O legislador foi sábio, tomando o cuidado de separar as
questões referentes à conjugalidade, das atinentes à parentalidade, ao limitar
a competência dos referidos Juizados às ações de divórcio puro
O atual CPC, modernizando nosso ordenamento jurídico,
destinou um capítulo específico para tratar das ações de família.
No caput do artigo 693, tal código elenca como
pertencentes ao ramo das ações de família os processos contenciosos de
divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda,
visitação e filiação, prevendo, em seu parágrafo único, que a ação de alimentos
e as que versarem sobre interesses de crianças ou de adolescentes observarão o
procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as
disposições trazidas no já referido capítulo.
A leitura do caput do artigo 693, deixa claro que
os processos lá elencados, são distinto, autônomos.
Entretanto, por força da previsão contida no art.
327, caput e parágrafos, do mesmo Código de Processo, é perfeitamente
possível a cumulação, em uma só ação, dos pedidos relacionados ao
divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda,
convivência, visitação e filiação.
Tal cumulação de pedidos, além de contar com autorização
legal, é, em regra, a que mais se amolda e atende aos princípios e objetivos
buscados pelas normas fundamentais do Processo Civil, notadamente a busca pela
solução integral e justa1 do mérito, incluída a atividade satisfativa2, em
prazo razoável, assim como a que concede maior efetividade ao direito
fundamental esculpido no inciso LXXVIII, do art. 5°, da Constituição.
Vistas as vantagens da cumulação dos processos mencionados,
cabe ressaltar que, como os pedidos são distintos, é evidente que não há
necessidade de que todos sejam apreciados ou julgados na mesma fase processual,
podendo, por exemplo, o divórcio puro ou simples ser objeto de decisão parcial
de mérito3, até mesmo inaudita altera pars, na modalidade que doutrina e
jurisprudência vem denominando de divórcio unilateral ou impositivo.
Questão que, à primeira vista, parece tormentosa, é a
novidade trazida no bojo da lei 13.893/19, que acrescentou à lei 11.340/06 o
art. 14-A, caput e parágrafos, que trazem as seguintes previsões:
O caput do dispositivo supra dá à mulher ofendida
a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado
de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou no Juízo da Vara de
Família.
Interessante notar que o legislador foi sábio e prudente,
tomando o cuidado de separar as questões referentes à conjugalidade, das
atinentes à parentalidade, uma vez que limitou tal opção aos processos
contenciosos de divórcio e de dissolução de união estável, tanto é que, em
observância à regra contida no art. 1.581 do Código Civil, se preocupou em
deixar consignado que os Juizados não têm competência para análise e julgamento
dos assuntos relacionados à partilha de bens.
As questões derivadas da parentalidade, decorrentes do fim
da conjugalidade4, como guarda5, convivência6, filiação e alimentos7 destinados aos filhos, por qualquer ângulo que se
analise, continuam, por expressa previsão legal, como sendo de
competência8 dos Juízos das Varas de Família, na forma da lei de
organização judiciária local, ou, dependendo do caso concreto, das Varas
de Infância e Juventude.
Desta forma, caracterizada a incompetência absoluta dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para conhecer e
julgar as ações relativas à parentalidade, decorrentes da conjugalidade ou do
fim desta, caso a ofendida opte por propor o divórcio ou a dissolução da união
estável em tal Juizado, caberá ao magistrado responsável declarar a
impossibilidade de cumulação de pedidos9, remetendo aos questões relativas à
guarda, convivência, filiação e alimentos destinados aos filhos, para o Juízo
competente, se limitando a analisar as questão relativa ao divórcio puro ou
simples ou à dissolução pura e simples da união estável.
Pois bem, toda a sistemática processual abarcada pela
possibilidade do divórcio ou dissolução da união estável junto ao juizado de
violência doméstica e familiar contra a mulher, visa priorizar o tratamento
daquela conjugalidade falida e que muitas vezes, em razão da violência
doméstica vivenciada, carece de comando judicial célere para pontuar
oficialmente seu fim. Portanto, aqui a proteção se direciona especifica e
exclusivamente à mulher vítima da violência, caracterizando-se a dissolução do
vínculo conjugal como uma medidas protetivas aptas a interromper o ciclo da
violência.
De outra banda, havendo filhos comuns daquele relacionamento
arruinado, a aplicação adequada das normas legais vigentes deve
buscar ao máximo a preservação integral e prioritária dos direitos das crianças
e dos adolescentes envolvidos, sendo estes os atores principais do processo10,
notadamente no que toca à convivência familiar e comunitária.
O relacionamento entre genitores e filhos,
após uma conturbada quebra da conjugalidade, deve possuir um olhar mais
sensível, cuidadoso e especializado por parte do Judiciário como um
todo, sendo tomadas precocemente11 as medidas
que visem e contribuam para a manutenção, o fortalecimento e, se necessário, a
criação ou reconstrução dos vínculos familiares e comunitários12.
Assim, em respeito ao devido processo legal e ao outros
princípios constitucionais, se mostra indene de dúvidas que a competência
atribuída aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
se restringe tão somente às ações de divórcio e dissolução de uniões estáveis
na modalidade pura ou simples, pertencendo as questões oriundas da
parentalidade à competência exclusiva dos Juízos das Varas de
Família, na forma da lei de organização judiciária local, ou, quando
for o caso, das Varas de Infância e Juventude, uma vez que tais Juízos e suas
respectivas equipes multidisciplinares estão mais aptos, possuindo maior
expertise e sensibilidade, para a aplicar precocemente as pedagógicas
medidas necessárias à manutenção, ao fortalecimento e, se necessário, à criação
ou à reconstrução dos vínculos familiares e comunitários, entre
pais, filhos e respectivas famílias extensas, buscando, por fim, através da
extinção ou minimização dos conflitos parentais existentes, conceder às criança
e aos adolescente o direito fundamental à convivência familiar saudável.
Fonte: Migalhas