Os últimos meses foram um prato cheio para aqueles que se
interessam pelo tema do momento: privacidade e proteção dos dados pessoais, em
especial no contexto da internet
Dentre os acontecimentos mais recentes, de um lado, o
Supremo Tribunal Federal lança luz sobre a inegável necessidade de se olhar com
novas lentes o direito fundamental à privacidade, iniciando a votação das
essenciais ADPF 403 e ADI 5527, que tratam do bloqueio de aplicativos de
mensageria, como o WhatsApp, da liberdade de expressão e comunicação e da
importância de tecnologias que promovam a segurança na internet, como a criptografia.
De outro, o Senado Federal vem colocando e retirando de
pauta um substitutivo ao Projeto de Lei 2.630/2020 tido como “bombástico”, cujo
teor atualizado foi disponibilizado diferentes vezes quase no momento de sua
própria votação. O texto surpreendeu até os mais adeptos do chamado
monitoramento da rede, pois sem o necessário debate e discussão no âmbito da
sociedade civil, busca afastar garantias e direitos alcançados a duras penas
com a Constituição Federal e mais recentemente com o Marco Civil da Internet,
colocando em xeque a liberdade de expressão na rede. Além disso, o projeto
resgata justamente a possibilidade de bloqueio de aplicativos por decisão
judicial, rechaçada recentemente pelos votos dos Ministros Rosa Weber e Edson
Fachin, relatores das ADPF 403 e ADI 5527, que consideraram inconstitucionais
as ordens judiciais que ordenaram o bloqueio nacional do WhatsApp em 2016.
Neste contexto, desponta novamente a importância de se falar
da Lei Geral de Proteção de Dados (e da própria Agência Nacional criada pela
Lei, mas cuja criação efetiva está totalmente travada) como forma de
instrumentalizar o direito à privacidade. Afinal, a LGPD se insere e se
apresenta como principal instrumento normativo dentro de um contexto de
regulação de temas essenciais da democracia virtual, como a proteção dos dados
pessoais e a promoção de modelos de negócio que promovam a liberdade de
expressão, valores que são ainda mais necessários em tempos de crise política,
pandemia e de crescimento de movimentos ativistas de proteção a garantias
individuais.
Além disso, nos dias de #ficaemcasa, indivíduos fazem mais
contratações pela internet, dividem suas rotinas por meios eletrônicos, baixam
aplicativos para se comunicar com seus amigos, familiares, e equipes de
trabalho, e para buscar acesso a auxílios governamentais. Também usam as redes
como forma de expressão do pensamento sobre questões que atingiram grandes e
necessárias proporções durante tempos de pandemia. Posto de forma direta,
compartilhar dados pessoais é condição de subsistência para os vulneráveis, de
troca e manutenção da sanidade mental em tempos de isolamento, e do próprio
exercício da democracia.
Pouco contribui para esse contexto a insegurança criada em
relação à data de entrada em vigor da LGPD, que causa perplexidade em qualquer
um que se interesse pelo tema. Durante as últimas semanas, estudiosos têm
criado verdadeiras tabelas tratando das diferentes possibilidades de data para
produção de efeitos de uma lei que tem caráter essencial para o momento em que
nos encontramos. Uma lei que foi criada para trazer maior segurança aos titulares
dos dados pessoais e às empresas que os processam tem sua implementação feita
de forma tão desorganizada, que prejudica as melhores intenções do legislador
com sua já tardia criação.
Mas se o cenário atual contempla desafios semanais para a
manutenção de direitos constitucionais e do Marco Civil da Internet, causa
alento a reflexão de que o fortalecimento de uma cultura da proteção de dados é
irrefreável. Basta ver o número crescente de decisões judiciais que já citam e
aplicam princípios da LGPD, mesmo durante sua vacância. Basta, ao mesmo tempo,
ver a mobilização da sociedade civil para impedir a votação do Projeto de Lei
das Fake News sem que haja discussão democrática e madura sobre o tema. Mas é
preciso estar em alerta. Em momentos de caos, todo cuidado ainda é pouco.
Fonte: O Estado de São Paulo