Chegou a hora de o Brasil começar a tratar, com mais rigor,
o achatamento da curva de falência dos negócios e da economia. É certo que o
país enfrenta a pior crise da sua história com a pandemia da covid-19 e a morte
de mais de 60 mil pessoas. O cenário é complexo. De um lado, um problema
gravíssimo de saúde pública sem data definida para solução. De outro, milhares
de empresas fechando as portas. Independentemente dos pontos de vista, é
preciso atitudes mais vigorosas para enfrentar a crise financeira que assola o
Brasil.
Foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
1.397/2020, que cria medidas de emergência para prevenir a crise
econômico-financeira de empresas e produtores e facilita o regime jurídico da
recuperação judicial e extrajudicial. Desta vez, o legislador levou mais a
sério os efeitos de uma economia em depressão e de fechamento em massa de
empresas no país. No entanto, é necessário melhorar o sistema de manutenção de
empresas. Assim, esse projeto de lei é um bom começo e aguarda agora
posicionamento do Senado.
A primeira inovação é permitir que qualquer agente econômico
(incluem-se aqui associação, clubes e entidades sem fins lucrativos) possa
entrar com pedido de negociação prévia. O ente econômico recebe uma proteção
judicial por até 90 dias para uma negociação direta com os credores sem juiz
mediador ou qualquer intermediário. A empresa tem a blindagem necessária para
negociar, levando-se em conta sua capacidade de pagamento e não a necessidade
do credor. Isso diminui os custos do processo e agiliza a solução dos
problemas.
O estímulo à mediação já é um início. Ainda que o tempo de
90 dias seja curto para negociações de maior porte, há claramente a indicação
de que a sociedade quer a mediação levada ao extremo, ao dar as mãos e unir os
interesses. Nesse sentido, há chances de menos falências e fechamento de
negócios.
Caso não ocorra acordo dentro desse período, o processo pode
transformar-se automaticamente em recuperação judicial, o que parece razoável.
Outra inovação é a possibilidade de ocorrer a recuperação extrajudicial, com
blindagem da empresa, suspensão de execuções, arrestos e qualquer medida contra
a empresa. Essa é a segunda mais importante inovação desde que surgiu a lei de
recuperação de empresas.
A recuperação, quando judicial, é extrema, complexa, cara,
com terceiros que interveem e com riscos altos para todos os lados. Já a
recuperação extrajudicial sempre foi por demais branda, incapaz de trazer à
mesa uma negociação que efetivamente permitisse o levantamento do negócio. Por
não trazer a proteção necessária ao empresário, permite as execuções
individuais e toma força contra os ativos que deveriam atender à própria
empresa e, no limite, à coletividade de credores.
Permitir a proteção à empresa devedora enquanto a mesma
corre com sua recuperação extrajudicial é o caminho mais acertado, pois diminui
o custo, o risco e o estresse de mercado. Leva os credores a cederem ao limite
que permite o recebimento de acordo com a capacidade da empresa. Para isso, o
Poder Judiciário tem a seu dispor, agora, proteger a empresa através de uma
reestruturação mais simples, menos burocrática e custosa: a recuperação
extrajudicial.
Milhares de empresas não fazem uma recuperação judicial por
não quererem submeter ao juízo suas contas, sua administração, seu know-how.
Assim, ficavam fora do sistema de renegociação de dívidas que poderia
salvá-las. Hoje, tal luxo não pode mais existir. Por isso, é preciso salvar o
mercado através de um sistema mais ágil e eficiente. Essa nova lei traz isso —
a recuperação extrajudicial com proteção dos ativos.
A terceira boa inovação é que a lei não exige mais três
quintos dos créditos para ter o plano extrajudicial aprovado. Basta a regular
maioria de 50% mais um, o que traz mais equilíbrio ao sistema e joga para uma
recuperação judicial apenas os casos muito complexos.
Agora é necessário aperfeiçoar a utilização da lei. Quando
entrou em vigor a Lei 11.101/05, há 15 anos, foram dispendidos mais de cinco
anos em críticas. É fundamental aplicar a nova lei, quando aprovada,
indistintamente. Em que pese hoje quase 13 mil empresas terem feito recuperação
judicial.
Se já no embalo da atual crise sem precedentes for usada a
recuperação extrajudicial com proteção judicial, como previsto na lei aprovada
pela Câmara, é possível ganhar tempo e impedir a falência de inúmeras empresas.
Serão salvos milhares de negócios, trabalhos, empregos e, na última linha,
vidas.
É possível enfrentar essa crise com retorno em “V”, em “U”
ou em “L”. Para que seja em “V”, precisamos iniciar hoje, agora, o tratamento
das empresas do país, disseminar a informação corretamente sobre o alcance do
processo recuperacional, preparar os agentes operadores desse instituto,
utilizar as ferramentas negociais, inclusive os sites digitais já preparados
para essa negociação — e mediação. Isso é apenas o começo, mas o mínimo do que
é preciso fazer.
Por isso, o momento é de união. Chega de críticas aos
devedores e falsas notícias de que o estímulo à reestruturação elevará os juros
e quebrará o país. Essa fase passou e, em última análise, são fake news e
argumentos terroristas, desde o início. Agora é necessário encarar o fato de
que esses empreendedores, milhões de pequenos, médios e grandes empresas,
defendem o crescimento e a prosperidade deste país.
Fonte: Estadão