Ao longo dos últimos anos temos visto no Brasil um grande
número de pedidos de recuperação judicial. Notícias sobre as dificuldades de
empresas queridas pelo grande público – como no caso das Livrarias Cultura e
Saraiva e das companhias de aviação Avianca e Latam, por exemplo – causam
grande comoção e real torcida pela sua recuperação. São tempos extremamente
desafiadores em que a agonia dos empresários e de algumas profissões e decorre
não apenas da crise política e econômica prolongada em que nos encontramos e
dos desafios da pandemia que ainda assola boa parte do mundo, mas também da rápida
mudança causada pela nova dinâmica social e comercial em relações
crescentemente virtuais.
Durante muito tempo, a única opção para as empresas em
dificuldade era o procedimento de falência. Muitos anos se passaram até que no
ano de 2005 fosse aprovada a Lei 11.101, trazendo o conceito da Recuperação
Judicial com o objetivo de “viabilizar a superação da situação de crise
econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,
promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à
atividade econômica.” Poucos anos depois desta grande evolução um outro
movimento importante se iniciou com a publicação pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) da Resolução 125/2010, dispondo sobre a política judiciária
nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder
Judiciário, que foi a mola propulsora do uso dos Métodos Extrajudiciais de
Solução de Controvérsias em nosso país.
O primeiro método a se consagrar foi a mediação, que já se
apresenta como uma grande aliada nos procedimentos de recuperação judicial. A
existência de lei específica regulando o procedimento – Lei 13.140/2015 – e do
enunciado 45 aprovado na I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de
Litígios, referendando a compatibilidade da mediação com a recuperação
judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária,
pavimentaram o caminho para a sua crescente utilização, que foi também
chancelada pela Recomendação 58/2019 do CNJ, que reforça a recomendação pelo
seu uso. A atuação de um mediador na fase pré-processual, facilitando a
articulação entre os interessados no procedimento e a melhor estruturação do
plano de recuperação já é utilizada com frequência e com bons resultados para
sucesso da sua aprovação pelos credores. Também temos visto com certa
frequência a atuação de mediadores ao longo do procedimento, dando maior
celeridade e efetividade às negociações e ao deslinde do processo de uma forma
geral.
A pacificação do uso da mediação nos procedimentos favorece
a aceitação de novas soluções que também possam contribuir para eficiência e
celeridade do procedimento, abrindo espaço para que sejam propostas novas
técnicas menos conhecidas, mas igualmente efetivas. A construção de consenso
(“consensus building”) e as técnicas de advocacia colaborativa, por exemplo, se
mostram bastante promissoras, mas há um método que merece especial atenção por
suas características e que promete se tornar tão frequente e bem-sucedido
quanto à mediação: os Dispute Boards.
Também conhecido como Comitês de Prevenção e Resolução de
Disputas, os Dispute Boards nasceram nos EUA no final dos anos 60 como uma
alternativa à arbitragem na resolução de disputas nos contratos de
infraestrutura. Em seu formato mais frequente, o Comitê é formado por três
profissionais indicados pelas partes e que acompanham o projeto desde o seu
início, prevenindo e solucionando as disputas surgidas ao longo da execução do
contrato. Como ocorre nos demais métodos extrajudiciais de solução de
controvérsias, a sua utilização é necessariamente combinada com a arbitragem ou
com o poder judiciário como forma final de resolução de disputa. Casos recentes
de sucesso no país com a previsão do seu uso nos contratos de estruturas
temporárias dos Jogos Olímpicos e na linha 4 do metrô de São Paulo, aliados aos
avanços na sua regulação como os três enunciados aprovados na já mencionada I
Jornada de Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios, a Lei Municipal
aprovada na cidade de São Paulo e dois projetos de Lei em trâmite no Senado e
na Câmara, vem dando maior segurança aos usuários para a sua utilização.
A vocação do Comitê para impulsionar a marcha do contrato e
promover o diálogo entre as partes na resolução dos seus conflitos em tempo
real o fazem um método com características únicas em relação aos demais. Com os
necessários ajustes é possível prever a sua utilização em outros tipos de
contrato que não os de infraestrutura, como nas relações societárias e nos
contratos de tecnologia, por exemplo, e também já se começa a ver um exercício
de adaptação para a sua utilização como aliado na recuperação das empresas em
dificuldades. Em um artigo inovador sobre o tema, que será publicado no livro
“Manual de Dispute Boards: Teoria, Prática e Provocações”, o professor Márcio
Guimarães trata do tema, considerando-os plenamente compatíveis com o espírito
de transparência e cooperação que devem guiar o processo de soerguimento da
empresa em crise. De forma prática e objetiva, cogita a sua utilização nos
conflitos em que se discutam a existência, importância e natureza de créditos e
na composição de interesses antagônicos surgidos ao longo do processo
recuperacional como nas disputas relacionadas à consolidação do quadro geral de
credores e nas Disputas societárias comumente observadas nos processos de
reestruturação. A possibilidade de ter uma decisão mais célere emitida por um
Comitê que, além de ser composto por especialistas ainda são capazes de atuar
em tempo real no deslinde das controvérsias, é algo que em muito contribuiria
para a maior eficiência dos procedimentos, respeitados os requisitos legais
para a sua perfeita integração ao sistema já existente na prática atual.
Estamos diante da expectativa de um aumento exponencial no
número de novos pedidos de recuperação judicial e este crescimento no volume de
processos certamente tornará ainda mais longos e dolorosos os procedimentos. O
estímulo à utilização de novos métodos extrajudiciais de solução de controvérsias
certamente servirá como um grande aliado para a maior celeridade e eficiência
das recuperações judiciais.
Fonte: O Estado de São Paulo