A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
firmou o entendimento de que o empresário rural, embora precise estar
registrado na Junta Comercial para requerer a recuperação judicial, pode
computar o período anterior à formalização do registro para cumprir o prazo
mínimo de dois anos exigido pelo artigo 48 da Lei 11.101/2005.
Com a decisão, as duas turmas de direito privado do STJ
passam a ter uma posição unificada sobre o tema. No julgamento do REsp
1.800.032, a Quarta Turma também concluiu que o requisito de dois anos
de atividade, exigido em qualquer pedido de recuperação, pode ser atendido pelo
empresário rural com a inclusão do período em que ele não tinha registro na
Junta Comercial.
"A inscrição, por ser meramente opcional, não se
destina a conferir ao empresário rural o status de regularidade,
simplesmente porque este já se encontra em situação absolutamente regular,
mostrando-se, por isso, descabida qualquer interpretação tendente a penalizá-lo
por, eventualmente, não proceder ao registro – possibilidade que a própria lei
lhe franqueou. Portanto, a situação jurídica do empresário rural, mesmo antes
de optar por se inscrever na Junta Comercial, já ostenta status de
regularidade", afirmou o relator do recurso julgado na Terceira Turma,
ministro Marco Aurélio Bellizze.
Empresário comum e rural
O ministro explicou que, nos termos do artigo 967 do Código Civil, antes mesmo do
início do exercício da atividade econômica, é exigida do empresário individual
comum (ou da sociedade empresarial comum) a inscrição no Registro Público de
Empresas Mercantis, como forma de enquadrá-lo em situação de regularidade.
Assim, o empresário que inicia suas atividades sem o registro na Junta
Comercial estará em condição irregular – circunstância que, porém, não implica
sua exclusão do regime jurídico empresarial.
Entre as consequências para quem não cumpre a obrigação de
se registrar – lembrou o ministro – está exatamente a proibição de requerer a
recuperação judicial.
No caso do empresário rural, Bellizze ponderou que o artigo 970 do Código Civil, em razão das
peculiaridades desse segmento econômico, conferiu-lhe tratamento favorecido,
diferenciado e simplificado em relação à inscrição e aos efeitos dela
decorrentes. Por isso – acrescentou o ministro –, aquele que exerce atividade
econômica rural possui a faculdade de se submeter, ou não, ao regime jurídico
empresarial, segundo previsto no artigo 971 do CC/2002.
"Dessa maneira, a inscrição do empresário rural na
Junta Comercial apenas declara, formaliza a qualificação jurídica de
empresário, presente em momento anterior ao registro. Exercida a faculdade de
inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, o empresário rural, por
deliberação própria e voluntária, passa a se submeter ao regime jurídico
empresarial", disse o relator.
Outros meios de prova
Marco Aurélio Bellizze esclareceu que o empresário rural que
pretende se valer dos benefícios da recuperação judicial – instituto próprio do
regime empresarial – terá que fazer a inscrição na Junta Comercial, não porque
o registro o transforma em empresário, mas porque, assim procedendo, ele se
submete voluntariamente àquele regime jurídico.
O ministro reiterou que o registro, embora seja condição
para o pedido de recuperação judicial, é absolutamente desnecessário para
provar a regularidade do exercício profissional nos dois anos anteriores, sendo
possível essa comprovação por outras formas em relação ao período anterior à
inscrição.
O relator apontou que as condições temporais necessárias
para que o empresário rural solicite a recuperação judicial foram sintetizadas
no Enunciado 97 da III Jornada de Direito
Comercial, promovida pelo Conselho da Justiça Federal.
De acordo com o enunciado, o produtor rural – pessoa natural
ou jurídica –, no momento do pedido de recuperação, não precisa estar inscrito
há mais de dois anos como empresário; basta demonstrar o exercício da atividade
por esse período e comprovar a inscrição anterior ao pedido.
Nem surpresa, nem prejuízo
Bellizze considerou descabido o argumento segundo o qual a
recuperação do produtor rural frustraria a legítima expectativa de seus
credores – que, segundo essa tese, imaginavam firmar relação jurídica de
natureza civil e, portanto, não poderiam ter seus créditos submetidos à
recuperação.
Para o ministro, os credores, ao negociarem com pessoa que
exerce atividade agropecuária, sabem – ou deveriam saber – que o ajuste
contratual está sendo firmado com empresário rural, cujo conceito está
relacionado ao modo profissional pelo qual exerce sua atividade econômica, e
não à existência de prévio registro na Junta Comercial.
"Exercida a faculdade de se submeter ao regime jurídico
empresarial – o que se dá por meio da inscrição –, o superveniente pedido de
recuperação judicial efetuado pelo empresário rural, caso deferido seu
processamento, há de abarcar todos os créditos existentes na data do pedido,
ainda que não vencidos, nos expressos termos do artigo 49, caput, da Lei
11.101/2005", afirmou.
Em seu voto, Bellizze ainda lembrou que o patrimônio do
empresário rural é exatamente o mesmo empenhado pelo devedor no momento
da celebração do negócio, "a evidenciar, também sob esse aspecto, a
ausência de prejuízo ou surpresa para os credores".
Leia o acórdão.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1811953
Fonte: Superior Tribunal de Justiça