Reconhecimento da universalidade dos direitos das pessoas
com deficiência. Esse foi o sentido da recente decisão do Supremo Tribunal
Federal que concedeu Habeas Corpus (HC 165.704) coletivo para determinar a substituição
da prisão cautelar de pais e responsáveis por crianças menores e pessoas com
deficiência.
Condicionada também às regras processuais previstas no
artigo 318 do Código de Processo Penal, a ordem coletiva atinge todas as
pessoas presas que tenham sob sua única responsabilidade pessoas com
deficiência.
Decisão semelhante, mas restrita às gestantes e mães de
crianças com até 12 anos, já havia sido concedida em 2018, nos autos no Habeas
Corpus 143.641-SP.
Agora, o Supremo Tribunal Federal estende o sentido daquela
decisão aos presos que tenham sob seus cuidados as pessoas com deficiência, o
que traz concretude aos direitos humanos dessas pessoas, à luz do que dispõem a
Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
protocolo facultativo, ratificados pelo Brasil.
É importante consignar, ainda, nessa hipótese, a
preponderância dos direitos humanos da pessoa com deficiência sobre a
prerrogativa do Estado-Administração de manter segregado o familiar
exclusivamente responsável pela pessoa com deficiência. Manter-se a situação
anterior significaria, na prática, verdadeira transferência de pena do
condenado à pessoa com deficiência, porquanto esta estaria impedida de manter
consigo acompanhamento familiar e social e, com isso, desenvolver-se.
A decisão judicial, pois, vai ao encontro da atual
hierarquia de valores que integram o sistema jurídico nacional e internacional
e concede à questão da pessoa com deficiência tratamento digno, voltado à
inclusão, ao pleno desenvolvimento de seus direitos de personalidade e à
diminuição das barreiras impostas pela sociedade.
A longo da História, a vida das pessoas com deficiência
nunca foi fácil. No primeiro momento histórico, caracterizado pela
intolerância, decretos de morte eram comuns.
O segundo momento caracterizou-se pela "enfermidade
incurável", impondo às pessoas com deficiência verdadeira hipótese de
invisibilidade.
O terceiro momento se caracterizou pelas conhecidas
internações em instituições psiquiátricas e se consubstanciaram pela busca pela
cura. A deficiência, então, era uma "doença a ser curada", como
define Flávia Piovesan.
E, finalmente, o quarto e atual momento se orienta pelo
paradigma dos direitos humanos, com ênfase à inclusão social da pessoa com
deficiência no meio em que ela se insere, com vista à eliminação de barreiras
culturais, arquitetônicas, atitudinais, físicas e sociais.
Hoje, a deficiência é vista como algo natural e não se
restringe apenas à questão biológica, mas conjuga a questão biológica e funcional
à das barreiras impostas pela sociedade. Ou seja, quanto maiores as barreiras
impostas pela sociedade, maior a deficiência.
Conclui-se, portanto, que o conceito biopsicossocial da
deficiência impõe à sociedade o dever de diminuir barreiras e envidar todos os
esforços para o pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência. E é justamente
em razão desse dever de diminuir barreiras e ofertar à pessoa com deficiência a
possibilidade de desenvolver-se que a convenção propõe que as famílias, como
núcleo natural e fundamental da sociedade, recebam a proteção e assistência
necessárias para torná-las capazes de contribuir para o pleno e equitativo
exercício dos direitos das pessoas com deficiência.
A decisão do Supremo Tribunal Federal vai ao encontro da
atual concepção de deficiência, ao permitir que a pessoa com deficiência não
seja prejudicada em seu desenvolvimento pelo encarceramento de seu único
responsável. Trata-se de medida de cuidado, essencial aos direitos humanos e à
promoção dos direitos e dignidade das pessoas com deficiência para garantir sua
participação na vida social, econômica e cultural.
Fonte: Consultor Jurídico