetam a população neste período de pandemia do coronavírus.
Subscrevem esta nota, os líderes do grupo de pesquisa
“Fundamentos do Direito Civil Contemporâneo”:
Fonte: Consultor Jurídico