No momento em que há um debate sobre as possíveis alterações
na Lei de Lavagem de Dinheiro, cabe a reflexão de um tema ainda tormentoso que
trata do problema da prova para o oferecimento da denúncia. É certo que o atual
dispositivo legal trata da possibilidade de oferecimento da inicial acusatória
tão somente com indícios da infração penal antecedente e pensamos que essa
questão merece ser revisitada para o bem da segurança jurídica.
No processo penal, a regra é a de que existam indícios da
autoria e prova da materialidade do crime para o oferecimento da denúncia. A
lei de branqueamento de capitais brasileira inovou ao exigir somente os
indícios da infração antecedente. Porém, fica a indagação se este dispositivo
não fere as garantias do acusado, é dizer, da mais ampla defesa e do
contraditório. Isso porque, de acordo com o preceito contido no dispositivo, o
acusado terá de se defender de uma acusação de lavagem de capitais baseada em
uma infração antecedente que não restou provada, ou seja, há apenas indícios
suficientes desta, ferindo assim toda a lógica do devido processo legal.
É certo que o processo penal é por vezes considerado um
instrumento necessário de proteção dos valores recolhidos pelo Direito Penal,
cuja função principal consiste em dotar o Estado de um procedimento
preestabelecido para a aplicação do ius puniendi. A finalidade, portanto,
das medidas restritivas de direitos fundamentais suscetíveis de serem adotadas
no processo penal orientar-se-iam, assim, em princípio, a permitir aos órgãos
do Estado a satisfação dos fins próprios do Direito material, dando deste modo
resposta ao interesse de persecução penal que anima sua atuação neste âmbito e
que se opõe ao ius libertatis dos cidadãos [1].
O questionamento que se impõe é acerca dos limites do Estado
na tentativa de efetivar essas medidas de persecução penal sem ferir os
direitos e garantias fundamentais do cidadão. Ainda que o crime de lavagem seja
um crime grave, não se pode permitir ao Estado que viabilize uma acusação
contra o indivíduo baseada em "indícios suficientes" das infrações
antecedentes. Nesse sentido, transcorridos mais de 20 anos da edição da Lei
9.613/98, é chegado o momento de fazermos uma revisão dessa estrutura
processual, permitindo, com isso, a implementação de um processo justo ao
cidadão acusado.
Montañez Pardo [2], ao tratar da prova indiciária na
Espanha, afirma que é possível a aceitação desta, mas adverte que ela deve
observar alguns requisitos e os resume desta forma: a) os indícios devem estar
plenamente seguros. Assim, não valem as meras conjecturas ou suspeitas,
pois não é possível construir certezas sobre simples probabilidades; b)
concorrência de uma pluralidade de indícios. É necessário que concorram uma
pluralidade de indícios, pois um fato único ou isolado impede fundamentar a
convicção judicial com base na prova indiciária; c) existência de razões
dedutivas. Entre os indícios provados e os fatos que se inferem destes deve
existir um enlace preciso, direto, coerente, lógico e racional segundo as
regras do critério humano.
Talvez, utilizando-se desse critério para a verificação dos
indícios da infração antecedente, seria possível que se viabilizasse a inicial
acusatória pelo crime de lavagem de dinheiro. Acreditamos que o melhor seria
uma prova segura da infração antecedente, o que necessariamente não significa
uma sentença condenatória, mas que permita ao juiz a verificação dos fatos
típicos e antijurídicos que geraram os bens aptos a serem lavados.
Em que pese parte da doutrina brasileira mencione a
desnecessidade de descrição minuciosa da infração antecedente na denúncia, sob
o argumento de que isso deve ser feito em relação ao crime de lavagem, enfatiza
que cabe ao Ministério Público demonstrar ao juiz que a inicial acusatória está
fundamentada em seguros indícios de que o crime de lavagem foi praticado em
relação direta ou indireta aos produtos da prática de infrações
antecedentes [3]. Na ausência de tal demonstração, a
denúncia, a nosso ver, deverá ser rejeitada [4].
Novamente insistimos que a questão merece ser revisitada agora, pois a prova indiciária da infração antecedente não pode e não deve servir de sustentação jurídica para fundamentar uma denúncia de lavagem de dinheiro. Uma revisão nesse dispositivo da lei de branqueamento de capitais permitiria um processo adequado à Constituição e impediria a rejeição de denúncias sem os requisitos fundamentais, ou, até mesmo, ações penais que ao final são fulminadas por ausência de provas.