Assim como toda profissão que teve de se adaptar à evolução
dos tempos, à tecnologia e à modernidade — para não entrar em extinção —, as
atividades daqueles que militam na advocacia também passaram por esse processo
natural de digitalização.
Em 2014, quando se iniciou o processo eletrônico nos
tribunais brasileiros, houve um grande marco na vida jurídica: por causa da
obrigatoriedade do uso do certificado digital para peticionamento, muitos
advogados que não estavam acostumados com a tecnologia tiveram muitas
dificuldades para peticionarem eletronicamente. Certamente, aqui a tecnologia
foi uma barreira na vida daqueles que não estavam acostumados a ela, e que não
conseguiram se adaptar a essa nova rotina.
Aqueles que passaram por essa transição logo tiveram de
lidar com sistemas de peticionamento eletrônico diferentes em cada tribunal do
país, softwares específicos para gestão processual, armazenamento em
nuvem, gerenciamento de identidades digitais e inúmeros outros detalhes que
antes não faziam parte da vida de muitos profissionais do Direito.
E, assim, a advocacia foi se modernizando. Às vezes, na
velocidade de uma tartaruga. Aos poucos, fomos nos aprimorando no uso da
tecnologia em nosso cotidiano profissional, novos advogados foram ingressando
nos quadros da OAB e impulsionando a renovação do mercado, trazendo dinamismo e
modernidade também para dentro dos nossos escritórios. Ao convivermos com os
mais jovens, que são mais antenados à tecnologia, temos a possibilidade de
unirmos o melhor dos dois mundos: a experiência de um lado e a inovação de
outro. É claro que isso somente ocorre se ambos estiverem dispostos a trocar
experiências. Mas, cá entre nós: nossa profissão sempre foi mais conservadora,
enraizada, com uma dificuldade hercúlea em aceitar novos hábitos,
novos softwares, novos apps, novos comportamentos, outros
estereótipos, novas formas de fazer o velho trabalho.
Ao longo dos últimos anos, seguimos numa jornada crescente de
digitalização da advocacia, num patamar de modernidade que até assustava os
mais antigos: inteligência artificial, chatbots [1], contratos inteligentes, visual
law [2], blockchain [3], algoritmos, proteção de dados
pessoais, machine learning [4] etc. Alguns dizem que a
advocacia será uma profissão extinta, que será dominada por robôs... Duvido.
Não há robô capaz ainda de ter uma interação e semântica tão singular quanto um
ser humano. Aí é que o advogado que é peculiar, que trabalha com foco na
qualidade dos serviços que entrega, no atendimento humano, tem o diferencial,
pois aquele advogado que "copia e cola" trechos de documentos, faz
tudo no estilo "linha de produção", sim, de fato, esse será
facilmente substituído pela inteligência artificial.
E, então, fomos surpreendidos pela pandemia de Covid-19 no
início deste ano. Naquele momento do ano em que pensamos que agora iríamos dar
início a novos projetos, retomar antigos, fazer novos negócios,
construir networking, não, cessa tudo!
Todos fomos afetados, em maior ou menor grau. Todos perderam
algo (ou muito) neste 2020.
E a advocacia foi jogada de vez no ambiente virtual:
fecharam os fóruns, suspenderam-se atendimentos presenciais em órgãos públicos,
cancelaram-se audiências (que aos poucos, foram para o ambiente virtual),
acabaram as reuniões e consultas presenciais, não tem mais necessidade de
escritório físico (afinal, quase todos estão em trabalho remoto), as atas dos
cartórios se tornaram digitais [5], a conversação com os clientes foi
totalmente transportada para os apps de mensagens e e-mails, a casa
se transformou em escritório também.
Assim, a advocacia passou a depender exclusivamente da
internet para o desenvolvimento de suas atividades: para que aquela sede física
chique, naquele bairro nobre, se agora o imóvel permanecia fechado, com todos
os sócios, associados e colaboradores trabalhando de suas residências? O que
fazer com aquele material gráfico impresso, no qual você investiu para
divulgação de seu escritório em eventos presenciais, que agora foram
cancelados? Onde estão seus clientes agora? Todos em casa, a um clique de
distância, não importando o nível financeiro, social ou intelectual.
E eis, então, que aqueles advogados que sempre batalharam
por seu espaço na internet, que sempre foram investindo em seus sites, redes
sociais profissionais, materiais autorais desenvolvidos no intuito de
divulgarem seu conteúdo e nome no mercado, que utilizaram a tecnologia como
aliada no dia a dia, passaram a concorrer quase que igualmente com as grandes
bancas: estavam todos na mesma situação, sendo que muitos dos grandes
escritórios possuem estruturas mais hierarquizadas, onde a implantação de um
novo tipo de material, canal de atendimento ou posicionamento no mercado pode
ter que passar por um processo mais burocrático.
Assim, despontaram alguns profissionais e escritórios já
acostumados a lidar com o mundo virtual (não necessariamente os mais novos, mas
sim os mais adaptáveis), onde tudo aquilo que agora era novidade para a maioria
da população mundial já fazia parte de suas rotinas há muitos anos.
Com a pandemia, vieram inúmeros problemas... E, nesse
contexto, os advogados se viram envoltos em um cenário caótico, tanto do ponto
de vista profissional, quanto pessoal, tendo que gerenciar várias crises: no
trabalho e em casa. Tivemos que impor limites aos clientes, à família e à nós
mesmos, por questões de sanidade física e mental.
Nesse contexto de tantas dificuldades, muitos contratos e
acordos tiveram que ser negociados ou repactuados, tanto no âmbito empresarial,
quanto nas relações entre pessoas físicas e, assim, sobressaiu aquele
perfil de profissional intermediador: o advogado negociador, que trabalha por
melhores acordos, que explica com transparência todas as possibilidades e
adversidades para os clientes, que conversa com ambas as partes envolvidas em
um litígio, contrato ou negociação. Aquele profissional de perfil combativo e
briguento, nesse cenário, não teve como prevalecer.
Pesquisas demonstram que, durante a pandemia, mais pessoas
buscaram realizar acordos do que ingressar com processos judiciais, e o índice
de realização de acordos em fase judicial aumentou, além do incremento de plataformas
que propiciam a composição entre as partes [6] [7].
Portanto, o advogado intermediador, com perfil mais
flexível, humano, empático, comunicador, transparente e acessível ganhou
destaque, e creio que esse perfil de fato deverá se sobressair. Afinal, em um
cenário com tantos problemas, incertezas e agressividade, o que se mais espera
é que o profissional que irá ajudar-lhe a resolver uma dificuldade minimize ao
menos os entraves existentes na relação advogado-cliente e aqueles que decorrem
da própria situação.
Assim, os profissionais que também buscaram por novas formas
de continuarem a desenvolver o seu trabalho, sem limitação de espaços,
conseguiram reduzir custos e se mantiveram atuantes: deixaram as sedes físicas
de seus escritórios para trabalharem remotamente e contrataram planos de
"escritórios virtuais", coworkings ou compartilhamento de
salas, a fim de reduzirem custos Assim, com uma infraestrutura mais
enxuta, é possível economizar mais nesse período, e com a retomada gradativa
das atividades, ir ajustando o formato de trabalho conforme suas necessidades e
possibilidades. Dessa forma, a necessidade de contratação de pessoas para
estarem fisicamente em um escritório não é primordial, e não há mais
necessidade de investir tanto em espaços ou serviços locais: vale mais a pena
investir em pessoas, afinal, são estas que constroem o trabalho jurídico que
será destinado aos clientes.
Com todos os recursos tecnológicos disponíveis na
atualidade, podemos nos adaptar e oferecer o melhor trabalho com uma equipe
melhor preparada e engajada, alocada em qualquer lugar do mundo, onde focamos
nossas habilidades naquilo que realmente importa: prevenir, mitigar e resolver
demandas, dando maior segurança às relações jurídicas dos que nos procuram.
Fonte: Consultor Jurídico