Inicialmente, é importante salientar que o projeto de
lei 1.179/20, que tem como objeto regras transitórias de
Direito Civil e de locação de imóveis no período da pandemia do novo
coronavírus, foi concluído nas casas legislativas e enviado ao presidente da
República para sanção. Todavia, houve veto parcial, em especial para os termos
do artigo 9º, que dispunha sobre as locações de imóveis urbanos.
Referido veto, por sinal, nos termos do § 4º do artigo 66
da Constituição Federal, tem previsão de ser apreciado em
sessão conjunta das casas (Câmara e Senado) até o dia 10.07.20, podendo ser
rejeitado por maioria absoluta dos deputados e senadores. A sanção presidencial
com vetos, contudo, deu origem à decretação e sanção da lei 14.010/20 em 10.06.20.
Como amplamente divulgado pela mídia, o projeto aprovado
pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal previa, em seu artigo 9º, a
suspensão da possibilidade de concessão de liminar em ação de despejo de
imóveis urbanos (residencial e não residencial), prevista no artigo 59, §1º,
incisos I, II, V, VII, VIII e IX, da lei 8.245/91, no âmbito dos feitos ajuizados entre 20 de março
de 2020 e 30 de outubro de 2020. Ou seja, mesmo com o preenchimento dos
requisitos legais, os proprietários não teriam neste período o direito de
liminarmente recuperarem a posse de seus imóveis.
Trata-se, de fato, de uma determinação extremamente
controvertida, na medida em que, de plano, já trouxe grandes debates jurídicos,
como o da proteção constitucional do direito de propriedade, do prejuízo ao
locador que depende da renda do imóvel para sua subsistência, da proteção
excessiva ao devedor, do incentivo à inadimplência, da criação de teses de que
neste período também haveria necessidade/obrigação de uma isenção, desconto ou
suspensão do aluguel, do questionamento sobre a aplicação do referido
dispositivo em uma inadimplência anterior ao período da pandemia, do
aproveitamento da regra para obter injustas vantagens, dentre outros.
E seguindo alguns dos debates que surgiram sobre o
supramencionado artigo é que foi arrazoado o veto presidencial, no sentido de
que há contrariedade ao interesse público, impedindo um dos meios de coerção
para o cumprimento das obrigações, e com proteção excessiva ao devedor em
detrimento do credor, especilamente àqueles que dependem do recebimento do
aluguel para seu sutento.
Diante da situação pandêmica vivenciada e das peculiaridades
de cada caso, parece não haver dúvidas sobre o potencial abusivo do qual pode
se revestir uma regra genérica e que despreze a necessária exclusividade que
deve, neste momento, pautar a análise da causa de pedir nas ações de despejo.
Ignorar a excepcionalidade do momento pode se traduzir em
injustiças e prejuízos irreparáveis, impondo a todos os locadores, por exemplo,
a impossibilidade de, liminarmente, recuperarem a posse de seus imóveis até o
final de outubro de 2020.
O que se aponta neste texto, salvo melhor juízo, é um
caminho que prestigie a necessidade de apreciação do caso concreto para que
essa proteção ao devedor não se torne excessiva e injusta, beneficiando apenas
uma das partes em detrimento ou prejuízo da outra. Como arrazoado no veto
presidencial, há casos em que o locador depende exclusivamente da renda
locatícia para seu sustento próprio, o que lhe transferiria de forma exclusiva
todo o peso de um inadimplemento.
Ora, apenas para exemplificar, uma ação de despejo ajuizada
em 20.03.20, que já possua, em média, uma inadimplência de três meses, somada
ao período de suspensão previsto no projeto, com termo final em 30.10.20,
poderia resultar em quase 1 ano de “proteção” à inadimplência do devedor. Sem
contar que, após o fim do período previsto no projeto, ainda terá todo um
procedimento a ser percorrido perante o Judiciário para que o locador consiga
reaver a posse de seu imóvel.
Assim, mostra-se razoável uma cuidadosa avaliação do
Judiciário sobre o caso concreto para suspensão ou não da liminar prevista na
lei do Inquilinato, em sendo, eventualmente, derrubado o veto ao artigo 9º do
projeto de lei 1.179/20.
Nesse sentido, deve ser verificado se a inadimplência teve
mesmo origem na pandemia, bem como as condições do contrato, a capacidade
financeira das partes, a prova de queda de faturamento/rendimento pelo
locatário, dentre outros elementos.
Vale dizer, portanto, que a norma transitória em questão
poderia ter sido proposta concedendo a “possibilidade” de suspensão da liminar
nas ações de despejos neste período e não uma imposição genérica para toda e
qualquer relação locatícia.
Aliás, mesmo sem a existência de uma norma legal vigente,
podem ser encontradas inúmeras sentenças e julgados nos Tribunais Pátrios que,
diante da análise das particularidades do caso e da ponderação dos interesses,
estão suspendendo as liminares nas ações de despejo com a utilização de
preceitos constitucionais, como direito à saúde e integridade da parte e de
seus familiares, da supremacia do interesse público e da dignidade da pessoa
humana, além de preceitos civis como o da ocorrência de caso fortuito e força
maior, da aplicação da teoria da imprevisão, dentre outros.
Alguns julgados estão utilizando também o próprio projeto de
lei como alicerce para a suspensão das liminares, alinhado ao fundamento de que
o procedimento especial prescrito pela lei 8.245/91 não valida, por si, o risco
de perecimento do Direito e a urgência, o que não estaria autorizado no quadro
de exceção caracterizado pela calamidade pública enfrentada no país.
Enfim, o que se percebe é que o legislador, afoito em
proteger o Locatário, supostamente parte hipossuficiente na relação, acabou por
criar uma regra engessada, capaz de ferir preceitos constitucionais e
infraconstitucionais, gerando a possibilidade de causar danos ao locador,
iguais ou superiores ao locatário protegido. Por isso o ideal é análise caso a
caso para que nenhuma das partes seja injustamente prejudicada.
Fonte: Migalhas