O vertiginoso índice de judicialização impõe uma inovação
disruptiva e a utilização de novos caminhos para efetividade e democratização
da justiça. A democracia, como exercício de poder, acessibilidade,
empoderamento, inclusão social e de decisão pelo cidadão, encontra-se
plenamente prestigiada nas novas mentalidades de composição de conflitos. Neste
sentido, pretende este sucinto texto apontar tendências e inovações que estão
sendo absorvidas, incorporadas e implementadas no Brasil.
“As consensualidades tornaram-se decisivas para as
democracias contemporâneas, pois contribuem para aprimorar a governabilidade
(eficiência); propiciam mais freios contra o abuso (legalidade); garantem a
atenção a todos os interesses (justiça); proporcionam decisão mais sábia e
prudente (legitimidade); desenvolvem a responsabilidade das pessoas (civismo);
e tornam os comandos estatais mais aceitáveis e facilmente obedecidos (ordem)”.1
A mediação é uma das formas de solução adequada de conflitos.
Nesta uma terceira pessoa imparcial, neutra e com capacitação técnica, facilita
o diálogo entre as partes, para que elas construam, com autonomia e
solidariedade, a melhor solução para o problema. Em regra, é utilizada em
conflitos multidimensionais ou complexos2. É um procedimento estruturado, não
tem um prazo definido, e pode terminar ou não em acordo, pois as partes têm
autonomia para buscar soluções que compatibilizem seus interesses e
necessidades.
Faz-se necessário a superação do modelo retrógrado e
ineficiente da arraigada cultura da judicialização, da sentença e da
dependência do paternalismo estatal que avassalam o sistema judiciário
brasileiro. O acesso à justiça é o acesso à ordem jurídica justa, portanto,
maior do que o simples acesso ao judiciário.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, a taxa anual de
congestionamento do Judiciário, a qual mede o percentual de processos que
ficaram represados sem solução, varia bastante entre os tribunais. Na Justiça
Estadual a média é de 73,9% e, na Justiça Federal, de 69,6%. Observa-se que
quanto maior o índice, maior a dificuldade do tribunal em lidar com seu estoque
de processos. E a maior litigante é a Administração Pública, possuindo o maior
número de demandas em trâmite.
Neste cenário, os novos mecanismos de solução alternativos
ao judicial podem e devem ser pensados porque também são imprescindíveis para
conter o colapso do sistema estatal. Os dados divulgados pelo Conselho Nacional
de Justiça denunciam um congestionamento processual não razoável, cuja razão é
atribuída, em grande medida, à cultura do demandismo. Como resposta a este
anúncio de um futuro caótico, também realidade de outros sistemas judiciários
no mundo, um movimento internacional de “desjudicialização” instaurou-se,
fundado, principalmente, no princípio da duração razoável do processo, o qual
tem amparo constitucional no direito pátrio (art. 5º, LXXVIII, CF). Fruto desse
movimento foi a elaboração de novos métodos alternativos de resolução de
litígios, diversos do processual, tais como a negociação direta e câmaras
arbitrais, de mediação e de conciliação.3 Mais recentemente, na seara
criminal, surge a denominada “Justiça Restaurativa”.
A escolha do método de resolução mais indicado para
determinada disputa deve levar em consideração as características específicas
do conflito, as vantagens e desvantagens em cada procedimento e aspectos como:
custo financeiro, celeridade, sigilo, manutenção de relacionamentos,
flexibilidade procedimental, exequibilidade da solução, custos emocionais na
composição da disputa, adimplemento espontâneo do resultado e recorribilidade.4
Entre os mecanismos adequados de resolução de disputas (ADR-
Alternative Dispute Resolution) temos métodos que podem ser utilizados
simultaneamente, numa abordagem pluralista com coexistência de vários deles:
negociação, mediação, conciliação, arbitragem, facilitação assistida, med-arb,
neg-med-arb e outras hibridações, práticas autocompositivas inominadas, dentre
outros. Todos esses métodos apresentam um ponto em comum: são instrumentos
efetivos de pacificação social, resolução e prevenção de litígios,
controvérsias, problemas5 e democratização da justiça.
Em recente artigo publicado pelo Ministro Luis Felipe
Salomão do STJ e Monica Drumond, sobre análise econômica do direito e sua
contribuição para eficiência do Poder Judiciário, foi enaltecido que o acesso à
justiça não deve ser compreendido como mera garantia de provocação do
judiciário e que há uma crise do modelo processual brasileiro evidenciada pela
lentidão, excesso de trabalho das Cortes e o inflado mercado da advocacia. E,
como solução ao problema, foi sugerido pela Escola de Chicago a adoção do
critério de eficiência econômica como um dos sentidos de justiça, que pode se
expressar por práticas autocompositivas, com menor custo social total, em
relação aos processos judiciais, haja vista o ganho em celeridade, redução de
gastos e satisfação das partes, trilogia característica da eficiência.6
Em nome da justiça, da paz social, da democracia, do
descongestionamento e dinamização do Poder Judiciário, o Estado vem estimulando
a adoção de métodos extrajudiciais de soluções de controvérsias. Assim o fez,
com inadequação e sem uniformidade de nomenclatura (não impeditiva de
aplicação), por meio da Lei 13.140/2015, conhecida como Lei da Mediação, a qual
dispõe sobre a mediação entre particulares e a autocomposição no âmbito da
administração pública. Além dela, o novo Código de Processo Civil (Lei
13.105/2015) é outro exemplo concreto do investimento em métodos consensuais de
resolução de conflitos como forma de pacificar controvérsias, promover
celeridade, efetivo acesso à justiça e manutenção harmoniosa e permanente das
relações sociais.
Nos últimos anos, parte significativa da academia, da
jurisprudência e da legislação brasileiras tem dado ênfase à diminuição de
litigiosidade e à utilização de meios consensuais e/ou extrajudiciais de
solução de controvérsias envolvendo entes públicos. Já se passou o tempo,
portanto, do preconceito e da negação.7 Foram superadas as críticas
contrárias à possibilidade de utilização dos métodos alternativos em casos nos
quais a administração pública é parte.
Outro exemplo é a Lei 13.465/2017, conhecida como Lei da
Reurb, que estipula como objetivo a ser observado pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, a resolução extrajudicial de conflitos em reforço à
consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade (art. 10). A
regularização fundiária urbana (Reurb) é um conjunto de normas gerais e
procedimentais administrativas que abrangem medidas jurídicas, urbanísticas,
ambientais e sociais, destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais,
consolidados ou não, ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus
ocupantes8.
Ainda segundo a Lei da Reurb, os Municípios poderão criar
câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito da
administração local, inclusive mediante celebração de ajustes com os Tribunais
de Justiça estaduais, as quais deterão competência para dirimir conflitos relacionados
à Reurb, mediante solução consensual. Ou ainda poderão, mediante a celebração
de convênio, utilizar-se dos CEJUSCs ou as câmaras de mediação credenciadas nos
Tribunais de Justiça (art. 34, § 5º).
A utilização de métodos alternativos vai além de uma opção
ao método adjudicativo, uma vez que constitui verdadeira pacificação social e
um dever imposto pelo Código de Processo Civil. Como exemplos o § 2º: “O Estado
promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos” e § 3º do
art. 3º, no qual há um dever legal imposto aos operadores do direito: “A
conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos
deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do
Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”.
A Resolução nº 118/2014, do Conselho Nacional do Ministério
Público dispõe sobre a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição
buscando, justamente, estabelecer regras gerais de incentivo à autocomposição,
no âmbito do Ministério Público.9
O Código de Processo Civil, assim como o art. 32 da Lei de
Mediação, impõe em seu art. 174:
“A União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições
relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais
como:
I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da
administração pública;
II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de
conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública;
III - promover, quando couber, a celebração de termo de
ajustamento de conduta.”
O modo de composição e funcionamento das Câmaras em comento,
bem como os conflitos que a ela podem ser submetidos, deverão ser disciplinados
pelo respectivo ente federativo, sendo facultativa a submissão dos conflitos à
Câmara (art. 32, §§ 1º e 2º, da Lei 13.140/15). Afirma a norma, ainda, no art. 32,
§ 3º, que o acordo derivado da Câmara terá natureza de título executivo
extrajudicial.
Está excluída a possibilidade de as Câmaras de Prevenção e
Resolução Administrativa de Conflitos analisarem as controvérsias que somente
possam ser resolvidas por atos ou concessão de direitos sujeitos à autorização
do Poder Legislativo. Por outro lado, restam incluídas entre suas competências
a prevenção e a resolução de conflitos que envolvam equilíbrio
econômico-financeiro de contratos celebrados pela administração com
particulares (art. 32, §§ 4º e 5º da Lei 13,140/15).
A Advocacia Pública da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, onde houver, poderá instaurar, de ofício ou mediante
provocação, um procedimento de mediação coletiva de conflitos relacionados à
prestação de serviços públicos com o intuito de aumentar a celeridade na
resolução coletiva de conflitos dos consumidores (parágrafo único do art. 33 da
Lei 13.140/15).
Na opinião de Maria Tereza Fonseca Dias, será preciso
clareza do regulamento que implementar os meios de autocomposição de conflitos
no âmbito da administração pública, na medida em que a mediação visa a
restauração das relações e do diálogo e não somente um acordo. Salienta que uma
área promissora da mediação na Administração Pública é a do processo
administrativo disciplinar.10
Nesse diapasão, confira-se:
“A Administração Pública deve se convencer da importância de
se adotar métodos alternativos de solução de controvérsias, diligenciando para
implantar uma rotina de autocomposição em suas relações. Isso certamente
contribuirá para a melhoria do serviço público e para o ambiente de trabalho
dos servidores públicos, acarretando na mudança de paradigma que vem sendo
defendida pela doutrina e implantada paulatinamente pelo ordenamento jurídico
pátrio.”11
Leila Cuéllar e Egon Bockmann Moreira, em conclusão a estudo
sobre a administração pública e mediação, afirmam que “os institutos da
negociação, da conciliação, da mediação e da arbitragem têm a capacidade de
aproximar as partes e gerar resultados compatíveis com as diretrizes
constitucionais, inclusive com os princípios que regem a Administração Pública”12.
Por fim, conclui-se nas palavras do Min. Luis Felipe
Salomão, do STJ, que: “Pode-se afirmar com segurança que as soluções
extrajudiciais, em especial a arbitragem e a mediação, representam o avanço do
processo civilizatório da humanidade, que, de maneira consciente, busca
mecanismos de pacificação social eficientes.”13
Fonte: Consultor Jurídico