A usucapião consiste em um modo de aquisição da propriedade,
baseado no exercício da posse prolongada sobre o bem. Embora já houvesse
previsão legal da usucapião judicial, a possibilidade de realizar o
procedimento extrajudicialmente foi consagrada pelo artigo 1.071 do Código de
Processo Civil de 2015, que inseriu o artigo 216-A na Lei de Registros
Públicos, enaltecendo preceitos basilares do novo código, como a economia e a
celeridade processuais. A superveniência desse procedimento pelas vias administrativas
ampliou consideravelmente o âmbito de aplicação do instituto da usucapião, que
vem passando por um processo de extrajudicialização.
Em tempos como o atual, percebemos a judicialização das
relações humanas em geral. Desse modo, com o objetivo de mitigar os conflitos
que são levados ao crivo do Poder Judiciário, o legislador passou a prever
procedimentos para a solução de litígios extrajudicialmente. A título
exemplificativo, percebe-se a presença do fenômeno na possibilidade de
realização de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais — pela via
administrativa, na consignação em pagamento extrajudicial, na retificação
administrativa de registro imobiliário e na usucapião extrajudicial, objeto do
presente artigo.
Premente pontuar que a possibilidade de usucapião pela via
extrajudicial não prejudica o usucapiente de pleitear a pretensão perante o
Poder Judiciário, se assim optar. Contudo, destaca-se que o procedimento
extrajudicial é mais simples, célere e econômico. Para que seja possível
pleitear o reconhecimento da usucapião extrajudicialmente, é necessário
preencher alguns requisitos, os quais serão pormenorizados adiante,
acompanhados do procedimento correlato.
O reconhecimento extrajudicial da usucapião deverá ser
processado perante o cartório de registro de imóveis da comarca na qual o
imóvel usucapiendo estiver localizado. Para o ingresso do pedido junto ao
cartório competente, é imprescindível que o interessado seja representado por
advogado, munido de procuração com poderes especiais. Além disso, o pedido deve
ser instruído com alguns documentos, os quais serão elencados a seguir.
Ata notarial lavrada por tabelião: Por meio desta ata, o
tabelião deve atestar, no mínimo, o tempo de posse e a cadeia possessória, a
depender da modalidade da usucapião pretendida, caso haja possibilidade de
cumulação do tempo com o do possuidor antecessor. Além disso, o tabelião também
poderá atestar o que entender necessário para a comprovação do direito
postulado.
Planta e memorial descritivo: A planta e o memorial
descritivo devem ser assinados por profissional legalmente habilitado. Além
disso, deve haver prova de anotação de responsabilidade técnica do conselho de
fiscalização profissional. Esses documentos devem descrever o maior número de
especificidades possível, de modo que se consiga verificar a localização, as
dimensões, os confrontantes do bem usucapiendo e as matrículas ou transcrição
influenciadas.
Certidões negativas: As certidões negativas devem ser
obtidas junto aos distribuidores da comarca do imóvel e do domicílio do
requerente, que devem comprovar a inexistência de ações reais ou
reipersecutórias, evidenciando a posse mansa e pacífica.
Justo título: O justo título deve comprovar a posse do
imóvel, que pode ser substituído por quaisquer outros documentos que sejam
capazes de demonstrar a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse
daquele possuidor específico. A título exemplificativo, o justo título pode ser
um contrato de compra e venda, uma promessa de compromisso de compra e venda,
uma declaração de posse, uma cessão de direitos, um contrato verbal comprovado
pelos recibos de pagamento ou um comprovante de pagamento de impostos e taxas
que incidam sobre o imóvel.
Além da documentação supramencionada, são necessários: I) a
concordância dos titulares de direitos reais registrados ou averbados na
matrícula; II) a concordância dos confrontantes; III) a ciência da União, do
Estado ou do Distrito Federal e do município; IV) a publicação de edital em
jornal para o conhecimento de terceiros; e V) o atendimento aos requisitos da
modalidade de usucapião pretendida.
Em síntese, o procedimento administrativo da usucapião
extrajudicial é iniciado com o requerimento do interessado, que pode ser tanto
pessoa física quanto pessoa jurídica. Além disso, o interessado deve ser
representado por advogado que, além de munido de procuração com poderes
específicos, deve portar todos os documentos supramencionados.
Logo após, o registrador procederá à autuação do pedido,
cuja prenotação será prorrogada até o momento em que houver o acolhimento ou a
rejeição do pedido. Em seguida, será realizada a qualificação registral, que
desencadeará em três cenários: rejeição do pedido, caso seja negativa; novas
diligências, caso seja inconcludente; ou prosseguimento do procedimento, caso
seja positiva.
Ultrapassada essa fase, verificar-se-á se a planta do imóvel
usucapiendo contém a assinatura de todos os titulares de direitos reais e
outros direitos registrados ou averbados na matrícula. Caso a resposta seja
negativa, será necessário notificar os titulares, por meio do registrador
competente, para que se manifestem em 15 dias. Caso o prazo transcorra in
albis, será presumida a concordância. Ocorre que a concordância é um requisito
para o prosseguimento do procedimento administrativo da usucapião, pela via
extrajudicial. Portanto, caso não haja, o registrador deverá tentar promover a
conciliação e, se essa for infrutífera, deverá remeter o procedimento ao juízo
competente, momento no qual o requerente deverá adequá-lo para que a petição
inicial observe os requisitos inerentes ao procedimento comum.
Adiante, caso estejam preenchidos os requisitos para o
procedimento do trâmite, o oficial de registro deverá proporcionar ciência à
União, ao Estado e ao município para que também se manifestem sobre o pedido em
15 dias. Caso o aludido prazo transcorra in albis, o procedimento seguirá o
trâmite regular. Contudo, caso haja impugnação, o registrador deverá tentar
promover a conciliação e, se essa for infrutífera, deverá remeter o
procedimento ao juízo competente, momento no qual o requerente também deverá
adequá-lo para que a petição inicial observe os requisitos necessários.
Ato contínuo, caso estejam preenchidos os requisitos para o
procedimento do trâmite, com o objetivo de proporcionar a ciência a terceiros,
o registrador publicará edital em jornal de grande circulação para que
eventuais interessados possam se manifestar em 15 dias. Caso o prazo transcorra
in albis, o procedimento seguirá o trâmite regular. Caso haja impugnação, o
registrador também deverá tentar promover a conciliação e, se essa for
infrutífera, deverá remeter o procedimento ao juízo competente, momento no qual
o requerente deverá adequá-lo para que se observem os requisitos da petição
inicial do procedimento comum judicial.
Decorrido o prazo de 15 dias da publicação do edital e
preenchidos todos os requisitos expostos acima, será registrada a aquisição do
imóvel por usucapião. No entanto, importa elucidar que, caso, por algum motivo,
o pedido de reconhecimento da usucapião extrajudicial seja rejeitado, não
existe qualquer óbice para que o interessado ajuíze ação de usucapião perante o
Poder Judiciário.
Por derradeiro, evidencia-se que, embora o RJET (Lei n°
14.010/2020) tenha suspendido os prazos de aquisição da propriedade imobiliária
e mobiliária por usucapião de 12 de junho a 30 de outubro de 2020, os pedidos
de usucapião extrajudicial não sofreram restrição e, durante o período alhures,
o interessado pode requerer o reconhecimento da usucapião ao cartório de
registro de imóveis da comarca na qual o imóvel usucapiendo estiver localizado,
desde que observados todos os requisitos consubstanciados neste artigo.
Fonte: Consultor Jurídico