O ano de 2020 já está marcado na história. O surto da
covid-19 em todo o mundo fez o Estado Brasileiro decretar a calamidade pública
que se iniciou em 20 de março com prazo final para 31 de dezembro desse mesmo
ano por meio de Lei Federal.
As relações sociais e por conseguinte as empresariais foram
fortemente impactadas. Desde o início da pandemia o Ministério da Saúde
recomendou que os cidadãos ficassem em casa com o intuito de “achatar a curva
de contaminação” visando evitar que os brasileiros sofressem o que os
italianos, espanhóis e outros povos foram acometidos.
Somos testemunhas das notícias de compras de respiradores,
construção de hospitais de campanha e trocas ministeriais. Apesar do pedido do
Presidente da República para que as atividades comerciais fossem mantidas o que
se viu foram prefeitos e governadores estabelecendo quarentenas e até mesmo o lockdown.
A pandemia afetou as relações sociais e muitas mudanças
legais tiveram que ser implementadas em regime de urgência. Por meio das
Medidas Provisórias, espécie de ato normativo sancionado pelo Presidente da
República mediante prévia e rápida análise do Congresso Nacional, as normas
federais foram alteradas para atender as pessoas sejam elas físicas ou
jurídicas.
Foram várias medidas sancionadas até o presente momento.
Aprovadas em regime de urgência também foram questionadas perante o Supremo
Tribunal Federal visando o controle de constitucionalidade, atraindo para a
Corte suprema a necessidade de julgamentos céleres afim de atender às
necessidades dos brasileiros.
São muitas as mudanças nas relações de trabalhos devido a
obrigatoriedade do fechamento dos estabelecimentos privados e públicos. Muitos
trabalhadores foram dispensados, tiveram seus contratos de trabalho suspensos,
outros com redução de jornada e salário. São acontecimentos que impactam a
capacidade de aquisição de produtos e serviços.
Adotar o homeoffice não é uma prática que todos os
empregadores e trabalhadores se adaptam de forma rápida. Há notícias de muitos
casos de afastamento por ansiedade, oriundos do medo e outros problemas
psicológicos ligados a falta de liberdade de ir e vir.
O empresário juntamente dos empregados são os mais afetados
com o estado de calamidade pública. Já transcorreram mais de 90 (noventa) dias
de calamidade pública e a grande maioria dos Estados mantem a obrigatoriedade
do fechamento dos estabelecimentos. Alguns Estados já iniciaram as regras de
abertura, tal como no Distrito Federal.
A função social da sociedade empresária foi violentamente
afetada. Manter a atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços se tornou um desafio de logística e
atendimento.
E juntamente de todo esse cenário de crise, tem-se as
empresas que sobreviveram de alguma forma perante a recessão econômica dos
últimos anos e agora se deparam com: contratos encerrados, suspensos,
demissões, falta de receita e até aumento da despesa na contratação de
serviços online que não estavam no planejamento orçamentário do ano
de 2020.
Por parte do Governo Federal medidas econômicas foram
implementadas em tempo recorde. O Ministério da Economia se sensibilizou com o
impacto sofrido pelos contribuintes. E foram editadas normas de suspensão de
entregas de obrigações acessórias e até mesmo prorrogação de regras de
diferimento no recolhimento dos tributos.
Além de concessão de linhas de créditos especiais para micro
e pequenas empresas por meio da Lei n. 13.999/20, ficou definido para esse
grupo de empresas que a taxa de juros anual máxima deveria ser limitada à taxa
Selic, acrescida de 1,25% sobre o valor concedido pelo prazo de 36 (trinta e
seis) meses para pagamento.
Mesmo assim, a pandemia e a crise estabelecida pelo
isolamento social acarretaram para muitas empresas, sejam elas pequenas, médias
ou de grande porte, a possibilidade do encerramento das suas atividades, pedido
de recuperação extrajudicial e judicial para se manter no mercado.
Não bastasse todo esse cenário, credores que querem receber
a todo custo o que lhes pertence pedem a falência das empresas. E os devedores
sem conhecimento de causa ou por ausência de uma assessoria jurídica
especializada não conseguem trilhar um caminho de acordo para pagamento das
dívidas.
Afinal é muito melhor uma empresa em funcionamento, ainda
que precário, gerando empregos, criando expectativa de mercado e concorrência
do que um estabelecimento fechado.
No Brasil a cultura da recuperação extrajudicial ainda não
foi implementada. E é esta a solução adequada para o presente momento. A Lei n.
11.101/05 estabelece nos arts. 161 a 167, que o Plano de Recuperação
Extrajudicial produz efeitos após sua homologação judicial.
E como o pedido é homologado? Atualmente exige-se a
assinatura de pelo menos 3/5 (três quintos) de todos os credores de cada
espécie abrangidos no plano geral de credores. Além disso o devedor não poderá
requerer a homologação do plano se estiver pendente de pedido de recuperação
judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano
de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos.
Logo apesar da recuperação extrajudicial ser o melhor
caminho o legislador institui obstáculos que muitas vezes o devedor não
consegue transpor para se recuperar.
O Projeto de Lei (PL) n. 1.397/20 se baseia em alguns
pilares, tais como: na suspensão legal para evitar uma falência antecipada,
negociação preventiva, estímulo ao financiamento e o pedido de recuperação
extrajudicial ou judicial.
Após a sanção do PL que será votado em regime de urgência na
Câmara dos Deputados, a Lei n. 11.101/05 será alterada para diminuir o quórum
exigido no art. 163, de 3/5 (três quintos) das assinaturas dos credores para
1/3 (um terço) de todos os créditos de cada espécie abrangidos no plano de
recuperação extrajudicial.
Flexibiliza-se a regra dos arts. 161 e 162 para que as
empresas possam apresentar novos planos de recuperação judicial ou
extrajudicial ainda que não tenha havido a homologação do plano original. E
mais, aqueles que se recuperaram em menos de 5 (cinco) anos e aprovaram o plano
de recuperação há menos de 2 (dois) anos também poderão pretender a recuperação
extrajudicial ou judicial.
Prevê-se a suspensão de 120 (cento e vinte) dias para a
exigibilidade das obrigações assumidas pelo devedor nos planos de recuperação
já homologados independentemente da aprovação na assembleia geral de credores.
O PL prevê também, a possibilidade se incluir novos créditos
que tiveram origem após o ajuizamento do pedido de recuperação no novo plano.
Essas e outras alterações estão previstas no PL 1.397/20 que
após a sanção legislativa, entende-se que muitas empresas utilizarão do
mecanismo de recuperação para obtenção de novo fôlego e parâmetro de negociação
das dívidas com os credores.
Outro importantíssimo debate levantado neste momento é a
aplicação dos institutos da recuperação extrajudicial e judicial as entidades
sem fins lucrativos, filantrópicas ou não, condomínios, grupos esportivos e
outras formas de organização não contempladas na Lei n. 11.101/05.
O juiz de direito Edilson Enedino das Chagas[1], que atuou por mais de 5 (cinco) anos na
Vara de Falência e Recuperação Judicial no TJDFT já se posicionou que não
haveria óbice em homologar um plano de recuperação extrajudicial por uma
entidade não contemplada na Lei n. 11.101/05. E este é um posicionamento que
motiva os gestores à possibilidade de um plano que viabilize o reequilíbrio
econômico-financeiro da entidade.
Por fim, as esperançosas alterações pedem ao devedor maior
atenção ao expediente necessário para a viabilização da recuperação
extrajudicial ou judicial da sociedade empresária e até mesmo das entidades não
contempladas na Lei n. 11.101/05. É necessário implementar a cultura da
Recuperação Extrajudicial, que pode estabelecer melhores caminhos de
reestruturação no mercado gerando para os credores um sentimento de boas
expectativas e não de “calote” como muitas vezes os planos de recuperação são
utilizados.
Fonte: Estado de S. Paulo