O não pagamento de valores determinados pela partilha de
bens em um divórcio não pode ensejar aplicação extensiva Lei nº 8.009/90,
afastando a impenhorabilidade do bem de família. A exceção prevista no artigo
3°, inciso II da norma não alcança o ex-marido que não recebeu os 50% que a
ex-mulher se comprometeu a pagar.
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça deu provimento para reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina que deu interpretação expansiva à Lei 8.009/90. A decisão foi
unânime.
No caso, ficou definido na ação de divórcio a partilha dos
bens em 50% de parcelas pagas referentes a um apartamento e um
automóvel. A ex-mulher manifestou o desejo de ficar com os bens, mas não
repassou o valor ao ex-marido, que deu início ao cumprimento da sentença.
A inércia da mulher após intimação para pagamento levou ao
pedido de penhora do imóvel, que foi afastado em primeiro grau, mas permitido
pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina. A corte estadual aplicou a hipótese
na exceção estabelecida no inciso II do artigo 3º da Lei nº 8.009/90.
A interpretação da norma foi extensiva. Ela admite superar a
impenhorabilidade do bem de família se o processo for movido "pelo titular
do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do
imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do
respectivo contrato".
Relator, o ministro Marco Buzzi apontou que a decisão
afronta de maneira direta a lei, haja vista que o ex-marido não é o agente
financeiro que concedeu o mútuo para a aquisição do apartamento e não tem
qualquer equivalência a instituição financiadora.
A violação é agravada pelo fato de que o imóvel foi
adquirido pela mulher, mediante mútuo, antes do casamento, e a execução não é
fundada em dívida por conta do próprio imóvel, mas sim decorrente da meação de
bens no divórcio. A meação corresponde ao reconhecimento da contribuição
do ex-marido no pagamento de algumas parcelas.
"Em que pese exista o dever legal e moral da ex-cônjuge
de indenizar o recorrido pelos valores que esse verteu à aquisição dos bens
(imóvel e veículo), a impenhorabilidade do bem de família no caso ora em foco
sobrepõe-se à satisfação dos direitos do credor, dada a ausência de
enquadramento nas situações previstas nos arts. 3° e 4° da Lei 8.009/1990, os
quais devem ser interpretados restritivamente", concluiu Buzzi.
Penhora parcial
A decisão descarta também a hipótese da penhora parcial. A
jurisprudência do STJ só a admite, de forma excepcional, quando for possível o
desmembramento do imóvel em unidades autônomas, e ainda assim tendo em
consideração a razoabilidade, as circunstâncias e peculiaridades do caso.
"Tendo em vista que a finalidade da Lei nº 8.009/90 não
é a de proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens
impenhoráveis, mas sim abrigar a família, evitando a sua desarticulação, mesmo
que a penhora viesse a ter recaído tão somente sobre a metade do bem do devedor
a impenhorabilidade não poderia ser afastada do bem de família, em cujo imóvel
indivisível reside sua ex-mulher e seu enteado", concluiu o relator.
REsp 1.862.925
Fonte: Consultor Jurídico