O Brasil tem agora uma legislação de privacidade efetiva,
inspirada no General Data Protection Regulation europeu (GDPR) e
alinhada com os melhores padrões internacionais: em 18 de setembro de 2020, a
Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entrou em vigor na sua quase totalidade.
Os direitos dos titulares de dados, incluindo pedidos de
acesso, retificação, bloqueio e anonimização de suas informações pessoais,
podem ser exercidos desde já. Controladores e operadores devem tratar dados
pessoais de acordo com uma das bases legais previstas na LGPD e cumprir com
suas respectivas obrigações estabelecidas na lei, podendo ser responsabilizados
no judiciário se violarem os seus deveres legais.
De outro lado, embora os artigos da LGPD relativos à
Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) já estejam em vigor desde o
final de 2018 e a estrutura regimental da ANPD tenha sido definida pelo Decreto
nº 10.474/2020, a ANPD ainda não iniciou suas atividades.
A ANPD terá um papel-chave no ecossistema de privacidade
criado pela LGPD. Caberá a ela, entre outros, regulamentar temas ainda em
aberto (como os critérios para a transferência internacional de dados
pessoais), orientar titulares de dados, controladores e operadores, fiscalizar
o cumprimento da lei, investigar incidentes de segurança e aplicar sanções
administrativas em caso de descumprimento das normas de privacidade.
Tais sanções administrativas, que, no limite, podem chegar a
multas de R$ 50 milhões por infração, ou mesmo à proibição do exercício de
atividades envolvendo o tratamento de dados pessoais, poderão ser aplicadas a
partir de agosto de 2021, quando a LGPD entrará em vigor na sua totalidade.
De qualquer forma, mesmo que a ANPD ainda não tenha sido
efetivamente criada, e que controladores e operadores ainda não estejam
sujeitos às sanções administrativas da LGPD, é importante considerar que as
autoridades de defesa do consumidor vêm aplicando multas administrativas com
base na legislação consumerista e que o Ministério Público já instaurou mais de
50 investigações via inquéritos civis e procedimentos administrativos entre
2017 e 2020 em situações envolvendo a violação de dados de consumidores.
Recentemente, tanto o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios
(MPDFT) como a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) vieram a público
para manifestar o entendimento de que possuem competência concorrente com a
ANPD em matéria de proteção de dados de consumidores.
Sendo assim, a conformidade com a LGPD é uma preocupação
imediata, especialmente porque uma grande parte das empresas brasileiras ainda
não concluiu, ou sequer iniciou, o processo de adequação à lei. Esse atraso é
compreensível considerando que os esforços do setor produtivo estiveram
majoritariamente voltados ao enfrentamento da pandemia de COVID-19 durante os
últimos meses. Porém, no momento em que se discute a retomada da economia em
diversas frentes, é necessário também priorizar a conformidade de atividades
envolvendo dados pessoais e informações sensíveis com a LGPD.
Empresas B2C (business-to-consumer) ou que, de outra forma,
desenvolvem negócios com algum grau de inteligência de dados são tipicamente
aquelas com mais atividades a serem revisadas e ajustadas durante o processo de
conformidade. Contudo, empresas B2B (business-to-business), ainda que não
tratem dados pessoais como parte de suas atividades principais, também devem se
preocupar com a conformidade. Virtualmente todas as empresas realizam
atividades com dados pessoais, ainda que de forma limitada, como, por exemplo,
o manejo de dados pessoais de empregados, o controle de acesso de visitantes ou
o monitoramento de câmeras de segurança. Todas essas atividades devem estar de
acordo com a LGPD.
Outras providências urgentes envolvem a nomeação do
encarregado pelo tratamento de dados pessoais (que poderá ser pessoa física ou
pessoa jurídica), a revisão de documentos, incluindo políticas de privacidade,
avisos de privacidade e contratos com clientes e fornecedores, a gestão
daquelas operações de tratamento de dados pessoais baseadas no consentimento do
titular dos dados (visto que o consentimento poderá ser revogado a qualquer
tempo pelo titular, caso em que o tratamento deverá ser imediatamente
interrompido), a definição do papel que será assumido pela empresa em suas
atividades de tratamento de dados pessoais (a qualificação como controlador ou
operador gera obrigações distintas), bem como a criação de procedimentos de
resposta a incidentes de segurança e mecanismos que permitam o atendimento
tempestivo e gratuito a pedidos formulados por titulares de dados.
Criar uma governança de privacidade e administrá-la envolve
custos e esforços significativos para as empresas. Um investimento que se
justifica, em parte, pela mitigação do risco de responsabilização pelo
descumprimento da lei, mas que também agregará valor e criará vantagens
competitivas para aqueles que forem reconhecidos por consumidores e parceiros
como aderentes às normas de privacidade.
Vivemos em uma economia conectada e temos o desafio
permanente de compatibilizar a proteção dos dados pessoais com o fluxo livre de
informações, algo essencial ao funcionamento de redes sociais e aplicativos que
fazem parte de nossa rotina atual, mas também fundamental para o
desenvolvimento de novas tecnologias como a Internet das Coisas (Internet of
Things). Aqueles que seguirem os padrões do GDPR e, a partir de agora, da LGPD,
terão mais chances de sucesso.