Na coluna de hoje, retomaremos o espinhoso tema da
tributação das mais-valias por empresas optantes pelo regime de apuração do
Lucro Presumido, para fins de pagamento de IRPJ e CSLL. O tema já foi objeto de
dois excelentes artigos escritos nesta coluna, pelos colegas Fernando Brasil de Oliveira Pinto e Paulo Henrique Silva Figueiredo[1], aos quais remetemos os leitores
interessados na matéria e numa introdução do seu contexto normativo.
Aqui, entretanto, abordaremos uma situação típica de
empresas que exercem atividades imobiliárias: os limites e as condições para
que o contribuinte proceda a reclassificação contábil de um de seus
bens imóveis.
Nos casos analisados, o cerne da controvérsia não é a opção
pelo Lucro Presumido (a qual é mera opção fiscal do contribuinte), tampouco
questões acessórias, como o registro da operação. No presente trabalho,
discutir-se-á a possibilidade de as empresas procederem a modificação da
classificação contábil dos imóveis, do Ativo Imobilizado para o Ativo
Circulante (estoque), de modo que o produto de sua alienação seja
tributado como receita operacional, e não como ganho de capital, a e
oponibilidade dessa manobra à fiscalização.
Inicialmente, como também ponderado nos julgados do Carf,
pontuamos que a definição contábil de Ativo Imobilizado, nos termos da
Resolução CFC n° 1.177/09 e no Pronunciamento CPC 27, é a seguinte: “imobilizado
é o item tangível que: é mantido para uso na produção ou fornecimento de
mercadorias ou serviços, para aluguel a outros, ou para fins administrativos e
se espera utilizar por mais de um período”.
Por outro lado, o Ativo Circulante é definido, nos
termos do Pronunciamento CPC 26 (R1), como o ativo que atende a um dos
seguintes critérios: i) espera-se que seja realizado, ou pretende-se que
seja vendido ou consumido no decurso normal do ciclo operacional da entidade;
ii) está mantido essencialmente com o propósito de ser negociado; iii)
espera-se que seja realizado até doze meses após a data do balanço; ou iv) é
caixa ou equivalente de caixa, a menos que sua troca ou uso para liquidação de
passivo se encontre vedada durante pelo menos doze meses após a data do balanço.
Por fim, registre-se que o tema também foi tratado pela
Solução de Consulta COSIT nº 254/2014:
ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
EMENTA: LUCRO PRESUMIDO. ATIVIDADE IMOBILIÁRIA. VENDA DE IMÓVEIS. TRIBUTAÇÃO.
As receitas decorrentes da venda de imóveis, efetuadas por pessoa jurídica que
exerça de fato e de direito atividade imobiliária, sob a sistemática do lucro
presumido, sujeitam-se ao percentual de presunção de oito por cento para
apuração da base de cálculo do IRPJ, ainda que os imóveis destinados a venda
tenham sido adquiridos antes de formalizada na Junta Comercial a inclusão de
tal atividade em seu objeto social. DISPOSITIVOS LEGAIS: Decreto nº 3.000, de
26 de março de 1999 (RIR/99), arts. 224, 518 e 519.[2]
Considerando tais regramentos, naturalmente, é certa a
necessidade de que a classificação do ativo seja feita com base na expectativa
real do gestor da pessoa jurídica, tendo em vista que a contabilidade não
autoriza, mormente em função do princípio da substância sobre a forma, que
se façam manobras contábeis com a finalidade exclusiva de gerar benefícios
tributários.
No acórdão nº 1402-003.859[3], tratou-se de uma empresa que,
historicamente, exercia atividade agropecuária, e que em 2008 incluiu no seu
contrato social a atividade imobiliária, reclassificando um terreno rural que
possuía para a conta de Estoque vindo, em 2011, a aliená-lo,
sujeitando seu produto à tributação como receita operacional. No caso, a
fiscalização entendeu que a reclassificação seria ato fraudulento, uma vez
que a empresa não teria exercido atividade imobiliária de fato entre 2008 e
2013. O relator pontuou que o terreno era explorado por meio do seu
arrendamento a terceiros como forma de manutenção do próprio bem e que a
transação se deu de acordo com o objeto social da Contribuinte, e que o fluxo
escritural da receita de venda do imóvel, estava conforme a sua classificação
contábil. Além disso, reforçava a mudança de atividade o fato dela não realizar
mais atividade agropecuária, e o fato de não haver vedação de empresas
imobiliárias fazerem apenas uma transação, a exemplo das SPEs.
Já no voto vencedor, entretanto, concluiu-se que a
empresa nunca exerceu efetivamente atividade imobiliária, e não constou
das suas declarações fiscais tal atividade ao tempo da venda. Além disso,
pontuo que se passou mais de um ano da reclassificação para estoque, sem
ser vendido, o que afastaria sua natureza de circulante. Por fim, o fato de ser
uma única transação deixaria claro que a manobra de reclassificação visava
apenas a vantagem tributária da tributação pelo lucro presumido.
Em outra decisão que tratou de caso semelhante, no acórdão
nº 1302-002.033[4], tratou-se de empresa agropecuária que
incluiu em seu contrato social a atividade de “compra e venda de imóveis
próprios”, por meio de alteração registrada em 12/09/2008, mas aduziu a
fiscalização que a venda do imóvel já havia se concretizado em 18/07/2008,
concluindo que a reclassificação desse ativo para Estoque fora mero
formalismo, com a finalidade de submeter a tributação do produto da venda ao
regime da receita operacional, no Lucro Presumido.
O relator endossou os fundamentos da fiscalização,
concluindo que a reclassificação fora artificial, em razão dos seguintes
elementos: i) falta de atividade imobiliária da empresa; ii) alteração
do objeto social para incluir atividade imobiliária apenas após a operação de
venda; iii) o fato do imóvel não ter sido adquirido originalmente
para revenda; e iv) não há prova de que, desde a origem da empresa, a
intenção seria empregar o imóvel em atividade imobiliária. Em razão disso,
concluiu que a reclassificação não atendia aos itens 57 e 58 do Pronunciamento
CPC 28, que trata da possibilidade de transferência do imóvel de “propriedade
para investimento” para Estoque.
O acórdão nº 1402-002.874[5], analisou o caso de empresa que adquiriu
imóvel para construção e venda de unidades imobiliárias, por meio de
incorporação, utilizando-se de SPE[6], mantendo esse imóvel constantemente em
seu Estoque, que, na sequência, desiste da construção e permuta o terreno.
A fiscalização entendeu que a receita da operação (valor do bem permutado)
seria não-operacional, pois não se relacionava à atividade final da SPE e o
imóvel, então, deveria estar no Ativo Imobilizado, tributando-a como ganho
de capital, e não como receita operacional no lucro presumido.
O relator, no caso, ponderou que o conceito de receita
bruta imobiliária é amplo (art. 30 da Lei nº 8.981/95[7]), de modo que abrange tanto a operação de
aquisição e posterior permuta/venda, como a incorporação imobiliária, estando
ambas sujeitas ao mesmo tratamento tributário no Lucro Presumido,
inclusive com idêntico percentual de base de cálculo. Além disso, rechaçou o
entendimento da classificação contábil do Ativo Imobilizado, tendo em
vista que ele era mantido com propósito de ser negociado – seja em estado “nu”,
seja como parte ideal, agregado às unidades imobiliárias[8].
Diferentemente dos casos acima, nos quais o imóvel alienado
estava classificado como Estoque, no julgamento que resultou no acórdão
nº 1301-003.022[9], analisou-se o caso de empresa que atuava
na área imobiliária, mas o imóvel estava classificado no Ativo Imobilizado,
sendo alugado a terceiros, antes da alienação.
Aqui, observou o relator que já constava no Contrato Social,
no seu objeto, a atividade de compra e venda de imóveis, o que em regra
enquadraria a alienação no objeto social, justificando o tratamento do ganho
apurado na operação como receita operacional. Ademais, invocou o acórdão
nº 1401-001.225 para sustentar que o simples fato de o imóvel estar
alugado, não bastaria para desqualificá-lo como elemento do Estoque,
devendo ser observado o contexto operacional para concluir pela correção
ou incorreção da contabilização do ativo. Nesse caso, o relator deu clara
preferência para a substância econômica dos ativos e o contexto da
operação realizada, em relação à forma como o bem estava escriturado no balanço
da empresa.
Como se vê, a questão da validade da reclassificação
contábil de imóveis, para fins de alienação, é uma questão que se coloca
discretamente no bojo da problemática da apuração de ganhos de capital e da
receitas operacionais nas empresas que exercem atividades imobiliárias, mas é
fundamental na verificação da carga tributária das operações, o que suscita
divergências dentro do âmbito do Carf.
Trata-se de uma discussão eminentemente contábil, ainda que
tenha relevantes reflexos fiscais, e, portanto, a sua solução deverá observar
os princípios usualmente aceitos da contabilidade, dentro os quais se destaca
o princípio da substância sobre a forma, que se relaciona sobremaneira com
a consideração do contexto operacional da empresa, e das circunstâncias nas
quais se deu a reclassificação e a alienação do bem imóvel.
Entretanto, parece-nos que deve se ter alguma cautela na
identificação de critérios objetivos, binários, de validação ou não
das reclassificações, exatamente porque essa análise substantiva pressupõe a
consideração global de diversos elementos fáticos. Por exemplo: o simples fato
de o ativo permanecer no Estoque, sem ser vendido, por mais de um ano, não
é contabilmente suficiente para a sua reclassificação no Imobilizado,
tendo em vista que o critério é a intenção atual de vendê-lo no curso
normal dos negócios da empresa – e é isso que deve ser verificado na
análise do seu enquadramento contábil.
Outro ponto relevante é a realização de atividades
imobiliárias. Por um lado, a ausência de outras operações com imóveis, pretéritas
ou futuras, pode indicar que não se tratava de uma atividade efetiva da
empresa, mas há que se ponderar também, como feito no acórdão nº 1402-002.874,
a possibilidade de uma SPE cuja finalidade é exatamente a alienação do bem, o
que dispensaria a demonstração de outros negócios.
Mesmo o fato da empresa não ter sido criada originalmente
para atividades imobiliárias, ou imóvel não ter sido adquirido para revenda ou
incorporação, por exemplo, não pode ser tomado como um impeditivo ao reconhecimento
da validade da reclassificação, até mesmo porque é natural que empresas alterem
seu escopo social e a destinação de seus ativos, ao longo da vida econômica.
Trata-se de um nível de flexibilidade compatível com a dinâmica real das
empresas.
Em suma: o tema demanda uma análise ampla das circunstâncias
envolvidas na operação da empresa, com a finalidade de compreender a intenção
da empresa (de seus gestores) em relação a determinados ativos, e como eles se
inserem no contexto econômico da empresa, para que se possa avaliar de maneira
contabilmente adequada a validade ou não da reclassificação, fugindo-se, sempre
que possível, de soluções apriorísticas ou simplistas.
Fonte: Consultor Jurídico