Foi sancionada e publicada no último dia 8 a
Lei nº 14.022, que trata de novas medidas de enfrentamento à violência
contra a mulher no Brasil. Os dados são alarmantes. Antes da
pandemia, o 13º
Anuário Brasileiro de Segurança Pública, editado pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP), apurou que foram 263.067 casos de lesão corporal
dolosa registrados por mulheres em todo o Brasil em 2018, o que representa um
registro a cada dois minutos [1].
O referido documento apresenta que houve crescimento
expressivo de 30,7% no número de homicídios de mulheres durante a década em
análise (2007-2017), assim como no último ano da série, que registrou aumento
de 6,3% em relação ao anterior. A taxa nacional de homicídios passou de 3,9
para 4,7 mulheres assassinadas por grupo de 100 mil, aumentando em 17 unidades
da federação. Foram três mulheres vítimas de feminicídio por dia em 2018, sendo
que 88,8% dos casos tiveram como autor o companheiro ou ex-companheiro da
vítima.
A pandemia trouxe um cenário inédito para o mundo com o
isolamento social, aumentando os níveis de estresse e instabilidade econômica.
Isso acabou se tornando gatilho para a violência, pois os homens tendem a
descontar suas frustrações nas companheiras e nas crianças. Assim, as mulheres
e as crianças vítimas de violência acabaram ficando confinadas com seus
agressores em tempo integral, o que caracterizou em um aumento da violência em
todo o mundo.
O reflexo disso está nos dados arrasadores que o Fórum
Nacional de Segurança Pública lançou em sua Nota
Técnica: entre março de 2019 e março de 2020, no estado de São Paulo, houve
um aumento de 44,9% nas ligações para a política militar para denúncias de
violência doméstica. Os números de feminicídio também aumentaram: 100% no Acre,
400% no Mato Grosso, 300% no Rio Grande do Norte e 46,2% em São Paulo, quando
comparados os dados de março de 2019 e março de 2020. Além disso, o Ligue
180, serviço criado em 2005 pelo governo federal para atendimento à vítima
de violência doméstica, teve aumento de 35,9% no atendimento em abril de 2020
em comparação com abril de 2019.
A nova lei
Diante dessa escalada da violência, as parlamentares da Bancada
Feminina se mobilizaram para apresentar uma redação que conseguisse trazer
importantes instrumentos para a defesa das mulheres neste período de pandemia,
resultando na Lei 14.022/2020. A nova lei estabelece que os serviços de
atendimento a mulheres em situação de violência doméstica e familiar, a
crianças, a adolescentes, a pessoas idosas e a pessoas com deficiência são
considerados como serviços públicos e atividades essenciais, fator que impacta
diretamente na continuidade desta prestação mesmo em períodos de isolamento
social determinado pelos gestores.
A lei ainda determina que não haverá suspensão para prazos
processuais, assim como serão mantidas a decisão acerca das matérias, o
atendimento às partes e a concessão de medidas protetivas que tenham relação
com atos de violência doméstica e familiar cometidos contra mulheres, crianças,
adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência.
Outro impacto direto é a prorrogação automática das medidas
protetivas decretadas, possibilitando à vítima, em período de pandemia e com
atendimento dos órgãos públicos muitas vezes não presencial, a garantia da sua
segurança, haja vista que o descumprimento da medida protetiva por parte do
agressor constitui crime específico, no caso de violência contra a mulher —
artigo 24-A, da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), ou
descumprimento de ordem judicial, para os demais casos. Essa prorrogação da
medida protetiva em vigência perdurará durante a vigência da Lei nº 13.979, de
6 de fevereiro de 2020, ou da declaração de estado de emergência de caráter
humanitário e sanitário em território nacional.
Sobre as medidas protetivas, o texto apresenta a
possibilidade da solicitação e de deferimento serão feitos de forma remota
(online), garantindo à vítima a rapidez necessária para enfrentar a violência
doméstica e familiar e também se atentando para os cuidados em evitar a
circulação durante o período de isolamento.
Inovações também foram feitas para o registro de ocorrência,
permitindo que ele seja feito online. Ademais, o próprio deferimento de medida
protetiva pode se dar antes do registro da ocorrência, alterando a sistemática
que consta na Lei Maria da Penha, mas garantindo que as mulheres sejam
atendidas com agilidade que o período e a situação pedem.
Obriga também o poder público a manter o atendimento
presencial para as vítimas de violência em diversos crimes, como feminicídio,
estupro, lesão corporal de natureza grave e gravíssima, entre outros, além dos
órgãos de segurança pública disponibilizarem canais de comunicação que garantam
interação simultânea, inclusive com possibilidade de compartilhamento de
documentos, desde que gratuitos e passíveis de utilização em dispositivos
eletrônicos. Isso porque, por mais que saibamos da importância em se manter o
isolamento social, sabemos também da importância em ouvir a vítima e que nem
todas conseguem fazer a denúncia estando em casa, ao lado do agressor, pois
encontram-se em constante vigilância.
Além disso, antes sem prazo para tratamento de denúncias
recebidas, hoje o Ligue 180 terá o prazo máximo de 48 horas para envio aos
órgãos competentes, salvo impedimento técnico.
Obviamente o objetivo de toda a sociedade brasileira é o fim
da violência contra as mulheres, crianças e adolescentes, idosos e pessoas com
deficiências. Enquanto este objetivo não é alcançado, as medidas chegam em boa
hora e determinam e possibilitam às autoridades instrumentos para que a vítima
seja acolhida e o agressor seja devidamente punido, somando com o conteúdo já avançado
que consta na Lei Maria da Penha.
Fonte: Consultor Jurídico