Caso que está no Supremo Tribunal Federal discute a
extensão da licença-maternidade para a mãe não gestante em um relacionamento
homoafetivo
Um caso que chegou ao Supremo
Tribunal Federal (STF) promete jogar luz sobre um importante
direito conquistado pelas mulheres: a licença-maternidade.
Isso porque as novas formações e dinâmicas
familiares apontam para a necessidade de atualização das leis em
vigor, tornando o benefício mais inclusivo.
O tema que passará pelo crivo dos ministros dá conta da
situação de um casal homoafetivo que
engravidou via fertilização. Uma delas é funcionária pública, enquanto a
gestante é autônoma – o óvulo fecundado é da mãe não grávida. A funcionária do
município de São Bernardo do Campo, em São Paulo, reivindica na justiça o
direito à licença-maternidade, já que sua esposa não tem a chance de usufruir
do benefício por ser profissional liberal e precisa trabalhar logo após o
parto. A Procuradoria Geral da República já se pronunciou de forma favorável e,
com uma possível decisão do STF, abre-se um precedente importante para futuros
casos, explica a advogada Gabriela Lorenzet, Presidente da Comissão de
Diversidade Sexual e Gênero da OAB/RS:
– O Brasil é muito falho na legislação para reconhecer o
direito da população LGBT+.
Todas as decisões acabam vindo do judiciário. Nesse caso específico, ocorreria
uma inversão de licença, dada à mulher não gestante. Mas há situações de
gravidez de gêmeos em casais homoafetivos e ambas querem amamentar, por
exemplo. São desenhos familiares diferentes e precisam de análise.
A advogada Eliza Cerutti conta que foi procurada por um
casal gaúcho neste ano cuja história é justamente essa. Esperando gêmeos, as
duas mulheres querem amamentar e planejam tentar uma dupla licença na Justiça.
Na opinião de Eliza, a repercussão da matéria que chegou ao STF e o aumento no
número de casos semelhantes levantam uma discussão ainda mais ampla: a de
igualdade nos papéis parentais.
– Em outros países, a licença é chamada de natalidade ou parental.
Porque não é em benefício da mãe, é em benefício da criança. Precisamos olhar para as novas famílias e
também para os casais héteros em que a mulher é autônoma, por exemplo. O pai
não poderia ter a licença estendida nesse caso? – questiona a sócia do
escritório Mônica Guazzelli, Cerutti, Santa Maria Advogadas.
Conversamos com as advogadas Eliza e Gabriela sobre os
caminhos para a atualização da licença-maternidade, como as mulheres podem
reivindicar seus direitos e quais os principais desafios para o benefício
incluir todos os formatos de famílias. Veja abaixo:
Como funciona hoje
A licença-maternidade e paternidade têm previsão legal. Para
a mulher, dura de 120 a 180 dias e, no caso dos homens, varia de 5 a 20 dias em
casa. No departamento de recursos humanos das empresas, é possível fazer a
solicitação sem maiores percalços. Casais homoafetivos femininos costumam
conseguir equiparação à licença-paternidade, mas nem sempre é um caminho
simples. Principalmente as multinacionais já contam com regulamentos que
preveem esse tipo cenário, porém, o direito muitas vezes precisa ser garantido
via processo judicial.
Inversão de licença
O caso que chegou ao STF se trata de uma extensão ou
inversão de licença. Uma poderia usufruir do benefício por ter um empregador,
enquanto a outra não teria direito por ser autônoma. A decisão do STF, explica
Eliza, também pode servir de base para casais heteroafetivos que passam pela
mesma situação:
– Muitas vezes, é do
teor da fundamentação da decisão dos ministros que se extrai subsídios para
outros casos similares. Se é vedada a discriminação de gênero, se a mãe que não
gestou pode tirar a licença, por que o pai não poderia? Abre um flanco para
pensar a licença dos pais, sem dúvida.
Posso pedir dupla licença?
Em Campinas, há um caso de 2018 em que a mulher não gestante
de um casal que esperava gêmeos também planejava amamentar e conseguiu ficar em
casa com os bebês e a esposa graças a uma liminar. Por outro lado, a justiça já
negou o benefício em situações semelhantes.
– Esses pedidos têm aumentado, mas não é um número
expressivo ainda. Muitas pessoas nem sabem que podem ter esse direito
judicialmente. Não há uma legislação que decida sobre isso, vai depender
conforme cada juiz avaliar o caso – explica a advogada Gabriela.
Revisão da lei
Existem projetos voltados à atualização das licenças
maternidade e paternidade tramitando tanto na Câmara dos Deputados quanto no
Senado. Um exemplo é a proposta de emenda à Constituição (PEC)
158/2019 que amplia a licença-maternidade para 180 dias (seis
meses) para todas as trabalhadoras e está prestes a ir à votação na Câmara. As
diferentes iniciativas incluem também atualizações como mudança de nomenclatura
– para licença-natalidade ou parental – e a possibilidade do casal
dividir entre si os dias em casa.
– Quando casos relacionados a esse tema ganham voz, há uma
mobilização da sociedade e isso tem peso. É um movimento jurídico, mas social
também. Há decisões que cabem à família e não deveriam ser impostas pelo
Estado. Com base em conceitos como a igualdade é possível construir soluções –
defende Eliza.
Fonte: Gaúcha ZH